Opinião

Sobre democracia, gênero e imprensa

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25 de junho de 2021, 6h04

A construção de um espaço democrático plural perpassa pela questão da representação política. No Brasil, o diagnóstico está dado diante da crise da representatividade que atravessa cor, classe e gênero. O mapa sobre a participação das mulheres na política de 2021, produzido pela ONU Mulheres e pela Inter-Parliamentary Union, aponta para um Brasil que ocupa a 142ª posição no ranking sobre o Congresso Nacional  cerca de 15% de deputadas e 12% de senadoras. O desafio é grande, mesmo frente as iniciativas legislativa e judiciária para aumentar a presença feminina e negra nos espaços de decisão, como as cotas de candidatura e respectivos recursos do fundo partidário, por exemplo.

A carência da participação das mulheres no espaço público remonta a uma discussão muito anterior e recorrente sobre a divisão das esferas pública e privada. O público é o espaço da política, das decisões que dizem respeito à cidade e à vida dos comuns. O privado tem uma ligação com a privação, estar longe de "ser visto e ouvido por outros", nos termos de Hannah Arendt. Essa dicotomia foi e é bastante custosa para a vida das mulheres no sentido de que lhes foi designado, social e historicamente, como seu lugar de primazia o ambiente privado, sendo restringidas do espaço público.

A perversa identificação do espaço público como neutro em termos de gênero identifica o homem como indivíduo abstrato e universal. A rigorosa separação de espaços foi percebida e questionada por movimentos ativistas e de intelectuais feministas, notadamente pela segunda onda, a qual tinha como uma de suas agendas demandas voltadas aos direitos sexuais e reprodutivos. Bem por isso apostavam no aforismo "o pessoal é político" que expressa a lógica de que muitos assuntos que são identificados como privados possuem intensa repercussão no ambiente público. Da perspectiva dos estudos da teoria crítica, a estadunidense Nancy Fraser vai dizer que os termos "público" e "privado" precisam ser colocados sob escrutínio, pois "(…) esses termos não são simplesmente designações diretas de esferas sociais; são classificações culturais e rótulos retóricos. No discurso político, eles são poderosos termos que são frequentemente implantados para deslegitimar alguns interesses, pontos de vista e tópicos e valorizar outros".

Essa perspectiva de uma crise democrática "genderizada" requer pensar o papel das mulheres em ambientes de decisões como os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Mas não somente. A participação ativa das mulheres na vida pública relaciona-se também com o exercício efetivo das liberdades de expressão e opinião. Ainda, para além de ser adstrito ao campo das liberdades individuais, esse direito encontra seu espectro coletivo quando conjugado com o direito à informação, em razão de beneficiar a sociedade como um todo.

A imprensa é identificada como uma instituição-chave dentro da democracia, portanto refletir sobre as questões de gênero a partir dessa perspectiva é um caminho que tem sido apontado.

Pensar o gênero dentro da comunicação social requer considerar sobre os tipos de constrições específicas ao exercício da profissão que jornalistas estão submetidas. A violência no ambiente online, por exemplo, tem sido identificada como uma nova linha de frente sobre o tema da segurança no jornalismo que afeta de forma mais perversa as jornalistas. A impunidade quanto a essas condutas é identificada como uma forma de recrudescer a autocensura.

A iniciativa da ONU Mulheres "Pacto de Mídia" reconhece os meios de comunicação como potenciais influenciadores do debate público, logo da igualdade de gênero, a partir de atitudes que podem ser tomadas nos aspectos de "divulgações de informações, decisões editoriais e práticas corporativas".

A efetiva igualdade de gênero e o fortalecimento democrático passam pela garantia das liberdades de expressão e de imprensa para que mulheres manifestem suas vozes (porque são muitas e diversas) em um espaço que compreenda o projeto de uma democracia substantiva.

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