Direto do Carf

Créditos de PIS/Cofins com despesas portuárias na importação e exportação

Autor

  • Carlos Augusto Daniel Neto

    é sócio do escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP) mestre em Direito Tributário pela PUC-SP com estágio pós-doutoral em Direito Tributário na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) é visiting scholar no Max-Planck-Instituts für Steuerrecht und Öffentliche Finanzen ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf pesquisador do NEF/FGV presidente da Comissão de Direito Aduaneiro do Iasp e professor permanente do mestrado profissional do Cedes e da pós-graduação do IBDT.

30 de junho de 2021, 8h00

Na nossa coluna desta semana abordaremos tema que foi recentemente objeto de decisão bastante alardeada da 3ª Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), autorizando a tomada de créditos de PIS/Cofins não cumulativos sobre despesas portuárias, com base no artigo 3º, II, das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03, que dispõem, verbis:

Spacca
"Artigo 3º  Do valor apurado na forma do artigo 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:
II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o artigo 2º da Lei no 10.485, de 3/7/2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da TIPI".  

Antes de adentrar nessa decisão específica, é preciso esclarecer dois pontos: 1) o que seriam tais despesas portuárias; e 2) em que espécie de operação elas estariam sendo realizadas, se importação ou exportação.

Os serviços portuários podem abranger uma gama de atividades bastante ampla, a exemplo do rol de atividades trazida pela Lei nº 12.815/2013, em seu artigo 40, §1º, quais sejam, capatazia, bloco, estiva, conferência de carga, conserto de carga e vigilância de embarcações, além de algumas atividades não listadas nesse dispositivo, como a armazenagem da mercadoria no estabelecimento alfandegado.

Pois bem, esses gastos podem ser envidados por uma empresa brasileira, sujeita ao PIS/Cofins não cumulativo, tanto no âmbito de operações de importação, quanto de exportação, e essa distinção tem sido relevante para a solução jurídica a ser dada pelo Carf.

Em se tratando de despesas portuárias na importação, a Receita Federal possui entendimento exarado no ADI RFB nº 04/2012 no sentido de que elas não geram direito ao desconto de créditos de PIS/Cofins por falta de amparo legal.

Não obstante, verifica-se que o Carf tem reiteradamente reconhecido que as despesas portuárias relacionadas à importação de insumos que serão empregados no processo industrial ou produtivo (e.g. matérias-primas) devem ser consideradas parcela do custo de aquisição da mercadoria e, portanto, passível de creditamento com base no artigo 3º, II, das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03.

Esse entendimento é sintetizado no Acórdão nº 3402-007.190 [1], unânime, ao afirmar que "os serviços portuários aplicados diretamente aos insumos importados são imprescindíveis para que estes cheguem até estabelecimento da recorrente, onde ocorrerá efetivamente o processo produtivo de interesse. Embora antecedam o processo produtivo da adquirente, são serviços essenciais. A subtração do serviço portuário privaria o processo produtivo da recorrente do próprio insumo importado" (no mesmo sentido, v. Acórdão nº 3201-007.210 [2]).

Merece destaque, no acórdão citado, que a relatora traça um paralelo entre as despesas portuárias e a possibilidade de creditamento do "insumo do insumo" (a exemplo das discussões sobre os créditos de custos na fase agrícola de agroindústrias, e.g. Acórdão nº 9303-007.864 [3]), reconhecendo se tratar de discussões absolutamente análogas, e que, portanto, deveriam ter o mesmo tratamento, e invoca o entendimento exarado pela própria RFB, no Parecer Normativo nº 05/2018 — o que indica uma contrariedade com o ADI RFB nº 04/2012.

Com as mesmas conclusões, mas sem recorrer ao precedente firmado pelo STJ no REsp nº 1.221.170/PR, o Acórdão nº 3201-003.170 [4] recorre à analogia com os custos de frete na aquisição de insumos, que tradicionalmente são reconhecidos pelo Carf como componente do custo do produto adquirido e, logo, creditável.

Fato é que após o julgamento do REsp nº 1.221.170/PR, a jurisprudência do Carf se pacificou no sentido de reconhecer o direito de creditamento de custos relacionados à aquisição de insumos para o processo produtivo, encerrando maiores polêmicas sobre essa questão.

Por outro lado, em relação à exportação de produtos acabados, o cenário é bem distinto.

Os Acórdãos nº 3401-003.069 [5] e 3401-006.211 [6], unânimes, mantiverem a glosa desses créditos, justificando que as despesas portuárias não poderiam ser consideradas insumos, por serem gastos posteriores à finalização da produção (e não serem decorrentes de obrigação legal, naturalmente), e tampouco se enquadrariam no artigo 3º, IX, das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03 (que autorizam o crédito relativo a despesas de armazenagem e frete na venda, se arcados pelo vendedor) por não se tratar de armazenagem, nem frete, mas de outros serviços.

