Desafios e diálogos

Evento discute os desafios de conciliar o mercado imobiliário e o Poder Judiciário

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23 de junho de 2021, 20h11

A pandemia marcou um momento de transformação no âmbito do mercado imobiliário e colocou luz em uma questão muito mais antiga: o costumeiro uso do distrato para resolução de contratos imobiliários e a falta de segurança jurídica para os consumidores que assumem compromisso de compra e venda de imóvel.

Esse foi o pano de fundo levantado por especialistas e ministros no 3º Seminário "O Poder Judiciário e o Mercado Imobiliário — Um diálogo necessário sobre a súmula 543, do STJ", promovido pelo Superior Tribunal de Justiça e o Instituto Nêmesis, nesta quarta-feira (23/6).

O debate buscou interligar as opiniões dos setores interessados na questão — membros do judiciário, representantes dos consumidores e do mercado imobiliário. A coordenação foi feita pelo ministro Luis Felipe Salomão (STJ) e pelo desembargador Werson Rêgo (TJ-RJ)

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O ministro Paulo de Tarso Sanseverino foi um dos palestrantes de evento que discutiu o mercado imobiliário
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O ministro Humberto Martins, presidente do STJ, abriu o evento dizendo que as questões do mercado imobiliário são foco de atenção do judiciário há muitos anos. Inclusive, desde 2015 a judicialização de ações imobiliárias aumentou no país. Para o ministro, a criação de súmulas sobre o tema vem ajudando na pacificação de questões recorrentes.

"As questões sobre o mercado imobiliário perduram no tempo e tem necessidades dinâmicas, por isso existe a necessidade de uma análise conjunta do tema, pelo mercado imobiliário, Poder Judiciário e representantes dos órgãos de defesa do consumidor", concluiu Martins.

Em seguida a professora Juliana Domingues, secretária nacional do consumidor (Ministério da Justiça e Segurança Pública), afirmou que no momento da pandemia é muito importante discutir a súmula 543 do STJ e que o debate entre diferentes setores ajuda a garantir segurança jurídica para os consumidores.

"O mercado imobiliário foi particularmente afetado pela pandemia, por isso é importante que sejam estabelecidas relações harmoniosas entre consumidores e fornecedores. A Secretaria Nacional do Consumidor trabalha na expansão do uso de alternativas mais rápidas e menos custosas para o consumidor, criando vias alternativas de resolução de conflitos, diminuindo a judicialização."

Claudio Hermolin, engenheiro e presidente da Ademi (Associação de Dirigente de Empresas do Mercado Imobiliário), discorreu sobre a importância do setor imobiliário em um país como o Brasil que possui grande déficit de moradias. Em sua opinião, o distrato gera desequilíbrio econômico, "uma vez que a empresa poderá ter problemas para quitar o financiamento bancário feito, o que pode levar ao atraso no andamento da construção".

Hoje a atividade da construção civil está no mesmo patamar de 2007, muito aquém da sua capacidade de gerar rendas e empregos. Mesmo assim o mercado imobiliário gerou vagas de emprego em 2020 e teve um aumento de 4% de unidades lançadas. Os níveis de distrato foram alarmantes em 2020 (20 mil unidades) e, não por coincidência, 371 empresas da construção civil entraram em recuperação judicial apenas em 2021.

O primeiro painel tratou da "Promessa de compra e venda e o inadimplemento antecipado como justa causa para a resolução do contrato: evolução jurisprudencial, até a súmula 543, STJ". A primeira palestrante foi a professora Rosa Maria de Andrade Nery, da PUC-SP.

Nery iniciou a discussão do tema falando sobre o compromisso de compra e venda em incorporação imobiliária. O industrial da construção civil exerce uma prestação de serviço e se espera dele a entrega de um produto. Nesse sentido, para ela, o primeiro passo para alcançar segurança jurídica é que o contrato de adesão deixe bem claro quem é o incorporador, para saber quem percebe os riscos e aufere os lucros.

Acentuou que no compromisso de compra e venda todos os pontos devem estar claros e deve ser escrito em termos jurídicos, tendo em vista que é uma regra, e que, no caso de apreciação judicial, o juiz analisará segundo o ordenamento jurídico e não levando em conta a mercadologia. Um contrato mal escrito pode levar a situações de desproporção e cria insegurança jurídica.

Para a professora, o problema surge com o inadimplemento, a partir daí há necessidade de imputação dos danos. O inadimplemento por parte da incorporadora ocorre quando há falha no termo da lei escrita ou porque houve má condução do empreendimento. Por isso, o consumidor precisa ter informações transparentes e verdadeiras, desde a publicidade até o contrato.

Por fim pontuou que o inadimplemento gera consequências para o incorporador pelo contrato e pela atividade, já para o consumidor decorre do não pagamento das parcelas. Para a professora, a melhor solução é que a resolução aconteça sempre pela transação (execução instantânea).   

Em seguida, manifestou-se o ministro Paulo de Tarso Sanseverino do STJ, e ele tratou da evolução da jurisprudência do STJ sobre o tema. Citou o aumento de demandas de questões imobiliárias diversas. Em 2013, no julgamento do Tema 577, a Corte fixou tese quanto a forma de devolução dos valores pagos pelo promitente comprador em razão da rescisão do contrato de promessa de compra e venda.

Quando ocorre a desistência do comprador (inadimplemento do contrato pelo adquirente) um dos efeitos é o retorno ao estado anterior a celebração do contrato, então o imóvel deve ser devolvido e as parcelas que já foram pagas também. A tese fixou que é abusiva a cláusula contratual que determina a restituição somente no final da obra ou de forma parcelada dos valores.

Segundo opinou o ministro, esse julgamento evoluiu para a súmula 543 do Tribunal (2015) que reforçou a restituição imediata das parcelas pagas em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor, na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor.

Porém, hoje está em vigor a nova Lei dos Distratos (Lei 13.786/2018) que também trata da resolução por inadimplemento. A lei disciplinou o direito de arrependimento do consumidor, fez distinção da multa se o patrimônio for de afetação ou não e se a desistência foi antes ou depois de receber o imóvel, regulou prazo de tolerância para atraso da construtora (180 dias), entre outras coisas.

Por fim, demonstrou que o STJ precisou se posicionar quanto a aplicação de tal lei, e ficou decidido que a nova norma será aplicada aos contratos firmados após sua entrada em vigor, aos contratos anteriores ainda deve ser aplicada a súmula 543.

O segundo painel tratou sobre os distratos do mercado imobiliário, sob a perspectiva da análise econômica do direito. Falou o ministro Ricardo Villas Bôas Cuevas, do STJ.

Ele afirmou que o tema do mercado imobiliário é extremamente sensível no STJ com diversos julgamentos de repetitivos. A súmula 543 foi aplicada de forma ostensiva pelos tribunais gerando impactos negativos e não se sabe como, com a nova lei, essa situação pode mudar.

Para ele, o problema é que a súmula foi aplicada não só nas relações de consumo, mas também quando o comprador é um investidor (quase 50% dos casos), afetando diretamente o mercado imobiliário.

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