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Fiador do jogo democrático, TSE vai à luta e prova segurança do sistema eleitoral

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26 de junho de 2021, 7h42

*Reportagem publicada no Anuário da Justiça Brasil 2021, que será lançado na próxima terça-feira, 29 de junho, às 10h30, na TV ConJur

Não há risco de fraude no sistema eleitoral brasileiro.” A afirmação foi quase um mantra entoado pelo Tribunal Superior Eleitoral durante o ano de 2020, dentro de um perigoso contexto que exigiu da Justiça Eleitoral o máximo empenho. Sob os ecos de notícias falsas propagadas no pleito de 2018 e com o Presidente da República constantemente colocando em xeque a legitimidade das urnas eletrônicas e da votação, o TSE conseguiu rearranjar eleições em mais de cinco mil municípios e superar as adversidades. “Houve zero de prejuízo para a credibilidade do sistema. Não há possibilidade de fraudar o sistema”, concluiu o presidente do tribunal, ministro Luís Roberto Barroso, na noite do segundo turno.

O pior já havia ocorrido. No primeiro turno, a corte sofreu ataque hacker que não surtiu efeito. O golpe consistiu em simular vários acessos individuais, nesse caso localizados no Brasil, nos Estados Unidos e na Nova Zelândia, em uma tentativa de derrubar o sistema por congestionamento da rede. Houve também vazamento de dados de funcionários do tribunal. Registrou-se instabilidade do aplicativo e-Título, criado para facilitar a burocracia eleitoral, e a divulgação dos resultados atrasou em três horas por um problema no processador do supercomputador usado para totalizar os votos. Nada disso pôs em risco a credibilidade das eleições, segundo Barroso, para quem o pleito foi um sucesso completo.

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O TSE tomou como vitória a abstenção de 23,14% dos eleitores registrada em 2020, índice maior que em eleições anteriores, mas inferior do que o esperado em um cenário de epidemia. Projetava-se, por exemplo, uma debandada de mesários voluntários, o que não aconteceu. Os protocolos de segurança foram respeitados, inclusive com ampliação do horário de votação e período separado para idosos, grupo de risco para a Covid-19. A corte também viu aumentar o percentual de mulheres eleitas: 12,2% em 2020, contra 11,57% em 2016.

“Esse é um time que vem ganhando. Portanto, nós somos os fiadores da integridade desse sistema. Os eleitos foram efetivamente aqueles consagrados pela vontade popular, e não há nenhuma razão para se supor o contrário”, disse Barroso, ao abrir o ano judiciário no TSE, em fevereiro de 2021.

Na seara da jurisdição, o período também foi de grandes emoções e importantes ajustes. Sempre que precisou, o TSE passou por cima de jurisprudência consolidada e até das próprias normas para obter o resultado que entendeu mais justo – ainda que ao sacrifício da tão almejada segurança jurídica. Foi assim que decidiu, em outubro de 2020, que os votos obtidos por candidato na eleição de 2018, cujo registro foi posteriormente cassado, deveriam ser anulados com recálculo do quociente eleitoral. O problema é que a Resolução 23.554/2017, editada pela própria corte para avisar aos concorrentes quais seriam as regras daquela eleição, previa que esses votos poderiam ser aproveitados por partidos e coligações. A decisão por 4 votos a 3 gerou desconforto, e Barroso chegou a avisar: “O tribunal não cumprir a própria resolução é problemático. Mesmo que não esteja feliz com ela”.

Em outra oportunidade, decidiu que o adiamento das eleições municipais para o mês de novembro beneficiaria os candidatos que se tornaram ficha suja na eleição de 2012. Isso porque a inelegibilidade de oito anos conta a partir da data em primeiro turno, sempre em outubro. O colegiado negou pedido do Ministério Público Eleitoral para esticar esse prazo até o pleito de 2020. “Eu diria que sorte é sorte”, comentou o ministro Alexandre de Moraes, autor do voto vencedor. O problema, desta vez, é que o julgamento ocorreu em sede de consulta, que, segundo a jurisprudência do TSE, não é cabível quando o processo eleitoral já tiver iniciado. E o julgamento ocorreu um dia depois de aberto o período para a realização das convenções partidárias.

O presidente Roberto Barroso, nas eleições de 2020: “Não há risco de fraude no sistema eleitoral brasileiro.” 

Então membro do TSE, o ministro Tarcísio Vieira de Carvalho fez o alerta de que a matéria estaria se resolvendo sem debate ou sustentação oral. “Estamos, per saltum, resolvendo centenas ou até milhares de processos”, disse. Mais uma vez, o pragmatismo venceu o formalismo. Alexandre de Moraes alertou que a questão, se não resolvida, geraria “muito mais trabalho e problema”. “Deixarmos a questão em aberto seria pior, porque aí teríamos uma inundação de casos pelo Brasil afora que teriam soluções divergentes até que, em algum lugar do futuro, viéssemos a unificar esse entendimento”, concordou Barroso.

