Opinião

Em pauta no STF: Demissão coletiva, ultratividade e flexibilização

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28 de junho de 2021, 15h04

Nos últimos anos, a Justiça do Trabalho vem fazendo uso da chamada "função criativa" das decisões. "Criativa" não só por ser fértil nas ideias, mas também por muitas vezes enxergar direitos (criando-os, portanto) onde o texto legal não os contempla.

Três exemplos dessa "jurisprudência defensiva" — criada sobretudo pelo Tribunal Superior do Trabalho – merecem destaque, por estarem na pauta do Supremo Tribunal Federal desse ano.

O primeiro deles diz respeito à demissão coletiva de empregados. Desde o início da última década os tribunais trabalhistas passaram a interpretá-la como sendo ineficaz quando não é precedida de negociação coletiva. O leading case — que ganhou notoriedade — é o caso em que a Embraer que teve reconhecida como nula a dispensa de milhares de trabalhadores ocorrida em 2009.

O caso foi parar no STF (RE 999.435), que reconheceu sua repercussão geral. Seu julgamento foi iniciado e, até o momento, o placar está 3×2 para que seja fixada a tese de que a despedida coletiva não precisa ser precedida de negociação com o sindicato (prestigiando-se o texto do artigo 477-A da CLT). O resultado desse julgamento é difícil de se antecipar e será determinante o voto do ministro Dias Toffoli, que pediu vistas, adiando assim o julgamento.

O segundo caso em que o STF avaliará o ativismo do TST refere-se à chamada "ultratividade" das normas coletivas (ADPF 323). Em 2012, contrariando a jurisprudência então vigente, o TST alterou sua Súmula 277, a qual passou a prever que as convenções e acordos coletivos de trabalho se incorporam aos contratos individuais de trabalho até que outra norma coletiva seja editada.

Essa guinada jurisprudencial gerou duras críticas e culminou em uma decisão do STF (de lavra do ministro Gilmar Mendes), que suspendeu a eficácia da nova redação atribuída pelo TST à sua Súmula. Essa decisão parece refletir uma tendência (ainda que tímida) no STF: entender que o prazo de validade das normas coletivas condiciona a aplicação de suas cláusulas — expirado aquele, estas perdem a eficácia —, em linha com o que diz o artigo 614, §3º, da CLT.

O terceiro — e talvez mais aguardado — caso que será apreciado pelo STF nas próximas semanas trata dos limites em que a lei trabalhista pode ser flexibilizada via negociação coletiva (ARE 1.121.633 e ADPF 381). O caso também está sob relatoria do ministro Gilmar Mendes que se manifestou no sentido de que o conteúdo das convenções e acordos coletivos de trabalho deve ser respeitado, ainda que flexibilize direitos trabalhistas, desde que estes não estejam assegurados na Constituição Federal.

Neste caso o embate promete ser mais complexo, pois uma série de perguntas precisarão ser respondidas: 1) será que o critério de impedir a negociação apenas quanto ao rol constitucional de direitos trabalhistas realmente prevalecerá?; 2) é preciso que a empresa dê alguma contrapartida para a flexibilização ser válida?; 3) em caso afirmativo, a norma coletiva precisa fazer a correlação entre o direito flexibilizado e a contrapartida oferecida?; 4) nas hipóteses em que a flexibilização operada for tida como ilícita, anula-se toda a norma coletiva, ou só a cláusula flexibilizadora?; 5) a validade da flexibilização ficará condicionada a uma situação de crise econômica?

Qualquer exercício de adivinhação aqui é precipitado.

Certo é que o pronunciamento do STF quanto a esses três temas vem em boa hora. Ele contribuirá de forma determinante para a segurança jurídica nas relações de trabalho, valor este que a Justiça do Trabalho repetidas vezes relega a segundo plano.

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    é Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Direito Civil-Constitucional pela UERJ. Professor de Direito do Trabalho da Fundação Getúlio Vargas. Advogado associado a BM&A — Barbosa, Müssnich & Aragão, no Rio de Janeiro.

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    é sócia da área trabalhista do BMA Advogados.

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