PL que regulamenta mineração em terras indígenas é inconstitucional, diz MPF
24 de junho de 2021, 21h08
Por entender que o Projeto de Lei 191/2020 contém vício insanável, uma vez que pretende regulamentar a atividade minerária em terras indígenas sem o prévio debate no Congresso, a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais) do Ministério Público Federal divulgou, nesta quinta-feira (24/6), nota pública em que reitera a inconstitucionalidade de PL, que pretende regulamentar a mineração em terras indígenas.
Não é a primeira vez que a 6CCR se manifesta publicamente contra a mineração em terras indígenas. Em fevereiro de 2020, o órgão superior divulgou nota pública contra o PL e, em junho, enviou nota técnica ao Parlamento defendendo a rejeição do projeto.
No documento divulgado hoje, a 6ª Câmara reafirma que a mineração e as obras de aproveitamento hidrelétrico em terras indígenas mereceram atenção especial da Constituição, justamente pelo potencial dano e ameaça à vida e à cultura dos povos indígenas. Inclusive o artigo 213, § 3º da CF afirma que o aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas precede de autorização do Congresso. O §6º do mesmo artigo, prevê que os atos de exploração das riquezas naturais de terras indígenas, sem a demonstração de relevante interesse público, são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos.
Daí surge, para a 6CCR, o vício insanável do projeto, já que pretende regulamentar a atividade minerária em terras indígenas sem prévio debate no Congresso como determina o artigo citado da Constituição.
O PL além de inconstitucional, é inconvencional, pois foi apresentado sem consulta prévia às comunidades afetadas, o que viola a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A nota pública aponta que o projeto de lei não atende aos interesses dos povos indígenas nem da União, mas sim de grandes grupos econômicos, conforme demonstra a análise dos mais de quatro mil procedimentos minerários incidentes em 216 terras indígenas, alguns dos quais atingem a totalidade dos territórios.
Garimpo ilegal
A 6CCR expressa preocupação com o aumento do número de casos de garimpo ilegal em terras indígenas registrado no último ano e pede que o Poder Executivo adote todas as providências para coibir a mineração ilegal e para retirar os garimpeiros invasores dessas terras.
"A apresentação do PL 191/2020 e as manifestações de apoio ao garimpo emanadas de algumas autoridades explicam, ao menos em parte, o crescimento dessa atividade ilegal em terras indígenas, o que ameaça comunidades próximas às áreas de garimpo", diz o texto.
A nota técnica cita dados apresentados em 2018 pelo Grupo de Trabalho Permanente da Convenção de Minamata sobre Mercúrio, do Ministério do Meio Ambiente, estimando o despejo de até 221 toneladas de mercúrio por ano no meio ambiente pelo garimpo ilegal no Brasil. A substância contamina rios e peixes, afeta gravemente a saúde das comunidades indígenas que vivem próximas às áreas de garimpo ou consomem água e pescado contaminado.
A nota aponta casos em que a mineração e garimpo ilegal ou a implantação de grandes empreendimentos minerários afetaram de forma drástica a vida de comunidades indígenas próximas. As terras indígenas Yanomami e Mundukuru são alvo de garimpo ilegal, apesar da atuação do MPF e de decisões judiciais que determinaram a retirada dos garimpeiros. A terra indígena Waimiri Atroari foi recortada para permitir a instalação de uma mineradora na década de 1980.
Outros territórios, como a terra indígena Xikrin do rio Cateté, são fortemente impactados pela contaminação dos rios por mineradoras localizadas em seu entorno. Já os povos indígenas Krenak, Tupiniquim e Guarani foram atingidos pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco no rio Doce. "Essas terras sofreram impactos que têm afetado as vidas, formas de alimentação e organização social dos povos que as habitam", diz o texto.
Considerando os danos já registrados e os prejuízos potenciais da mineração para os povos indígenas, o MPF se manifesta contra o PL 191/2020. A nota ainda pede que o Poder Executivo — por meio da Funai, do Ibama, da Polícia Federal e do Ministério da Defesa — adote todas as providências necessárias para coibir a mineração e o garimpo ilegal em terras indígenas, inclusive para a retirada de garimpeiros invasores dessas terras. Com informações da assessoria do MPF.
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