Gravações suspeitas

PF de Curitiba tinha interceptação telefônica "não homologada", diz agente

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25 de junho de 2021, 15h50

O agente da Polícia Federal Rodrigo Prado informou ter existido um sistema paralelo de intercepção telefônica à disposição da instituição em Curitiba.

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Procuradores da finada "operação lava jato"
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A confirmação foi feita em depoimento que ele prestou como testemunha arrolada pela União numa ação de danos morais movida pela primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva (1950-2017). A mulher do ex-presidente Lula contestava o levantamento ilegal pelo ex-juiz Sergio Moro do sigilo de conversas estranhas aos fatos supostamente investigados pelo consórcio da "lava jato".

A revelação faz parte de reclamação ajuizada pela defesa do petista no Supremo Tribunal Federal. No depoimento, Prado explica que a PF estava desenvolvendo um sistema de interceptação telefônica que vai fazer a mesma coisa que o Guardião — a ferramenta oficial do Estado brasileiro — que ainda não foi homologado.

Questionado pela defesa de Lula se tinha conhecimento de algum outro sistema utilizado pelo consórcio de Curitiba além do Guardião, o agente da PF respondeu o seguinte:

"Eu não saberia dizer, porque como o sistema ele não tá, não tá finalizado, a gente sempre evitou, é, usar esse sistema enquanto não tivesse homologado porque corria o risco de perder um áudio. Então eu não me recordo no âmbito da "lava jato" desse sistema ter sido utilizado. A gente usava para investigações menos relevantes. Investigações em que eu pudesse assumir o risco de perder uma ligação tão importante."

Na reclamação, a defesa de Lula argumenta que a admissão de um sistema de interceptação telefônica não homologado "revela um cenário de ilegalidades de proporções inauditas". "Revela a extensão da corrosão do Estado de Direito no país."

A suspeita da existência de uma ferramenta não oficial de interceptação telefônica à disposição de lavajatistas foi noticiada em reportagem da ConJur de junho de 2020. Um dos desdobramentos da revelação foi um pedido de apuração do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União para que se investigue se a autodenominada "força-tarefa da lava jato" no Paraná cometeu irregularidades na "compra, uso e desaparecimento de aparelhos de interceptação telefônica e na rotina de distribuição de processos".

Canais extraoficiais de comunicação
No bojo do mesmo processo também prestaram depoimento os delegados Igor Romário de Paula e Luciano Flores de Lima. Eles, segundo os advogados de Lula, apesar de alguns momentos de
 "curiosa amnésia", confirmaram o uso de canais extraoficiais entra membros da PF e do Ministério Público Federal, como o aplicativo de mensagens Telegram.

Inquirido por um juiz federal, Romário de Paula inicialmente negou a existência de canais extraoficiais de comunicação, mas acabou confirmando em seguida. Veja o trecho em que ele admite o uso de aplicativos de mensagens:

"Agora, quando eu digo que a comunicação podia ser feita pelo telefone, por aplicativo de mensagem, é, não tô me referindo necessariamente a comunicações oficiais, assim, oficiais, digo que contatos que tenham, sejam necessários emergenciais. É, agora, medidas que precisam ser adotadas, é, nos procedimentos, enfim, quando se exige uma comunicação oficial, o cumprimento de uma ordem, ordem de diligência, isso sim, isso é feito através do eproc".

Os contatos por WhatsApp e Telegram entre autoridades da PF e membros do MPF também são confirmados pelo delegado Luciano Flores. Leia abaixo trecho do depoimento:

"Sim, se dependendo do, do tipo de contato, por exemplo, para, é, combinar uma audiência, uma reunião na sede do Ministério Público, ou na sede da Polícia Federal para tratar, por exemplo, é, tá me fugindo aqui algum exemplo que eu podia dar, mas vamos tratar de uma reunião é, que de repente seria necessária envolver os procuradores e a equipe de investigação, sobre, sei lá, é, o resultado da fase que acabou de ser executada envolvendo a fase x da operação "lava jato". É esse tipo de coisa."

Ele também afirma que não dispõe mais dos arquivos das trocas de mensagens por ter trocado de aparelho telefônico.

Cooperação internacional clandestina
O delegado Igor Romário de Paula também confirmou que teve conhecimento de uma reunião entre autoridades norte-americanas e procuradores do consórcio de Curitiba. Leia o trecho em que ele confirma a existência do encontro:

"Eu soube que houve reunião de autoridades americanas com o Ministério Público Federal, mas, à época, mas não saberia lhe dizer que autoridades e que agências representavam à época. E, depois disso, só o que eu tive conhecimento, é pela imprensa, mas que houve reunião em Curitiba com autoridades americanas eu tive conhecimento que houve sim."

As conversas hackeadas entre procuradores mostraram que foi feita uma reunião irregular em outubro de 2015 entre procuradores da "lava jato" e 17 agentes e autoridades norte-americanos à sede do MPF em Curitiba. Entre eles estavam procuradores ligados ao Departamento de Justiça (DoJ) dos EUA e agentes do FBI. 

De acordo com as conversas, divulgadas pelo Intercept, a "lava jato" não informou os encontros para o governo brasileiro, então chefiado pela presidente Dilma Rousseff, realizados para cooperar com as autoridades dos Estados Unidos. 

Na reclamação, a defesa do ex-presidente Lula elenca os novos fatos e relembra os já anteriormente apontados para justificar o pedido de trancamento integral da ação penal relativa a investigação sobre a compra de terreno para uma nova sede do Instituto Lula. O ex-presidente é representado pelos advogados Cristiano Zanin, Valeska Teixeira Martins, Maria de Lourdes Lopes, Eliakin Tatsuo Y.P. dos Santos e Guilherme Queiroz Gonçalves.

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