No Acórdão nº 3402-007.345 [7], ressaltou-se adicionalmente o teor do Parecer Normativo RFB nº 05/2018, que entendeu que somente seria possível o reconhecimento de gastos posteriores à finalização do produto como insumos nos casos em que ele seja decorrente de obrigação legal, o que não seria na hipótese dos serviços portuários. Adotando essa mesma linha v. Acórdãos nº 3302-005.648 [8], 3001-001.339 [9] 9303-006.718 [10], 9303-009.346 [11].

No sentido contrário, mencione-se os Acórdãos nº 3201-007.881 [12] e 3201-003.170 [13], que reconhecem que as despesas portuárias são imprescindíveis para a efetivação das operações do contribuinte, sendo consideradas insumos em razão da sua essencialidade.

Como se vê, há uma tendência bastante consolidada na jurisprudência, nas câmaras baixas, quanto a negar o direito de crédito sobre essas despesas, nas operações de exportação, por não serem insumos, nem se confundirem com armazenagem/frete na venda, não se subsumindo, portanto, às hipóteses do inciso II ou IX do artigo 3º das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03.

Na 3ª CSRF a posição assumida tem oscilado bastante, não apenas nas conclusões como nos fundamentos adotados.

Em precedentes mais antigos (Acórdãos 9303-006.718 [14] e 9303-009.727 [15]) se rejeitou o crédito de despesas portuárias por se tratar de gasto após o término da produção da mercadoria, e que logo não se enquadrariam como insumos. Nesse ponto, é paradoxal que a 3ª CSRF tenha decisões contemporâneas reconhecendo os créditos de fretes de produtos acabados como insumos essenciais, invocando o REsp nº 1.221.170/PR (Acórdão nº 9303-008.585 [16]), ao mesmo tempo em que negue tal crédito às despesas portuárias pelo fundamento de serem posteriores ao processo produtivo.

O critério do artigo 3º, II, entretanto, foi abandonado posteriormente: no Acórdão nº 9303-008.304 [17], de 3/2019, por unanimidade, afirmou que as despesas portuárias e de estadia, nas operações de exportação de produtos, constituiria "despesas de armazenagem e/ou despesas nas operações de venda" e, portanto, geraria crédito de PIS/Cofins, com base no artigo 3º, IX, da legislação de regência.

Por outro lado, no Acórdão nº 9303-009.719 [18], de 11/2019, por maioria de votos, se negou o creditamento de despesas portuárias na exportação rechaçando o enquadramento de tal gasto como insumo, e sustentando que também estaria fora do alcance do artigo 3º, IX, pois "a operação de venda se dá até a entrega no local de embarque para exportação".

No Acórdão nº 9303-010.124 [19], de 2/2020, reconheceu-se o direito ao creditamento das despesas portuárias como insumos, sob o fundamento de que o contribuinte era prestador de serviços portuários para terceiros e esses gastos seriam insumos do seu processo produtivo — trata-se, portanto, de um contexto fático distinto dos demais casos analisados.

Na sequência, nos Acórdãos nº 9303-010.724 [20] e 9303-011.239 [21], ambos por voto de qualidade, foi rejeitado o creditamento por não serem gastos essenciais à produção dos bens vendidos, não se enquadrando como insumos conforme o conceito estabelecido pelo STJ. Complementarmente, ambos aduziram que tais despesas não seriam caracterizáveis como frete e armazenagem na operação de venda, afastando também o artigo 3º, IX.

Por fim, a decisão alardeada recentemente foi aquela proferida no Acórdão nº 9303-011.412 [22], o voto vencedor se limitou a dizer que "em razão das operações de importação e exportação, tanto de matérias-primas como dos produtos acabados, as despesas com serviços portuários mostram-se essenciais ao seu processo produtivo", enquadrando tais gastos como insumos e reconhecendo o direito ao crédito com base no artigo 3º, II. A posição favorável ao contribuinte acabou prevalecendo por força do artigo 19-E, da Lei nº 10.522/2002, em face do empate no julgamento.

Em primeiro lugar, causa estranhamento a decisão fazer referência às operações de importação e exportação em seu voto, quando a matéria admitida se referia exclusivamente "aos serviços portuários após o processo produtivo", como esclarecido pelo relator. Mais ainda, o fundamento apresentado não explicita de que forma tais gastos seriam "essenciais ao processo produtivo".

