Opinião

Do contrabando ao estelionato legislativo

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28 de junho de 2021, 10h38

Como é cediço, encontram-se em julgamento no Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 6415, nº 6399 e nº 6403, todas discutindo a constitucionalidade — ou não — do artigo 19-E da Lei nº 10522, de 2002, incluído pelo artigo 28 da Lei nº 13988, de 2019, que disciplinou ser favorável ao contribuinte o resultado de julgamento do processo administrativo quando definido pelo voto de qualidade, implicando na extinção do crédito tributário.

O ministro Marco Aurélio — relator para as ações — declarou voto pela inconstitucionalidade das normas, decretando o reestabelecimento do voto de qualidade em favor do Fisco.

Retornando, então, à pauta de julgamentos virtuais da Corte Suprema, o ministro Luís Roberto Barroso apresentou seu voto-vista afirmando "ausência de inconstitucionalidade formal por 'contrabando legislativo'" e, concluindo seu entendimento, propôs, como vem sendo lugar comum, "a fixação da seguinte tese de julgamento": o voto de qualidade deve ser computado a favor do contribuinte, sendo que à Fazenda Nacional cabe o ajuizamento de ação buscando "reestabelecer o lançamento tributário".

Aguarda-se o encerramento do exame das ações pelos demais ministros do tribunal.

Não é de causar espécie o posicionamento assentado em voto-vista apresentado, pois a prática e/ou o exercício do ativismo judicial pelo Supremo Tribunal Federal tem se verificado na análise de distintas matérias, especialmente quando os Poderes Executivo e Legislativo não exercem seus papéis institucionais e constitucionais a contento.

Seria a hipótese para o voto de qualidade e a alteração promovida na esfera legislativa pelo Congresso Nacional?

Como é essa a pergunta que aguarda resposta a ser dada pela corte, tentaremos nos ater à proposição de tese lançada no voto-vista apresentado.

A ver. O voto buscou uma solução "salomônica" para o debate, qual seja: o voto de qualidade é favorável ao contribuinte, mas nessa hipótese a Fazenda Nacional poderá buscar sua reversão junto ao Poder Judiciário.

A despeito de se tentar vislumbrar qual seria essa ação judicial, também há de ser levado em consideração o incremento no volume de processos que serão submetidos ao Poder Judiciário, já tão sobrecarregado, segundo estatísticas e reclames desse próprio poder.

É de se ter ainda em boa conta o fato de que essa possibilidade da Fazenda Nacional se socorrer do Poder Judiciário, inserta na parte final propositiva de tese, é, além da prática de ativismo judicial, manifesto exercício de legislatura pelo Supremo Tribunal Federal. E mais, torna ineficaz o papel institucional do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) de entrega de justiça fiscal, com especial consideração pela capacitação técnica de seus integrantes para exame dos temas tributários de sua competência.

Ora, se há e/ou havia a necessidade de dar boa solução à matéria do voto de qualidade, inclusive pelo exercício de um ativismo exacerbado, por que não o faz o Supremo Tribunal Federal, nas pessoas dos ministros que venham a divergir do voto do ministro relator, com entendimento pelo reconhecimento da constitucionalidade dos artigos impugnados, restringindo a observação de sua aplicação nas hipóteses legalmente previstas no artigo 112 do CTN?

É pretensioso — e até arriscado — demais afirmar que tal solução decisória se aproximaria do mundo ideal para os conflitos administrativos-tributários, mas, por certo, serviria para apaziguar os ânimos insuflados entre as partes interessadas (Fisco x contribuintes); sendo que, para a Corte Suprema, apesar de admitir-se ser resolução ainda maculada de "vício ativista", é aquela que promove amarração com norma tributária de fácil compreensão e aceite.

Caso contrário, longe de decidir sobre ter havido ou não "contrabando legislativo" para a nova modalidade normativa do voto de qualidade a ser observada na esfera do Carf, estará a Corte Suprema, ativamente, incorrendo na realização de "estelionato legislativo".

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