Opinião

Lei n°14.133/2021: a proibição de lances para obras e serviços de engenharia

Autor

  • Alberto de Barros Lima

    é Advogado e engenheiro civil mestre em leis de Direito Empresarial pela FGV do Rio de Janeiro autor das obras "Como Participar de Licitação Públicas" "Legislação as Leis de Licitações e Contratos Administrativos" “A Ampliação das Vantagens para as Micro e Pequenas Empresas nas Compras Governamentais” e “Termo de Referência e Projeto Básico nas Aquisições Governamentais” consultor SEBRAE e participante da Comissão de Direito à Infraestrutura da OAB/PE.

30 de junho de 2021, 16h06

1) Contexto
No contexto nacional, é fato notório a existência de uma quantidade enorme de obras paralisadas ou mal executadas em todos os cantos do país. Esse problema grave atinge a Administração Pública, provoca desperdício de recursos do erário público e, por consequência, deixa à mercê a sociedade, tão carente dos serviços ou equipamentos por indisponibilidade destes.

Segundo o portal do Tribunal de Contas da União (TCU), uma auditoria operacional determinada pelo ministro Vital do Rêgo em 2019 concluiu, entre outras coisas, que as obras financiadas com recursos federais em situações paralisadas ou inacabadas ultrapassam em mais de 30%, o que leva a imaginar o quanto pior é esse quadro entre entes estaduais e municipais.

Ao analisar mais profundamente a auditoria, que inclusive provocou ao final o Acordão do TCU nº 1079/2019  Plenário várias ações e recomendações, o achado maior não foi novidade: projetos básicos deficientes, inexistentes ou desatualizados, aliados ao abandono da obra pelas empresas. Ao trazer os números da auditoria, pode-se constatar que esta foi extremamente ampla, abrangendo mais de 38 mil contratos, estando mais de 14 mil destes paralisados, ou seja, algo próximo de 37% está a gerar prejuízos estratosféricos para o desenvolvimento nacional e à sociedade.  

As causas e motivações que provocam tais paralizações são diversas, porém vamos destacar as duas maiores, que com certeza já embasam esse estudo. Do total de paralisações, 47% advêm de problemas técnicos aliados à deficiência de projetos, somado ao abandono da obra pela empresa com mais outros 23%. Infelizmente, as duas causas principais mencionadas pela auditoria não adentraram nos fatos ligados às causas de forma objetiva, mas é possível imaginar com a nossa experiência que quase a totalidade desses percentuais acima informados advém dos preços.

Se 70% (47% referentes a problemas técnicos e 23%, de abandono de obra pela empresa) das causas de obras paralisadas ou inacabadas vinculam a esses problemas e estes estão intimamente ligados a preços, haja vista que problemas técnicos envolvem orçamento e abandono da obra pela empresa se constitui na grande maioria das vezes na incapacidade financeira de realizar a continuidade dessa obra, é clara a importância que a Administração deve ter tanto ao elaborar o orçamento estimativo quanto na análise da exequibilidade da proposta vencedora. Não incluímos os problemas de obras mal executadas ou de baixa qualidade que ocorrem também por problemas orçamentários.

Nessa linha, a forma definida pela nova Lei de Licitações para a grande maioria das contratações de obras e serviços de engenharia foca ainda mais na busca desenfreada do menor preço, que vem conceituada em antecipar disputa de preços entre os ofertantes sem qualquer análise de qualificação na forma de proposta aberta de valor submetida ao escrutínio de lances decrescentes de valor global pelos demais. Ou seja, se atualmente, como demonstrado nesse contexto de propostas fechadas, já temos uma enormidade de obras inconclusas ou mal executadas pelo fator "preço", na nova lei, se mantida tal interpretação, o problema será em muito acentuado.

No ponto seguinte se destaca o conteúdo da Lei nº 14.133/2021 que vai proporcionar a necessidade do destaque "proibir lances para obras e serviços de engenharia", objetivando ao menos não acrescer mais problemas ao gigantesco percentual já mencionado.

