Jurisprudência artificial?

TRT-11 rejeita homologação de acordo e reconhece vínculo entre Uber e motorista

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28 de junho de 2021, 20h43

O juízo da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região decidiu rejeitar o acordo entre a Uber e um motorista de aplicativo juntado aos autos do processo na véspera do julgamento.

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Juízo da da 3ª Turma do TRT-11 entendeu que acordo entre empresa e motorista visava criar jurisprudência favorável
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Os desembargadores decidiram pelo reconhecimento do vínculo empregatício entre a empresa de tecnologia e o trabalhador e afirmaram que a companhia visa criar uma uniformidade jurisprudencial.

Segundo a relatora da matéria, desembargadora Ruth Barbosa Sampai, "sob o manto do acordo, as partes buscam, incentivadas pela postura reiterada da reclamada de controlar a jurisprudência, obstar a análise do mérito". "A conduta da reclamada não condiz com o princípio da boa-fé processual (art. 5º, CPC/15)", afirmou.

A magistrada apontou que o caso ultrapassa o interesse meramente individual da parte reclamante, pois atinge a coletividade em geral, uma vez que se trata de prática que deve ser rechaçada por todo, com a finalidade de evitar a ocorrência de dumping social, empresarial, previdenciário, fiscal e trabalhista.

Ela argumenta que a corte não pode se curvar diante da tentativa da Uber de camuflar a aparente uniformidade jurisprudencial, disfarçando a existência de dissidência de entendimentos quanto à matéria analisada. "Esta prática é decorrência da conhecida jurimetria, uma espécie de estatística do direito que, inclusive, em alguns casos, utiliza inteligência artificial para alcançar fins, a priori, de acordo com o ordenamento jurídico, sem que os julgadores percebam o que está, em verdade, ocorrendo. Jamais pode ser aceita no Poder Judiciário, ainda mais quando postos em juízo preceitos e princípios constitucionais que perpassam o interesse meramente individual do reclamante", registrou.

No exame do mérito, a julgadora explica que os motoristas absorvem o risco de todas as corridas empreendidas. "O controle sobre os motoristas é elevado. Apesar dos trabalhadores serem remunerados apenas quando realizam viagens demandadas pelo aplicativo, a Uber mantém a coleta de informações dos motoristas mesmo quando não estão em uma corrida. A partir desses elementos, a empresa consegue delinear padrões", diz trecho do acórdão.

A magistrada também cita o conceito da "subordinação psíquica", que é caracterizado pelo fato de o trabalhador ficar vinculado à prestação dos serviços pela necessidade de subsistência ou até mesmo para que não seja excluído daquela prestação por não ter feito ativações suficientes para a permanência naquele vínculo sob os critérios do algoritmo.

Jurisprudência questionável
Em abril deste ano, a 6ª Turma da 11ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região afirmou que a plataforma pratica uma "manipulação de jurisprudência".

Isso porque, menos de 24 horas antes do julgamento, as partes juntaram petição requerendo homologação de acordo e, consequentemente, a retirada do processo da pauta de julgamento. Os pedidos foram indeferidos pela turma, por vários motivos.

Na ocasião, os juízes entenderam que a empresa pratica fraude trabalhista que é "propositadamente camuflada pela aparente uniformidade jurisprudencial, que disfarça a existência de dissidência de entendimento quanto à matéria, aparentando que a jurisprudência se unifica no sentido de admitir, a priori, que os fatos se configuram de modo uniforme em todos os processos (jurimetria)".

Essa estratégia, assim, impediria "o fluxo natural da jurisprudência e a
configuração da pluralidade de entendimentos para que, enfim, as instâncias competentes possam consumar o posicionamento definitivo sobre a matéria".

Outro lado
Em nota, a Uber afirmou que vai recorrer da decisão, e destacou que a decisão não é consenso no Judiciário. Leia a íntegra:

A Uber esclarece que vai recorrer da decisão proferida pela 3ª Turma do TRT da 11ª Região, que representa um entendimento isolado e contrário ao de outros casos já julgados pelo próprio Tribunal Regional e pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho) – o mais recente deles no mês passado.

 Ao recusar acordo firmado entre as partes, a Turma passa por cima da vontade expressa de seus jurisdicionados e desconsidera completamente a diretriz da Justiça do Trabalho de preferência pela solução consensual de conflitos. Além disso, a afirmação de que a Uber tenta "controlar a jurisprudência" não se sustenta quando confrontada com a realidade. Do total de ações contra a Uber finalizadas até 2020, cerca de 10% resultaram em acordos, índice que representa menos da metade da média na Justiça do Trabalho (24%) e também é inferior à média de todo o Poder Judiciário no país (13%), de acordo com o mais recente relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça.

 Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça do Trabalho vêm construindo sólida jurisprudência confirmando o fato de não haver relação de emprego entre a Uber e os motoristas parceiros, apontando a inexistência de onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação, requisitos que configurariam o vínculo empregatício. Em todo o país, já são mais de mil decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho neste sentido, sendo que não há nenhuma decisão consolidada que determine o registro de motorista parceiro como empregado da Uber.

 Os motoristas parceiros não são empregados e nem prestam serviço à Uber: eles são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo. Os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe determinação de cumprimento de jornada mínima. 

 O TST já reconheceu, em quatro julgamentos, que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. No mais recente, a 5ª Turma considerou que o motorista "poderia ligar e desligar o aplicativo na hora que bem quisesse" e "se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos de viagem desejasse".

 Em março, a 4ª Turma decidiu de forma unânime que o uso do aplicativo não configura vínculo pois existe "autonomia ampla do motorista para escolher dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber". 

 Entendimento semelhante já foi adotado em outros dois julgamentos do TST em 2020, em fevereiro e em setembro, e também pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de 2019. 

Clique aqui para ler o acórdão do TRT-11
0000416-06.2020.5.11.0011

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