Evitando Injustiças

Especialistas apresentam sugestões sobre reconhecimento de pessoas no novo CPP

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3 de maio de 2021, 19h56

Grupo que reúne professores e pesquisadores de todo o país, nas áreas do processo penal e da psicologia, encaminhou a parlamentares que integram a Comissão Especial do Novo Código de Processo Penal uma proposta de nova redação aos artigos do Projeto de Lei que tratam sobre o reconhecimento de pessoas.

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No último dia 13, o deputado João Campos (Republicanos/GO) — relator-geral da comissão especial na Câmara dos Deputados — apresentou o seu parecer preliminar, junto com a proposta de texto substitutivo para o Projeto de Novo Código de Processo Penal (PL 8.045/2010). Após, foram agendadas reuniões temáticas para que os sub-relatores de cada tema apresentem suas considerações e propostas de emendas ao texto elaborado.

O tema do reconhecimento de pessoas está tratado nos artigos 231 e seguintes do substitutivo apresentado pelo relator e, uma vez aprovado, consistirá na primeira atualização da legislação existente sobre a matéria nos últimos 80 anos.

De acordo com os pesquisadores que integram o grupo e para os institutos que aderiram às sugestões, uma reforma das regras atualmente previstas no artigo 226 e seguintes do Código de Processo Penal é mesmo imprescindível, já que o Brasil está em grande descompasso com as metodologias e protocolos mais modernos que são adotados internacionalmente.

Graças às pesquisas — principalmente, no campo das neurociências e da psicologia experimental — e aos avanços científicos obtidos nos últimos 40 anos, há hoje a compreensão de que o procedimento do reconhecimento deve observar uma série de cautelas, sem as quais se aumenta consideravelmente a chance de falsos-positivos, que ocorre quando uma pessoa inocente é erroneamente reconhecida pela testemunha ou pela vítima e é apontada como autora de uma infração.

Nos Estados Unidos, dados da organização Innocence Project apontam que os erros de reconhecimento sejam causa presente em cerca de 70% dos casos de erros judiciais. Nessas situações, as condenações de inocentes foram somente revistas após a prova de DNA demonstrar que as pessoas condenadas não cometeram os crimes pelos quais haviam sido acusadas.

Isso tem ajudado a impulsionar um movimento global que busca o aprimoramento do modo como são realizados os reconhecimentos de suspeitos nas delegacias e nos fóruns criminais, com o objetivo de tornar o procedimento mais seguro, isto é, que apresente maior acurácia de seus resultados e maior blindagem contra qualquer tipo de induzimento ou sugestão, ainda que de forma involuntária.

Na sugestão de texto enviada aos parlamentares, os pesquisadores procuraram refletir as melhores práticas já adotadas internacionalmente e que se referem à forma como é feito o registro e documentação do procedimento; às instruções prévias que devem ser dadas às vítimas e testemunhas; à conduta do funcionário responsável pela condução do procedimento; ao modo como deve ser feita a fila ou alinhamento do suspeito e dos não-suspeitos etc.

A proposta encaminhada também aborda quais salvaguardas devem ser utilizadas quando o reconhecimento é feito por fotografia, apontando que, também nesse caso, deve ser seguida a mesma metodologia do reconhecimento presencial, sendo vedado o uso de "álbum de suspeitos", prática que ainda hoje é muito utilizada nas investigações criminais e que tem um considerável potencial de gerar identificações errôneas.

Para o grupo de pesquisadores — que conta com a participação da professora Lilian Milnitsky Stein, doutora em psicologia cognitiva pela Universidade do Arizona (EUA), e que há mais de 20 anos se dedica às pesquisas sobre o tema, sendo considerada uma das maiores experts brasileiras no assunto —, será muito ruim se o Brasil perder essa oportunidade histórica de renovar a sua legislação sobre reconhecimento de pessoas nessa anunciada reforma do seu Código de Processo Penal.

Os especialistas adicionam que o único avanço do texto proposto como substitutivo consiste na proibição de que o reconhecimento seja feito por meio da exibição apenas do suspeito à vítima, determinando, em lugar disso, que o suspeito seja apresentado com pelo menos mais quatro outras pessoas, que deverão ser exibidas uma a uma à vítima ou à testemunha.

Embora essa medida seja muito importante, esse seria um avanço muito tímido, especialmente se comparado com o que preconizam hoje as legislações e protocolos adotados em outros países, e até mesmo quando se têm em vista as decisões mais recentes do Superior Tribunal de Justiça, que vem anulando prisões e condenações baseadas em reconhecimentos feitos sem a devida observância das prescrições legais.

Na visão do grupo de especialistas — que buscou aproveitar na sua proposta a redação de artigos que já constavam de outros PLs em tramitação no Congresso Nacional —, a elaboração de um novo Código é uma oportunidade para que a legislação brasileira seja colocada em dia com o que já está assentado pela ciência e que já tem se refletido nos mais respeitados protocolos internacionais sobre o tema, o que permitirá um significativo aprimoramento da investigação criminal e do sistema de justiça como um todo.

Integram o grupo os seguintes pesquisadores: Alessandra Mascarenhas Prado (Nesp/UFBA), Ana Luiza Bandeira (USP), Antônio Vieira (Universidade Católica de Salvador), Caio Badaró (USP), Clarissa Borges (IDDD), Fernanda Furtado (Nesp/UFBA), Gustavo Noronha de Ávila (Unicesumar/PUCPR), Iara Lopes (Defensoria Pública de Santa Catarina), Janaina Matida (Universidad Alberto Hurtado/Chile), Lara Teles (Defensoria Pública do Ceará), Leonardo Marcondes Machado (Polícia Civil de Santa Catarina), Lilian Stein (UFSC), Lívia Moscatelli (USP), Luiz Borri (Unicesumar), Márcia Irigonhê (Presidente estadual do Instituto Anjos da Liberdade de Santa Catarina), Rafaela Garcez (Defensoria Pública do Rio de Janeiro), Rodrigo Faucz Pereira e Silva (FAE/Universidade Tuiuti do Paraná), Saulo Mattos (Ministério Público da Bahia), Thiago Vieira (Universidade Católica de Salvador), Thiago Yukio (Defensoria Pública de Santa Catarina), Tiago Gagliano Pinto Alberto (Juiz de Direito/ PUCPR), Vitor de Paula Ramos (Universitat de Girona/Espanha) e William Cecconello (Faculdade IMED).

A proposta ainda conta com o apoio e adesão das seguintes entidades: Grupo de Pesquisa sobre Epistemologia Aplicada aos Tribunais (FND/UFRJ), Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP), Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e Neurolaw (Estudos Interdisciplinares entre Direito e Neurociências).

Clique aqui para ler a sugestão de texto enviada aos parlamentares

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