Ainda a favor da verdade, de uma forma ou outra, o Acordão TCU nº 1.079/2019 propôs ações e procedimentos que se atendidos podem reduzir essa calamidade de desperdício de recursos da sociedade, porém atitudes outras, como veremos mencionada neste artigo, devem também se somar a não acrescer de fatores novos, que, se não tiverem os cuidados devidos na implantação da nova Lei de Licitações e Contratos, podem vir a causar ainda mais problemas ao acentuar as causas das obras paralisadas, inacabadas ou quando concluídas de má qualidade, que as vezes são até imprestáveis ao uso finalístico.

2) O que diz a nova lei
De forma objetiva e direta, a recém sancionada Lei de Licitações e Contratos prescreveu as seguintes modalidades (artigo 28 da Lei nº 14.133/2021): pregão, concorrência, concurso, leilão e diálogo competitivo. Na nossa temática deste artigo, apenas vamos nos limitar à concorrência, visto que o parágrafo único do artigo 29 da Lei literalmente exclui o pregão para obras e serviços de engenharia. Senão vejamos:

"Artigo 29, § único da Lei nº 14.133/2021 — O pregão não se aplica às contratações de serviços técnicos especializados de natureza predominante intelectual e de obras e serviços de engenharia, exceto os serviços de engenharia de que trata a alínea "a" do inciso XXI do caput do artigo 6º desta Lei".

Sobre a exceção informada, que consta na alínea "a" do inciso XXI, apenas se excetuam os "serviços comuns de engenharia", estes extremamente raros, pois em sua definição se exige que estes sejam padronizáveis (o que já é difícil), somado com a preservação das características originais dos bens, ou seja, obra não pode utilizar a modalidade pregão (o bem ainda não existe) e serviço de engenharia normalmente não é padronizável e ainda tem de se tratar de atividade que preserve a característica do bem, novamente remetendo a coisa já existente, o que é difícil de ocorrer.

Ultrapassado esse ponto, soma-se que as demais modalidades (concurso e leilão) não possuem vinculação com o objeto obra ou serviço de engenharia e o diálogo competitivo é restrito a inovação técnica ou tecnológica sem precisão para as necessárias especificações técnicas, ou seja, foge à regra da lei, o que será excepcionalidade de ocorrência.

Acredita-se, assim, que já se estabeleceu pelo descrito que, em regra, apenas a modalidade concorrência pode ser utilizada nas licitações das obras e serviços de engenharia, pelo estabelecido na Norma Geral de Licitação e Contratos, Lei nº 14.133/2021, sancionada e vigente.

Diante dessa modalidade (concorrência), praticamente única para licitar obras e serviços de engenharia, vamos adentrar nos procedimentos, considerando nesse caso apenas os critérios de julgamento das propostas estabelecido no artigo 33, I e II, respectivamente, menor preço e maior desconto, visto que esses critérios correspondem a mais de 90% dos certames licitatórios, sendo os demais critérios, como técnica, conteúdo artístico, maior lance e retorno econômico, uma exceção à regra.

Os procedimentos contidos na nova lei (pregão e concorrência) possuem forma idêntica para ambas as modalidades (artigo 29, caput), remetendo ao artigo 17 da mesma lei a observação de sua sequência nas fases estabelecidas, sendo oportuno transcrevê-las, face a ser este o ponto fundamental a que estamos estudando:

"Artigo 17  O processo de licitação observará as seguintes fases, em sequência:
I  Preparatória;
II  De divulgação do edital de licitação;
III  de apresentação de propostas e lances, quando for o caso;
IV  De julgamento;
V  De habilitação;
VI
 Recursal;
VII
 de homologação".

O destaque do conteúdo do artigo 17 se refere à fase do inciso III da lei, quando menciona "quando for o caso". Qual a intenção dos nossos legisladores quando mencionaram essa expressão?

Não houve qualquer menção esclarecedora na lei sobre isso, ou seja, apresentar lances ou não depende do caso, assim entendemos.

