Opinião

Carta aberta à Justiça do Trabalho e ao Supremo Tribunal Federal

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25 de junho de 2021, 18h13

Lemos com bastante interesse e satisfação a carta aberta direcionada à Anamatra, escrita por seis juízes do Trabalho brasileiros.

O primeiro aspecto que revela a grande importância do episódio — e que, inclusive, impulsiona a presente manifestação — é o fato de o documento ter sido publicado de forma espontânea e desinteressada por seis juízes substitutos do Trabalho, expressando valores que constituem a base da formação da Justiça do Trabalho no Brasil e que têm sido reiteradamente desconsiderados no âmbito da própria instituição em razão da disseminação — que vem desde o ensino ministrado nas faculdades de Direito até a gestão institucional do Poder Judiciário — do discurso neoliberal e da prática estritamente produtivista.

Considerando o histórico recente e as conjunturas política e econômica atuais, não é pouco relevante que juízes do Trabalho de uma nova geração venham a público para denunciar o desrespeito, inclusive institucional, que se tem perpetrado com relação à Constituição no aspecto da essencialidade dos direitos sociais, e até para reivindicar o direito de exercerem o poder jurisdicional que lhes fora constitucional e funcionalmente atribuído.

O segundo aspecto está refletido no conteúdo do próprio texto: a urgência de se sair em defesa da Justiça do Trabalho, em função do que a instituição representa no contexto da condição mínima de existência real dos direitos sociais e trabalhistas no Brasil.

Como expresso no texto, a Justiça do Trabalho, por reflexo da jurisprudência do STF, com repercussão no próprio TST, considerando as posições majoritárias prevalecentes nas respectivas votações em tais instituições, está sendo destruída tanto pela redução de sua competência jurisdicional quanto pelo desmonte dos pilares protetivos e intervencionistas do Direito do Trabalho voltados à melhoria da condição social dos trabalhadores e ao estabelecimento de uma ordem econômica pautada pelos ditames da justiça social.

Embora se possa reconhecer que muito mais precisaria ser dito para explicitar o ideário e as forças que forjaram esse percurso na realidade nacional, o diagnóstico está muito bem lançado e é extremamente oportuno, especialmente porque não aponta culpados, não propõe cisões e, de forma legítima, clama por uma reação coletiva.

Não se tem, por certo, no âmbito das avaliações jurídicas possíveis, uma concordância plena com relação ao remédio proposto na carta, já que, para muitos que militam no mesmo campo de pensamento, a relação de emprego não é um conceito tão restrito como tem sido entendido e, por conseguinte, a ampliação da rede de proteção social não requereria uma diferenciação entre relação de emprego e relação de trabalho, até por conta do efeito reverso — de rebaixamento da mesma rede de proteção — que essa potencial equiparação poderia provocar; e também porque, afinal, o esvaziamento da atuação da Justiça do Trabalho se tem dado, de forma bem mais grave e explícita, por outros mecanismos, conforme enumerado na própria carta.

Nada obstante, também é certo — e impende registrar — que, atenta a esse cenário, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) tem combatido o bom combate, especialmente nas últimas quatro décadas, quando os discursos da "flexibilização" do Direito do Trabalho e da "desregulamentação" das relações de trabalho ganharam corpo e densidade nos ambientes institucionais e acadêmicos. A Anamatra esteve presente, como parte ou amicus curiae, em praticamente todos os processos judiciais que disputaram a validade e o sentido das fontes formais do Direito do Trabalho e Processual do Trabalho no âmbito do Supremo Tribunal Federal, defendendo a missão tuitiva e civilizatória do ordenamento jurídico-laboral. Em alguns ensejos, protagonizou inflexões históricas (assim, por exemplo, na ADI 4.066, relativa à exposição de trabalhadores ao amianto, e no RE 828.040, relativo à responsabilidade civil objetiva por acidentes de trabalho e doenças ocupacionais). Também lutou e segue lutando incansavelmente pela preservação do espírito da EC nº 45/2004, que sinalizou a ampliação das competências materiais da Justiça do Trabalho — e não o contrário — como vontade incontestável do legislador constituinte derivado (assim, por exemplo, no CC 7.204, relativo à competência da Justiça do Trabalho para as ações de indenização derivadas de acidentes e doenças ocupacionais). E, para mais, figurou como importante personagem, se não central, em diversos debates legislativos de igual pertinência; citem-se, apenas como exemplos, os projetos e propostas que culminaram com a reforma do Poder Judiciário (EC nº 45/2004), com o teto de gastos públicos (EC nº 95/2016), com as sucessivas reformas previdenciárias (ECs nº 20/1998, nº 41/2003, nº 47/2005, nº 103/2019) e, em 2017, com a malsinada "reforma trabalhista" (Lei 13.467/2017), cujas tantas inconstitucionalidades foram oportunamente denunciadas e ulteriormente questionadas pela própria Anamatra perante o STF.

De todo modo, o chamado para o debate é relevante e inevitável, ainda mais se considerarmos que muito do esvaziamento da relevância social da Justiça do Trabalho e do Direito do Trabalho se pode atribuir ao modo como a magistratura trabalhista, desde a década de 90 e, de forma ainda mais evidenciada, nos últimos anos, interpretou e aplicou com graves reducionismos os direitos constitucionais do trabalho.

O fato concreto é que nos sentimos muito revigorados em ouvir a inquietação dos colegas que, de certo modo, repercutem muitas das preocupações e lutas que há muito temos expressado e travado.

Consideramos, por todas essas razões, extremamente relevante levar adiante a proposta que fizeram em torno de uma reação coletiva, extraída de grande debate institucional que traga à tona a compreensão do papel da magistratura trabalhista e do papel reservado ao Direito do Trabalho pela Constituição Federal.

A mobilização em questão apresenta-se como emergencial nesta gravíssima quadra da história do Brasil, quando a Constituição, a democracia e os direitos fundamentais (notadamente os trabalhistas e previdenciários) são abertamente desconsiderados e o fascismo autoritário, populista e conservador (que se manifesta também em opressões de gênero, raça, etnias e orientações sexuais) se apresenta como alternativa e ganha o apoio explícito, interessado de muitos segmentos do poder econômico e de seus apoiadores.

As instituições democráticas precisam, urgentemente, compreender, assimilar, defender e exercer suas atribuições constitucionais.

Daí porque vimos a público para aplaudir e apoiar a iniciativa!

 

Beatriz de Lima Pereira (TRT-2)
Carlos Eduardo Oliveira Dias (TRT-15)
Cláudio José Montesso (TRT-1)
Daniela Valle da Rocha Müller (TRT-1)
Elinay Ferreira (TRT-8)
Francisco Luciano de Azevedo Frota (TRT-10)
Germano Silveira de Siqueira (TRT-7)
Gilberto Augusto Leitão Martins (TRT-10)
Grijalbo Fernandes Coutinho (TRT-10)
Guilherme Guimarães Feliciano (TRT-15)
Gustavo Tadeu Alkmim (TRT-1)
Hugo Melo Filho (TRT-6)
Igor Cardoso Garcia (TRT-2)
Ivanildo da Cunha Andrade (TRT-1)
Jorge Luiz Souto Maior (TRT-15)
José Nilton Pandelot (TRT-3)
Laura Benda (TRT-2)
Márcio Túlio Viana (TRT-3)
Mário Macedo Fernandes Caron (TRT-10)
Nubia Guedes (TRT-8)
Patrícia Maeda (TRT-15)
Paulo Luís Schmidt (TRT-4)
Valdete Souto Severo (TRT-4)
Xerxes Gusmão (TRT-17)

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