Opinião

Sobre a federação de partidos políticos no Parlamento brasileiro

Autor

  • Luis Victor Tebar Donegá

    é analista no Tribunal Superior Eleitoral pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pelo IDP especialista em Direito Penal Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC) e Direito da Proteção de Dados Pessoais pela FGV-SP.

25 de junho de 2021, 13h38

Nas últimas semanas, o tema federação de partidos políticos recebeu um olhar mais atento dos integrantes do Parlamento brasileiro e ganhou a simpatia de parcela da classe política.

No Congresso Nacional, tramitam dois projetos de lei que objetivam normatizar a federação de partidos políticos no processo eleitoral brasileiro — PL nº 2522/2015 e PL nº 7134/2017. No último dia 9, o Plenário da Câmara aprovou requerimento para alterar o regime de tramitação desses projetos com o objetivo de acelerar o debate, em caráter de urgência.

A temática também tem sido levantada no âmbito de discussões da PEC nº 125/2011  que pretende vedar a realização de eleições em datas próximas a feriados —, mas, além disso, a proposta de emenda almeja alavancar uma reforma política bem mais abrangente, incluindo-se diversos temas relevantes, como sistema eleitoral, mecanismos para o aumento da representação feminina no Parlamento, fidelidade partidária, mandatos coletivos, fortalecimento dos mecanismos de democracia direta e a federação de partidos políticos.

Afinal, o que é federação de partidos políticos?

A palavra "federação" vem do latim foederatio, de foedus, que significa aliança, liga, tratado, acordo. A federação partidária é a aliança temporária entre partidos políticos com aproximação ideológica e programática que resulta na criação de uma única instituição  a federação. O mecanismo busca substituir as coligações partidárias, não viabilizadas nas eleições proporcionais, bem como contribuir para que os partidos pequenos ou "nanicos" ultrapassem a cláusula de barreira, e, desse modo, recebam recursos do fundo partidário e tempo na propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão.

Assim como ocorre na federação de estados, na federação de partidos políticos temos a união formal de agremiações que compartilham interesses comuns a fim de formar uma comunidade ideológica e política mais ampla. Os partidos integrantes transferem parte de sua autonomia para um centro político  a federação.

Consoante previsto no PL no 2522/2015, o artigo 11-A da Lei no 9.096/1995 receberia a seguinte redação: "Dois ou mais partidos poderão reunir-se em federação, a qual, após sua constituição e respectivo registro perante o Tribunal Superior Eleitoral, atuará como se fosse uma única agremiação".

Nos termos do PL 2522/2015, os partidos políticos interessados devem formalizar a federação até a data final do período de convenções partidárias, por maioria absoluta de votos dos integrantes dos órgãos de direção nacional de cada um dos partidos que irão se unir, encaminhando posteriormente pedido de registro ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).  

De outro lado, a proposição inserida no "emendão" à PEC 125/2011 apresenta regramento um pouco diferente, no sentido de que o partido que pretender integrar determinada federação deverá registrar no TSE deliberação do diretório nacional até a véspera do último dia do prazo para filiação partidária (seis meses antes das eleições), de modo que a federação teria até a data de realização das convenções para escolher o seu presidente e adotar uma denominação própria.

Vale destacar que a federação deverá apresentar, para sua constituição definitiva, programa estatutário comum e eleição de órgão de direção nacional específico da federação. Nesse aspecto, o estatuto da federação deve delimitar o papel de cada partido político integrante, de forma a assegurar isonomia e proporcionalidade quanto às tomadas de decisões durante o funcionamento parlamentar.

A federação difere da coligação partidária, tendo em vista que a coligação se desfaz após a realização das eleições. A federação nasce com o registro no TSE e subsiste durante a legislatura.

Pode-se afirmar que, na coligação, tem-se a união formal de partidos com o escopo único de disputar as eleições  tanto para se obter maior tempo na propaganda eleitoral gratuita quanto para se atingir o quociente eleitoral , enquanto na federação a junção das agremiações objetiva não somente a disputa do pleito, mas o exercício em conjunto do poder político.

A federação também não se confunde com fusão ou incorporação de partidos políticos. A fusão ocorre pela união definitiva de duas ou mais agremiações em que resulta um novo partido político distinto dos originários. Nesse caso, os partidos envolvidos são extintos para a criação de uma nova legenda, de modo que, deferido o registro da nova sigla, devem ser cancelados os registros dos órgãos de direção estaduais e municipais dos partidos políticos extintos [1].

A incorporação ocorre quando um partido político absorve uma ou mais agremiações, e o partido incorporador mantém a sua identidade originária. Nessa situação, o partido incorporador permanece com o seu nome e sigla, se assim desejar.