Como definido pelo próprio STJ, essencial "são todos os bens e serviços que sejam pertinentes ao processo produtivo ou que viabilizem o processo produtivo, de forma que, se retirados, impossibilitariam ou, ao menos, diminuiriam o resultado final do produto". Ora, em se tratando de despesas realizadas após a conclusão do processo produtivo — fato incontroverso no julgamento — caberia uma justificação mais analítica para explicar, qual seria a relação desses gastos portuários com o processo produtivo já encerrado.

O próprio STJ, no julgamento repetitivo, adotou a linha de que gastos posteriores à produção do bem ou prestação do serviço somente poderiam se enquadrar como insumos se decorressem de legislação específica, o que não é o caso. Tanto é assim que a discussão atual se desenvolvia mais em torno do alcance do artigo 3º, IX do que do seu inciso II, para tais gastos.

Com a devida vênia, é um fundamento descompassado em relação à matéria sob julgamento, tendo em vista se tratar não de operações de importação, para a aquisição de matérias-primas, onde caberia a verificação da essencialidade em relação ao processo produtivo, mas sim de exportação, para a venda do produto acabado. O conceito de insumo não compreende gastos posteriores à produção do bem, salvo hipóteses de imposição legal — tanto que no REsp nº 1.221.170/PR se rejeitou o crédito sobre despesas comerciais sob este fundamento.

O próprio fundamento destoa de precedentes favoráveis anteriores da 3ª CSRF, que reconheceram o crédito com base no artigo 3º, IX — entendimento este modificado posteriormente — e da jurisprudência predominante no âmbito das turmas das câmaras baixas.

Não nos parece possível afirmar estarmos diante de uma mudança na jurisprudência do órgão, sobretudo em razão da possibilidade de a matéria chegar à 3ª CSRF por meio de processos de compensação, para os quais o Carf tem afastado a aplicação do voto de qualidade. Além disso, o próprio artigo 19-E, que foi fundamental à decisão favorável, se encontra em franca discussão de sua constitucionalidade no âmbito do STF, sem previsão alguma quanto ao desfecho desse tema.

Como se vê, a discussão em relação aos créditos na importação é bem mais pacífica que em relação à exportação. Além disso, no âmbito da própria CSRF o tema recebeu abordagens das mais diversas, ora favoráveis, ora desfavoráveis, oscilando inclusive quanto aos fundamentos pelo reconhecimento ou pela rejeição das despesas portuárias como créditos de PIS/Cofins.

Como não poderia deixar de ser, onde houver insegurança no conteúdo e alcance dos pontos de partida dogmáticos, haverá também insegurança nos resultados jurídicos alcançados.

 


[1] Rel. Cons. Maria Aparecida Martins de Paula, julgado em 17/12/2019

[2] Red. Designado Cons. Leonardo Toledo de Andrade, julgado em 22/9/2020.

[3] Rel. Cons. Tatiana Migiyama, julgado em 6/2/2019.

[4] Rel. Cons. Marcelo Vieira, julgado em 27/9/2017.

[5] Rel. Cons. Eloy Eros, julgado em 26/1/2016.

[6] Rel. Cons. Rosaldo Trevisan, julgado em 22/5/2019.

[7] Rel. Cons. Silvio Rennan Almeida, julgado em 19/2/2020.

[8] Red. Designado Cons. Vinícius Guimarães, julgado em 24/7/2018.

[9] Red. Designado Cons. Marcos Roberto da Silva, julgado em 16/7/2020.

[10] Rel. Cons. Rodrigo Pôssas, julgado em 15/5/2018.

[11] Rel. Cons. Rodrigo Pôssas, julgado em 14/8/2019.

[12] Rel. Cons. Paulo Roberto Duarte Moreira, julgado em 24/2/2021.

[13] Rel. Cons. Marcelo Vieira, julgado em 27/9/2017.

[14] Rel. Cons. Rodrigo Pôssas, julgado em 15/5/2018.

[15] Rel. Cons. Demes Brito, julgado em 6/1/2020.

[16] Rel. Cons. Rodrigo Pôssas, julgado em 15/5/2019.

[17] Rel. Cons. Rodrigo Pôssas, julgado em 20/3/2019.

[18] Rel Cons. Rodrigo Pôssas, julgado em 11/11/2019

[19] Rel. Cons. Tatiana Migyiama, julgado em 11/2/2020.

[20] Rel. Cons. Andrada Canuto Natal, julgado em 17/9/2020.

[21] Red. Designado Cons. Luis Eduardo Santos, julgado em 10/2/2021.

[22] Red. Designada Cons. Vanessa Marini, julgado em 15/4/2021.

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  • Brave

    é sócio do escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária, doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf e professor em cursos de pós-graduação.

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