Opinião

Os (neo)inquisidores e o direito de punir como religião

Autor

  • Alexandre José Trovão Brito

    é advogado em São Luís especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Seccional Maranhão.

23 de junho de 2021, 17h11

As agências de persecução criminal devem realizar suas funções com apoio nos princípios informados pelo Estado democrático de Direito e não se comportarem como membros (neo)inquisidores, ou seja, apóstolos a serviço de uma verdadeira religião de punir.

Cada órgão possui uma função estatal. Uma missão institucional. Esse programa normativo deve estar a serviço da sociedade, a destinatária dos serviços do Estado. A trindade formada por Ministério Público, Poder Judiciário e agências policiais não pode resgatar os horrores cometidos pelas mãos de Eymerich e companhia (i)limitada.

Dizer amém ao poder punitivo estatal é esquecer todas as conquistas realizadas pelo nosso modelo processual penal, cujas coordenadas estão ligadas ao estilo acusatório, ou seja, a departamentalização das funções de acusar, julgar, investigar e defender.

Os falsos profetas do processo penal são aqueles que defendem um rigor punitivo para além das leis e para além da Constituição. Ora, para que servem os legisladores e os constituintes? Eles não são ornamentos jurídicos. Muito pelo contrário. Eles cultivam, produzem o Direito e, portanto, devem ser levados em consideração, merecem respeito.

Falar de processo penal exige coragem, paciência e estudo. Coragem de defender nosso sistema jurídico das opiniões do senso comum dos novos inquisidores. Exige paciência, pois devemos suportar falsas acusações, pseudorótulos. Exige estudo, pois a pesquisa criminológica é vasta e demanda muito tempo para pesquisar, entre outras dificuldades dessa via crucis normativa.

O endeusamento do poder-direito-dever de punir é uma das maiores ameaças que nossa democracia enfrenta nas últimas décadas. Devemos fazer uma opção, isto é, ou escolhemos a democracia processual penal ou o autoritarismo punitivista. Não podemos aceitar mais essa cultura inquisitória.

Todos os dias, religiosamente, nossas instâncias de punir são as protagonistas dos nossos noticiários, das nossas conversas na rua etc. O nosso sistema punitivo deve regular de forma adequada a punição dos agentes dos fatos criminosos e se pautar em postulados como a proporcionalidade e a razoabilidade.

Nossos agentes estatais devem abandonar a missão messiânica que eles pensam que tem. Juízes, promotores, procuradores, desembargadores et al. não podem agir como se fossem porta-vozes da segurança pública. A função deles não é essa, mas, sim, aplicar a lei e cumprir a constituição.

As sagradas escrituras do Código Penal, do Código de Processo Penal, das leis penais especiais, da Lei de Execução Penal e da Constituição Federal de 1988 devem vincular os agentes públicos, uma vez que a bússola para alcançar níveis ótimos de normatividade é a obediência fiel aos comandos dados pelo legislador. A pena, no Brasil, virou o ópio do povo.

Os quatro evangelhos do processo penal são: a) estilo acusatório; b) princípio da busca da verdade real; c) legalismo; e d) imparcialidade dos nossos agentes estatais. Essa é nossa única salvação para escapar das garras do punitivismo e do autoritarismo do processo penal.

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