Opinião

ESG, Agenda 2030 e o plano decenal do Brasil de sustentabilidade

Autores

  • Thomas Law

    é advogado especialista em Direito Penal Econômico; mestre em Direito das Relações Internacionais Econômicas e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP. É professor escritor e autor de livros. É presidente do Instituto Sociocultural Brasil/China (Ibrachina) e do Instituto Brasileiro de Ciências Jurídicas (IBCJ). É diretor do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (CEDES). É presidente da Coordenação Nacional das Relações Brasil/China (CNRBC) e da Comissão Especial Brasil/ONU de Integração Jurídica e Diplomacia Cidadã para implementação dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (CEBRAONU) ambos órgãos do Conselho Federal da OAB.

  • Sóstenes Marchezine

    é advogado com especialidade acadêmica e atuação profissional em Direito Empresarial e Penal e extensão universitária em Direito Digital e Proteção de Dados e idealizador da Associação Brasileira de Influenciadores Digitais (Abrid).

21 de junho de 2021, 10h24

A Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável é orientada por 17 objetivos macros, 169 metas estruturantes e 241 indicadores referenciais que, juntos, têm literalmente o condão de transformar o mundo. Esse compromisso foi assumido em 2015 à unanimidade pelos 193 países que compõem a Organização das Nações Unidas, dentre eles o Brasil. Por iniciativas como essas, a sustentabilidade se tornou um imperativo global, transdisciplinar e multissetorial que se consolida enquanto se reinventa em suas diversas dimensões.

Spacca
O fator ESG (Environmental, social and corporate governance), por sua vez, nasceu em 2004, no âmago do setor financeiro internacional, para tornar o desenvolvimento econômico-comercial um imprescindível aliado da preservação do planeta e do cuidado com as pessoas. Embora os parâmetros ESG estejam  em sua completude  interligados a cada um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), as suas respectivas métricas e índices não são necessária e obrigatoriamente parametrizadas  apesar dos já existentes esforços internacionais nessa linha.

Saliente-se, todavia, que apesar do nascedouro em 2004, o ESG não é precursor da Agenda 2030, forjada em 2015. Isso porque os ODS sobrevieram como solução de continuidade aos 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), lançados em 2000. Desde então, o mundo caminha para três décadas de aprendizados, experiências, estruturação e institucionalização do amplo conceito de sustentabilidade. Tudo com respeito às particularidades e prioridades de cada país.

Mas por que atualmente só se fala em ESG? A resposta deve levar em consideração o impacto negativo da crise pandêmica do novo coronavírus, não apenas na área da saúde, mas também na economia e em praticamente todos os esforços da comunidade internacional para o desenvolvimento sustentável. Em outras palavras, a Covid-19 estagnou o cumprimento de metas relacionadas à Agenda 2030 e em muitos casos fez com que importantes índices e indicadores retrocedessem significativamente.

Nesse contexto, a popularização do fator ESG sobreveio como resposta ao enfrentamento da crise sanitária. O mundo apontou o alcance da sustentabilidade por meio da governança socioambiental como tendência a impactar os negócios durante e após pandemia, sobretudo pelo êxito alcançado no setor financeiro. Assim, a ascensão ESG se deu com o desafio de adaptação aos mais diversos nichos, tipos e portes de mercado.

Os princípios ESG são transversais e multidisciplinares, por isso é possível identificá-los em múltiplas leis e normas no ordenamento jurídico brasileiro. Nada mais pertinente, pois o investidor ESG não está atento apenas às práticas corporativas e aos potenciais benefícios dos negócios, mas também ao contexto político-institucional e regulatório da região em que está estabelecido, atua ou pretende atuar. Nesse sentido, apesar de ter vivenciado e vivenciar períodos de instabilidades, o Brasil tem dado acenos importantes para demonstrar seu interesse em se tornar não apenas uma nação receptiva do capital verde, mas referência em sustentabilidade  assim como historicamente é um dos protagonistas da gênese dos ODM, dos ODS e do próprio ESG.

Assim, demonstrando-se resiliente para novos passos e avanços, considerando o contexto da pandemia e da necessária retomada econômica, em 26 de outubro de 2020 o governo federal editou o Decreto 10.531, que institui a Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil (EFB) no período de 2020 a 2031, com o objetivo de definir a visão de longo prazo para a atuação estável e coerente dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Ou seja, um importante Plano Decenal de Sustentabilidade com cenários macroeconômicos, diretrizes, desafios, orientações, índices-chave e metas-alvo que todas as instituições e órgãos brasileiros deverão considerar em seus planejamentos e suas ações.

A Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil (EFD) é composta por cinco eixos basilares: econômico, institucional, infraestrutura, ambiental e social. A diretriz principal a nortear todos os eixos estratégicos numa só direção tem por objetivo elevar a renda e a qualidade de vida da população brasileira com redução das desigualdades sociais e regionais. A meta-alvo estruturante da década, portanto, é propiciar considerável melhoramento do Índice de Desenvolvimento Humano, elevando a posição do Brasil no mundo.

Há de se destacar, portanto, que dentre os cinco eixos estratégicos referidos, três deles correspondem especificamente aos fatores ambientais, sociais e econômicos (de governança), a demonstrar a clara institucionalização da Agenda ESG/ASG no poder público brasileiro. Os outros dois eixos remanescentes são "institucional" e "infraestrutura", totalmente sinérgicos e necessários para a promoção de políticas públicas sustentáveis.

Um dos desafios e orientações expressamente constantes do Plano Decenal, inclusive, remete à promoção de oportunidades de negócios sustentáveis em meio ambiente, a partir do aproveitamento do potencial econômico. A Estratégia tem por objetivo desenvolver, em seus estritos termos, o uso de critérios ambientais, sociais e de governança (ou seja, ESG/ASG) no processo de qualificação de projetos e empreendimentos sustentáveis, de modo a ampliar as fontes de recursos para esses investimentos com acesso a moderno instrumentos financeiros, tais como green bonds, social bonds e debêntures verdes.

O Plano Decenal do Brasil já mobilizou, por exemplo, a iminente parceria do Ministério da Economia com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para promover a qualificação da atuação do governo em temas relacionados a Finanças Sustentáveis e questões ambientais, sociais e de governança (ESG/ASG), particularmente em atividades econômicas e estratégias de foros e instituições financeiras.

Em paralelo, o novo chanceler do Brasil, ministro Carlos França, suscitou três prioridades urgentes a serem enfrentadas pelo Brasil: o combate à pandemia, a recuperação e crescimento da economia e o desenvolvimento sustentável. Para o chanceler, o Brasil está no centro das soluções ESG/ASG e colabora institucionalmente para pôr fim à noção de que seria possível cuidar do meio ambiente sem atentar para as questões sociais e econômicas  ou tratar do social e do econômico sem atenção ao ambiental.

Mais recentemente ainda, a Secretaria de Governo (Segov) declarou à imprensa que a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e os ODS são elementos transversais nas políticas públicas, destacando estar em processo de priorização das metas globais de acordo com a realidade nacional e de identificação de iniciativas do Governo Federal que contribuem com o alcance dessas metas. O exercício se insere no contexto da Agenda Brasil + Sustentável, que por sua vez está diretamente vinculada à Estratégia Federal de Desenvolvimento (EFD), e tem por objetivo promover a articulação com a Agenda 2030 e o diálogo internacional. Assim, tal como o ESG e o ODS não estão parametrizados, mas conectam-se em sua completude, a mesma dinâmica há de ser considerada no processo analítico do Plano Decenal do Brasil.

Eixo Ambiental (A letra "E"/"A" da Agenda ESG/ASG)
O Eixo Ambiental do Plano Decenal do Brasil tem por diretriz-alvo a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais, com foco na qualidade ambiental como um dos aspectos fundamentais da qualidade de vida das pessoas, conciliando a preservação do meio ambiente com o desenvolvimento econômico e social.

Para tanto, a estratégia federal traz como desafio a melhoria da qualidade ambiental urbana e orienta a universalização dos sistemas de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgoto; a gestão eficiente de resíduos; o monitoramento e o controle ambiental; além do planejamento urbano. Enfrenta também a necessidade de implementar políticas, ações e medidas inerentes à mudança do clima e seus efeitos, e fomentar uma economia resiliente e de baixo carbono, mediante ampliação da participação das fontes renováveis na matriz energética.

O plano prevê, ainda, a preservação da biodiversidade, a redução do desmatamento ilegal, a recuperação da vegetação nativa e o uso sustentável dos biomas nacionais, a partir de orientações para a sustentabilidade ambiental; e a promoção de oportunidades de negócios sustentáveis em meio ambiente, observado o aproveitamento responsável do potencial econômico.

