Opinião

As necessárias alterações no processo fiscal paulista e o voto de qualidade

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2 de maio de 2021, 11h14

Como amplamente noticiado em 2020, há um ano a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo promoveu a discussão da aprovação do Projeto de Lei (PL) nº 367/2020, de autoria do deputado Sérgio Victor (Novo), que pretende promover importantes alterações na Lei nº 13.457/2009  que dispõe sobre o processo administrativo tributário paulista.

Em julho daquele ano, o PL foi distribuído ao deputado Heni Ozi Cukier (Novo) e desde então não houve novidades no andamento de tal projeto, cuja louvável iniciativa de alteração legislativa diz respeito à adequação do regramento processual administrativo às disciplinas do novo Código de Processo Civil (CPC), aprovado pela Lei nº 13.105/2015. 

Merece destaque que, apesar da previsão expressa no artigo 15 do CPC de sua aplicação supletiva e subsidiária ao processo administrativo tributário, na prática, não é isso o que ocorre nas discussões administrativas e esse é um dos pontos que o referido PL pretende, corretamente, ajustar.

Ainda vale recordar que atualmente muitas matérias com desfecho já sedimentado no Judiciário não são de aplicação obrigatória à corte administrativa paulista, em razão do descompasso da redação atual do artigo 28 da referida Lei nº 13.457/2009 e o artigo 927 do CPC.

Nesse ponto, o mencionado PL também é cirúrgico e pretende adaptar à realidade das discussões administrativas ao entendimento jurisprudencial pacificado na esfera judiciária, assegurando maior segurança jurídica aos contribuintes.

Discussões como a inaplicabilidade de juros superiores à Selic (com decisão favorável aos contribuintes proferida pelo órgão especial do Tribunal de Justiça de São Paulo e pelo STF), envolvendo declaração de inidoneidade do fornecedor das mercadorias (com precedente favorável julgado em sede de recurso repetitivo pelo Supremo Tribunal de Justiça) e a inexigibilidade do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular (com entendimento sumulado pelo STJ e recentemente pacificado pelo STF) podem ganhar força com a eventual implementação dessa medida, assegurando a uniformização da jurisprudência administrativa e judicial.

É importante observar, a esse respeito, que, a partir de agosto de 2018, com a entrada em vigor da Resolução PGE nº 14/2018, a própria Procuradoria Geral do Estado (PGE) de São Paulo foi autorizada a deixar de recorrer aos tribunais superiores relativamente a discussões com entendimento jurisprudencial sedimentado.

Muitas dessas discussões, inclusive, devem ser objeto de transação tributária recentemente regulamentada pela Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo por meio da Resolução PGE 27/2020 e da Portaria SUBGCTF 20/2020, o que pode, futuramente, deixar de fazer sentido na hipótese de aprovação de tal PL.

Nesse contexto, não há motivo para que exigências dessa natureza continuem afogando o Poder Judiciário, seja pelo atendimento aos princípios da economia e celeridade processual, seja pelo necessário dispêndio arcado pelo contribuinte para contratação de garantia ou seja pela futura sucumbência que a Fazenda Pública terá de arcar, cujos critérios e percentuais se encontram previstos nos parágrafos 3º e seguintes do artigo 85 do CPC.

A extinção do valor de alçada para recorrer ao Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT/SP) revela-se importante atendimento ao pleito dos contribuintes, na medida em que a exigência de valor mínimo para acesso ao órgão julgador mostra-se afronta aos princípios da igualdade, do duplo grau de jurisdição, do devido processo legal e do acesso à Justiça (inciso II do artigo 150, incisos LXXVIII, LIV e XXXV do artigo 5º, todos da Constituição Federal, respectivamente).

Com a implementação do processo eletrônico, não parece que o recebimento de novas demandas pelo tribunal, ainda que de valores ínfimos, vá prejudicar a eficácia do referido órgão julgador administrativo.

Ainda que se entenda dessa forma, o acesso ao duplo grau de jurisdição (sem que se tenham fiscais e delegados da mesma repartição fazendária apreciando impugnação e recurso administrativo) deve ser irrestrito, de modo que, como alternativa, poderia ser sugerida a criação de câmaras especializadas dentro do próprio TIT para esses julgamentos, como funciona atualmente no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

De todo modo, apesar de notáveis e necessárias, algumas alterações merecem reflexão. Conforme inciso I do artigo 1º do PL 367/2020 (que pretende alterar a redação do caput do artigo 6º da Lei nº 13.457/2009), a contagem dos prazos processuais passará a ser computada em dias úteis, da mesma forma como previsto no artigo 219 do referido novo CPC.

Contudo, o prazo para contestação no processo cível é de 15 dias, ao passo que os lançamentos tributários e as decisões podem ser impugnados/recorridas no prazo de 30 dias. A alteração na metodologia da contagem pode representar um aumento significativo e talvez não razoável nos prazos processuais dentro da sistemática do processo administrativo fiscal paulista.

Além disso, na prática, a contagem do prazo para apresentação de defesa, por exemplo, se confunde com aquele relacionado ao pagamento com os descontos ordinários previstos na legislação (artigo 35 da Lei nº 13.457/2009 e incisos I e II do artigo 95 da Lei nº 6.374/1989).

A esse respeito, vale refletir se será possível a parametrização do sistema para atender essa nova realidade, ou seja, se o contribuinte poderá usufruir desses descontos dentro do prazo corrido de 30 dias ou até a data em que se encerrará seu direito de impugnar o lançamento, que passará a ser contabilizado em dias úteis.

Por fim, apesar das demais relevantes alterações propostas, uma última reflexão que se mostra cabível e não menos atual, diz respeito à necessidade de discussão, ainda no âmbito desse PL, quanto à extinção do voto de qualidade no TIT.

Como se sabe, com a conversão da Medida Provisória 899/2019 na Lei 13.988/2020 e a consequente inserção do artigo 19-E na Lei 10.522/2002, o voto de qualidade foi extinto no âmbito das discussões no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

A analogia pode parecer óbvia, mas vale lembrar que estamos diante de esferas distintas e autônomas e o voto de qualidade no referido órgão julgador administrativo federal é utilizado de maneira distinta do TIT, onde o voto de qualidade também beneficia o contribuinte em se tratando de câmara julgadora cujo presidente é representante dos contribuintes.

De todo o modo, vale lembrar que a criação e instituição do Tribunal de Impostos e Taxas se deu pela Lei n° 7.184/1935, sendo que o artigo 8º da referida norma previa, desde aquela época, o voto de qualidade nas discussões administrativas estaduais paulistas.

Ocorre que tal previsão foi uma compilação da já existente regra contida no artigo 12 do Decreto nº 20.350/1931, que regulamentou a criação do antigo Conselho de Contribuintes (atual Carf), aprovada no Decreto nº 5.157/1927.

Isso significa dizer, a todo rigor, que a edição da norma estadual que criou o referido tribunal administrativo estadual e previu a existência do voto de qualidade, nada mais é que uma compilação da norma federal, atinente ao Carf.

Nesse contexto, em decorrência desse histórico legislativo, ou seja, considerando que a criação do voto de qualidade no TIT foi oriundo da previsão desse mecanismo no próprio antigo Conselho de Contribuintes (atual Carf), a recente derrubada dessa regra em âmbito federal deveria, agora, sim, por consequência lógica, ensejar a revogação (ou ao menos a discussão) dessa metodologia de voto em âmbito das discussões tributárias administrativas estaduais paulistas.

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