Observem, senhores, que até o momento anterior a essa lei o objeto "obras" não tinha permissão para o uso de lances. Isso ocorria pela temeridade da qualidade e de se tornarem ainda mais inexequíveis as propostas de preço dos licitantes, por total influência dos valores ofertados pelos demais concorrentes.

É do senso comum que é impossível pelo prazo disponível na lei de dez dias úteis entre a divulgação do edital a da ocorrência do certame (conforme estabelece o artigo 55, II, "a") ter a empresa participante segurança em seu preço proposto, sendo este, se permitidos lances abertos no certame, submetidos à influência das demais propostas. Assim, se hoje temos problemas nas obras conforme já informado, como também nos serviços por baixa qualidade e inexecuções, ao se decidir por permitir disputa em lances abertos na modalidade concorrência para obras e serviços de engenharia (serviços futuros a realizar) isso se torna extremante temerário.

No tocante aos serviços de engenharia, destacamos que os enquadrados como serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual, definidos pelo inciso XVIII do artigo 6º, constante das alíneas "a", "d" e "h" (estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos e executivos, fiscalização, supervisão, gerenciamento de obras e serviços, controle de qualidade, analise, teste, ensaios etc.), de valor superior a R$ 300 mil, tiveram na lei tratamento diverso, sendo o critério de julgamento determinado por melhor técnica ou técnica e preço (artigo 37, §2º, I e II), o que verdadeiramente foi um avanço considerável, apesar de ter ocorrido no primeiro momento o veto presidencial desse parágrafo, mas ao final o Congresso Nacional restaurou esse posicionamento que vem em favor de tentar reduzir o quadro de projeto básico deficiente ou inadequado.

Dessa forma, entendemos que a nova Lei de Licitações e Contratos praticamente definiu que as obras e serviços de engenharia serão licitados pela modalidade concorrência e que os serviços de engenharia de predominância intelectual de valores acima de R$ 300 mil terão critério de julgamento por técnica ou técnica e preço. Assim, é necessária para as obras e demais serviços de engenharia, quando aplicado o critério de julgamento das propostas por menor preço ou de maior desconto (maioria dos certames licitatórios), a opção de não permitir lances, fundamentada em obter o menor preço proposto para o certame, sem incentivar a inexequibilidade pela influência das demais propostas em um leilão para serviços ou obras, que no mínimo será bastante temerário em seu resultado final.

3) Conclusão e considerações finais
A título conclusivo, consideramos que o afirmado no último parágrafo do ponto anterior já é extremamente contundente, porém se deve entender que a lei não estabeleceu de forma clara, precisa e transparente um diretivo objetivo se as obras ou serviços de engenharia quando aplicado o critério de julgamento do menor preço ou maior desconto poderão ou não se submeter a lances.

Apenas a título de reforço, estamos aqui a defender que as licitações de obras e serviços de engenharia sejam, quando possível, contratadas com o menor preço, porém este deve ser obtido com a proposta ofertada com o mínimo de estudo anterior, sem interferência de preços de empresas outras. Diferença de preços finais superiores ao lucro e às despesas administrativas, quando comparados ao orçamento estimativo, não existem, é certeza de problema na maioria das vezes.

A Instrução Normativa nº 02/09 era explícita em exigir declaração de elaboração independente de proposta por considerar o fato dessa interferência um transtorno ao certame. Imaginemos, então, quando se trata de preços abertos para execução futura!? Não sejamos ingênuos em nossas análises, tirando as exceções, redução de valor sem critério baseado no preço de concorrente em proposta aberta vai provocar redução forte da qualidade ou mais abandono das obras.

Somado a isso, temos que a nova Lei de Licitações e Contratos, ao tentar acrescer celeridade e reduzir controvérsias nas habilitações, inverteu a ordem das fases de habilitação e proposta, e assim a realização de um leilão de preços com empresas sem a habilitação suficiente (já que isso é aferido a posterior e de ocorrência comum) levará a um desastre superior à calamidade já vivenciada e atestada pelo principal órgão de controle do país.

