Opinião

A polêmica do projeto que altera a forma de demarcação das terras indígenas

Autor

  • Leandro Facchin

    é advogado vice-presidente da Comissão de Direito Agrário da OAB-MT e especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

28 de junho de 2021, 18h19

Nos últimos dias, a impressa tem noticiado uma intensa movimentação de diversos povos indígenas na capital federal contra a aprovação do Projeto de Lei (PL) 490/2007, que se encontra em votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.

A irresignação dos povos indígenas tem como justificativa o suposto fim das demarcações das terras indígenas, o desapossamento e prática de atividades predatórias dentro das terras demarcadas.

Em verdade, o referido PL, de autoria do ex-deputado federal de Mato Grosso Homero Pereira (PSD), falecido em 2013, não tem o condão de prejudicar o direito dos povos indígenas, mas aperfeiçoar e adequar a legislação indigenista.

Isso porque, no cenário atual, por força do disposto na Lei nº 6.001/1973, o processo de demarcação das terras indígenas se encontra restrito ao Poder Executivo, mais especificamente à Fundação Nacional do Índio (Funai), a qual pode se valer de critérios subjetivos próprios e ampla discricionariedade para concluir que determinada área de terras deverá ser demarcada como terra indígena.

Ocorre que o artigo 231, da Constituição Federal confere à União e somente à ela, a competência para demarcar terras indígenas. Por consequência, consoante ao disposto no artigo 48, da Carta da República, cabe ao Congresso Nacional dispor sobre as matérias de competência da União.

Observe-se que a legislação indigenista, na forma como se encontra, fere o princípio da separação dos poderes (artigo 2º, CF), pois confere a um único órgão (Funai) o poder de demarcar as terras indígenas, cabendo ao presidente da República homologar a demarcação ou devolver o processo ao órgão de origem, alijando completamente o Congresso Nacional da possibilidade de decidir sobre a matéria que lhe compete por ordem constitucional.

Da mesma forma, o Poder Judiciário, quando instado, se depara com filigranas jurídicas que inibem o exame e julgamento desses atos administrativos que, além de complexos, são peculiares por serem discricionários.

A demarcação das terras indígenas não se limita à política indigenista porque atinge interesses diversos, implicando, por exemplo, em sobreposições de áreas indígenas às áreas de proteção ambiental, estratégicas para a segurança nacional, de propriedades privadas destinadas à produção agropecuária e outras atividades produtivas importantes para a viabilidade econômica de Estados e Municípios.

Um exemplo é a terra indígena Kawahiva do Rio Pardo, situada em Colniza, no norte do estado de Mato Grosso, que mesmo não homologada, há 14 anos vem restringindo o direito de propriedade de centenas de pessoas sobre uma área com quase 412 mil hectares, graças a uma Portaria da Funai (170/2007) cujo texto não alcança duas páginas. E pasmem, as pessoas alijadas de exercer o direito de propriedade e manter a subsistência de suas famílias receberam seus títulos de propriedade diretamente do Estado, há mais de meio século.

Portanto, é nítido que a demarcação das terras indígenas não pode cingir-se à competência de um único órgão (Funai) com critérios subjetivos próprios, quando confrontam outras garantias de ordem constitucional, como o direito de propriedade, a segurança jurídica e a segurança nacional.

Por fim, registra-se que se encontram apensados ao PL 490 outros projetos de lei que tratam de temas importantes no que tange à demarcação de terras indígenas, como o marco temporal para a caracterização da ocupação tradicional de índios e a possibilidade de exploração econômica dentro das terras indígenas.

Autores

  • é advogado e sócio do escritório Irajá Lacerda Advogados Associados, vice-presidente da Comissão de Direito Agrário da OAB-MT e especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

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