Nesse passo, alguns aspectos da federação de partidos devem ser destacados à luz do PL nº 2522/2015 e da PEC 125/2011: a) a união dos partidos é temporária (PL 2522 — quatro anos; PEC 125 — três anos); b) a federação terá abrangência nacional; c) preservam-se a identidade e autonomia dos partidos integrantes; d) depende de registro no TSE; e) aplicam-se todas as regras relacionadas ao funcionamento parlamentar e à fidelidade partidária.

Como se vislumbra, a federação de partidos terá abrangência nacional, isso significa que não será possível a constituição de federação de partidos no âmbito dos estados e munícipios, o que pode ser um problema grave na formação das alianças políticas regionais.

As regras do processo eleitoral relacionadas a escolha e registro de candidatos, arrecadação e gastos de recursos em campanhas, propaganda eleitoral, contagem de votos, obtenção de cadeiras, prestação de contas de campanha e convocação de suplentes terão incidência e irradiarão efeitos sobre a federação constituída, e não sobre os partidos políticos integrantes.

É forçoso reconhecer que ocorrerá, sem sombras de dúvidas, considerável redução na autonomia de cada partido integrante da federação, o que dependerá do grau de afinidade ideológica das greis federadas. Embora se possa falar em redução da autonomia partidária, não é correto dizer que os partidos políticos individualmente considerados perdem sua autonomia partidária durante a existência da federação, até mesmo porque possuem a liberalidade de escolher deixar de integrá-la.

E aqui já temos algumas problemáticas que devem ser bem delineadas pelo legislador. São elas: a) o partido integrante pode sair da federação antes do prazo?; b) quais são as consequências ao partido integrante da federação que porventura sair antes do prazo?; e c) teremos o instituto da infidelidade partidária no âmbito das federações?

A proposição inserida no "emendão" à PEC 125/2011 responde em parte o item "b", estabelecendo que os partidos reunidos em federação deverão permanecer a ela filiados até o final da sessão legislativa ordinária do terceiro ano da legislatura, e o descumprimento ensejará a vedação de ingresso do partido em outra federação e o não recebimento dos recursos do fundo partidário.

O instituto jurídico da federação é uma alternativa eficaz aos partidos políticos que sofreram os efeitos da Emenda Constitucional nº 97/2017, que inseriu a cláusula de barreira e vedou a formação de coligações partidárias nas eleições proporcionais, diminuindo, por consequência, a participação política de muitas legendas após as eleições de 2018.

Dos 30 partidos representados na Câmara, não conseguiram votos suficientes para alcançar a cláusula de desempenho: Patriota, Democracia Cristã (DC), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Humanista da Solidariedade (PHS), Partido da Mobilização Nacional (PMN), Partido Pátria Livre (PPL), Partido Republicano Progressista (PRP), Partido Trabalhista Cristão (PTC) e Rede. Pela regra, essas legendas, que têm 31 deputados ao todo, perdem direito ao fundo partidário e ao tempo gratuito de rádio e TV no período de 2019 a 2023. Outros cinco partidos não alcançaram a cláusula porque não conseguiram eleger nenhum deputado. São eles: Partido Comunista Brasileira (PCB), Partido da Causa Operária (PCO), Partido da Mulher Brasileira (PMB), Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) e Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) [2].

Na legislatura seguinte às eleições de 2022, terão acesso aos recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão os partidos políticos que: a) obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo 2% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da federação, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas; ou b) tiverem elegido pelo menos 11 deputados federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da federação.

A limitação no recebimento de recursos do fundo partidário e no tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão acarreta a diminuição da representatividade de grupos minoritários que, em regra, se alinham em partidos pequenos, os quais foram diretamente afetados pelas medidas constitucionais oriundas da EC nº 97/2017. Assim, a federação de partidos poderia, em tese, prestigiar interesses contramajoritários, pois a federação busca assegurar e fortalecer o pluralismo partidário, permitindo o funcionamento parlamentar daqueles que não alcançaram os limites da cláusula de barreira.

A temática acerca da federação de partidos precisa ser bem detalhada pelo legislador, a fim de que a intervenção da Justiça especializada seja mínima. Quanto melhor a qualidade na estruturação normativa do instituto da federação partidária, menor será a litigiosidade no âmbito do TSE e do STF sobre a matéria.


[1] ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 7ª edição. Salvador: Juspodivm, 2020.

[2] Portal camara.leg.br.

Autores

  • Brave

    é assessor de ministro no Tribunal Superior Eleitoral, especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e pós-graduado em Direito Penal Econômico Internacional e Europeu pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

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