Acreditamos que, ante tudo mencionado, principalmente o contexto atual vivenciado, o proposito do tema: proibir lances para obras e serviços de engenharia é mais do que bem vindo em ser estabelecido objetivamente, tema este que vai de encontro ao bem da qualidade da engenharia, ao bom senso, pois nem as pessoas comuns ou as empresas privadas se utilizam da busca desenfreada do menor preço, fazendo leilão de quem dá menos para serviços futuros a executar, principalmente quando não se tem a certeza da qualificação. É no mínimo uma temeridade, arriscamos a dizer que é e será se mantido tal interpretação contrária uma irresponsabilidade.

Nessas considerações finais, é ainda oportuno informar que mesmo considerando que o texto da nova lei garanta a discricionariedade da Administração em não oportunizar lances nas licitações de menor preço ou maior desconto em licitação de obras e serviços de engenharia, considerando que os agentes de contratação estão submetidos aos rigorismos de fiscalização que podem vir a interpretar diferentemente do explanado e não definido em decreto, dificilmente esses agentes optarão por não realizar a etapa de lances.

Senhores, é fácil perceber que os legisladores e os especialistas do Executivo que realizam a interpretação das leis (via decretos ou instruções normativas) não adentram no acompanhamento da execução das contratações e suas finalizações. Dessa forma, transparecem que suas decisões explanadas vêm em favor do melhor para a Administração (busca de economicidade), mas essa economia inicial (normalmente festejada) não se configura com a proposta mais vantajosa prevista na lei, no artigo 11,I, visto que na execução futura os problemas irão ocorrer (falta de qualidade, aditivos, paralisações etc.), e a isso que buscamos evitar e combater.

Devemos destacar que o decreto regulamentador tratará de mais de 40 pontos mencionados explicitamente na lei de necessidade firmada, assim ainda é oportuno lutar junto ao Poder Executivo por essa definição explícita: proibir lances para obras e serviços de engenharia, sendo essa ação recomendada com o objeto de esclarecer o inciso III do artigo 17 da nova Lei de Licitações e Contratos, quando mencionou, "se for o caso".

Assim, ao final desta breve análise, que com certeza ainda possui outros pontos que a corroboram, conclamo todos, em especial a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), a academia (escolas e universidades de engenharia), o Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon), a Ordem dos Advogados do Brasil  (OAB), o Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco), o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), os Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia (Creas) e demais entidades afins que lutam por uma engenharia forte, de qualidade, somada a evitar desperdício dos recursos da sociedade, para fazer constar com todas as letras que as obras e serviços de engenharia não serão contratadas na Administração Pública por via de um leilão, mas, sim, por um preço justo com empresa que possuirá as qualificações para sua perfeita execução.

 

Referências bibliográficas
BRASIL, Lei nº 8.666/93, de 21 de junho de 1993;

BRASIL, Lei nº 10.520/02, de 17 de julho de 2002;

BRASIL, Lei nº 14.133/21, de 01 de abril de 2021;

IBRAOP, Instituto Brasileiro de Auditoria de obras Públicas, Carta aberta sobre obras Públicas Inacabadas no Brasil. Disponível em http://www.ibraop.org.br, acessado em 20 de junho de 2021;

TCU, Tribunal de Contas da União. Auditoria Operacional sobre obras Públicas/2019, Acordão nº 1079/2019 – Plenário. Disponível em http://www.portaltcu.gov.br, acessado em 21 de junho de 2021.

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    é Advogado e engenheiro civil, mestre em leis de Direito Empresarial pela FGV do Rio de Janeiro, autor das obras "Como Participar de Licitação Públicas", "Legislação, as Leis de Licitações e Contratos Administrativos", “A Ampliação das Vantagens para as Micro e Pequenas Empresas nas Compras Governamentais” e “Termo de Referência e Projeto Básico nas Aquisições Governamentais”, consultor SEBRAE e participante da Comissão de Direito à Infraestrutura da OAB/PE.

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