Outra mudança fixada pelo TSE foi a de que suas decisões passam a ser imediatamente executáveis, independentemente da publicação do acórdão. A interpretação atingiu o parágrafo 1º do artigo 257 do Código Eleitoral. A alteração de entendimento ocorreu por 4 votos a 3 e provocou uma situação insólita: na mesma sessão e no caso imediatamente anterior, a mesma questão foi apreciada, e o resultado foi outro porque o julgamento havia se iniciado quando a ministra Rosa Weber ainda integrava o TSE e já tinha o voto dela.

Nessa mesma toada, o TSE resolveu desobrigar os presidentes de Tribunal Regional Eleitoral a proferir votos nos julgamentos, reformando o próprio entendimento baseado no artigo 28 do Código Eleitoral. Isso porque 13 dos 27 TREs brasileiros têm em seu regimento interno a previsão de que o presidente só se manifeste em caso de empate. A medida serve para prevenir que as partes aguardem o julgamento e, a depender do resultado, venham a derrubá-lo pela ausência do voto presidencial – a chamada “nulidade de algibeira”.

Sessão virtual: TSE continua ágil e operante, mesmo em tempos de epidemia

Se é verdade que a Justiça Eleitoral é tida como o ramo do Judiciário mais ágil, inclusive porque afetado pelas constantes alterações legislativas – as minirreformas acontecem a cada dois anos –, o TSE, como intérprete dessa legislação, teve a evidente preocupação de evitar incursões que poderiam configurar ativismo judicial. No caso mais rumoroso, rejeitou a fixação de reserva de vagas nos partidos políticos para candidatos negros, nos mesmos termos do que ocorreu com as mulheres, que por lei têm direito a 30%. Por outro lado, definiu que candidatos negros devem receber distribuição de verbas públicas para financiamento de campanha e tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão em patamares mínimos e proporcionais. Mas decidiu que isso só seria obrigatório na eleição de 2022. A “modulação” foi a forma encontrada para abrir espaço para uma definição legislativa: o Congresso Nacional teria tempo para analisar ao menos dois projetos já em tramitação sobre o tema e ajustá-lo sem depender do Judiciário.

Com a decisão, o Partido Socialismo e Liberdade (Psol) – um dos dotados de maior diversidade entre seus membros – correu ao Supremo Tribunal Federal e pediu que a aplicação da decisão fosse já cabível para 2020. E conseguiu. O ministro Ricardo Lewandowski concedeu liminar considerando que a implementação desses incentivos não geraria prejuízo aos partidos, já que àquela altura, em setembro de 2020, a propaganda eleitoral ainda não havia começado. A decisão foi referendada pelo Plenário Virtual do STF. Como resultado, o número de prefeitos eleitos que se autodeclararam pardos ou pretos subiu de 29% em 2016 para 32% em 2020.

Outro tema que provocou movimentação na política nacional foi a proposição do ministro Luiz Edson Fachin de ampliar a concepção do abuso de autoridade, reservada a autoridades políticas, para permitir a existência da figura autônoma do abuso de poder religioso como causa de inelegibilidade. Deputados ligados a igrejas se mobilizaram contra a proposta com acusações de ativismo judicial. No TSE, Fachin explicou que as normas eleitorais proíbem o uso de qualquer autoridade como elemento de pressão, e que a ideia seria aplicável, sim, a outros tipos de poderes sociais. O colegiado rejeitou a ideia, por entender que a jurisprudência e a legislação têm meios de combater o abuso de poder no âmbito das relações religiosas por meio do abuso do poder econômico ou da propaganda irregular.

Outra proposta do vice-presidente do TSE que não passou pelo crivo dos colegas foi de aplicar a vedação ao nepotismo na administração pública, fixada na Súmula 13 do STF, também para as campanhas políticas, com o objetivo de evitar a contratação de familiares para atuar nas mesmas. O colegiado entendeu diferente: o nepotismo deve ser razoável e proporcional. No caso julgado, o candidato concorreu com uma de suas filhas como coordenadora de campanha e outra como advogada, ambas remuneradas com recursos públicos. As duas eram habilitadas a cumprir a função, não foram remuneradas de maneira excessiva e não há provas de que o serviço não foi prestado.

Como sempre, o TSE também julgou casos de políticos nacionalmente conhecidos. No mais importante deles, rejeitou duas ações contra a chapa do presidente Jair Bolsonaro, acusado de usar disparos em massa por WhatsApp na campanha de 2018. Entendeu que os autores das ações, PDT e a Coligação Brasil Soberano, não comprovaram a ocorrência da ilegalidade e ajuizaram ação baseada em reportagem da Folha de S.Paulo, que revelou a prática. Há ainda outras duas ações a serem julgadas: elas aguardam o compartilhamento de provas do inquérito das fake news, que tramita no STF e tem como relator justamente um membro do TSE, o ministro Alexandre de Moraes. Para o ministro Fachin, o TSE deveria ter aguardado para julgar as quatro ações de uma vez. Segundo ele, o primeiro julgamento não resolve a questão: é apenas “marcador temporal numa trama de suspense” que mantém a sociedade “em estado de alvoroço”.

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