Eixo Social (A letra "S" da Agenda ESG/ASG)
O Eixo Social do Plano Decenal do Brasil tem por diretriz-alvo o bem-estar, a família, a cidadania e a inclusão social, com foco na igualdade de oportunidades e no acesso a serviços públicos de qualidade, por meio da geração de renda e da redução das desigualdades sociais e regionais.

A estratégia objetiva promover a melhoria e o acesso à educação, a permanência nesta e principalmente a sua qualidade; tal como aos serviços de saúde e a sua qualidade. Considerando as lições da pandemia da Covid-19, prevê a ampliação da competitividade da indústria da saúde, nacional reduzindo a dependência externa, mediante o desenvolvimento e a produção local de vacinas, medicamentos, insumos e equipamentos médicos.

 A redução da criminalidade violenta, sobretudo o número de vítimas fatais, a partir da melhoria da segurança pública, é também um desafio constante do plano, tal como a redução da proporção da população abaixo da linha de pobreza e das desigualdades sociais, com o melhoramento das políticas públicas de inclusão e o aproveitamento das potencialidades regionais para a geração de renda, sem olvidar a efetivação dos direitos humanos fundamentais para todos e o fortalecimento da cidadania.

Eixo Econômico (que corresponde à letra "G" da Agenda ESG/ASG)
O Eixo Econômico do Plano Decenal do Brasil tem por diretriz-alvo o crescimento econômico sustentado e a geração de empregos, com foco no ganho de produtividade, na eficiência alocativa e na recuperação do equilíbrio fiscal.

A Estratégia Federal mira o Produto interno bruto (PIB) per capita nacional, a estabilidade econômica e a sustentabilidade da trajetória da dívida pública, considerando a realização de reformas estruturais; o aprimoramento, o fortalecimento e a ampliação dos mecanismos de financiamento; e o aproveitamento das potencialidades regionais. Outro desafio é a produtividade da economia brasileira, mediante ampliação dos esforços em educação, ciência, tecnologia e inovação; o desenvolvimento da economia digital do país; e o aumento da competitividade.

Além disso, o plano aborda o aproveitamento do potencial da força de trabalho e o aumento da sua qualificação e empregabilidade, com o objetivo de alcançar maior integração econômica regional e global maior e elevar a participação no fluxo comercial.

Eixo Institucional (que se correlaciona à letra "G" da Agenda ESG/ASG)
Para além dos estritos critérios ESG/ASG, o Plano Decenal do Brasil traz também o denominado Eixo Institucional, que tem por diretriz-alvo aprimorar a governança pública, com foco na entrega efetiva de serviços ao cidadão e na melhoria do ambiente de negócios, garantindo a soberania e promovendo os interesses nacionais. No entanto, vê-se que o referido eixo praticamente contextualiza o "G" do movimento
 que nasceu no âmago do setor privado financeiro  para adequá-lo às especificidades da governança e compliance no âmbito do poder público.

Por isso, consta da estratégia federal os desafios de melhorar a governança do setor público, aumentando a eficiência, a eficácia e a efetividade das ações de governo, a partir do fortalecimento das capacidades de gestão do Estado e da melhoria do pacto federativo; de ampliar a competitividade do Brasil de forma a se aproximar das economias desenvolvidas, com o aperfeiçoamento do ambiente de negócios; e de garantir a soberania e promover os interesses nacionais, sobretudo frente a política externa, a defesa nacional e a segurança institucional.

Eixo Infraestrutura (temática transversal à Agenda ESG/ASG)
Tal como as particularidades do Eixo Institucional, o Plano Decenal do Brasil também inova ao trazer o denominado Eixo Infraestrutura, que tem por diretriz-alvo fomentar o desenvolvimento logístico, com foco no ganho de competitividade e na melhoria da qualidade de vida, assegurando a sustentabilidade ambiental e propiciando a integração nacional e internacional.

Nessa linha, a estratégia suscita a ampliação dos investimentos em infraestrutura urbana e rural, a partir do planejamento e da expansão das fontes de financiamento, com vistas à segurança e eficiência energéticas; à modernização dos serviços de telecomunicações; à promoção da segurança hídrica, permitindo os usos múltiplos da água com eficiência; a ao direcionamento da infraestrutura de pesquisa e desenvolvimento tecnológico para os temas da fronteira do conhecimento.

Autores

  • é advogado, mestre e doutor em Direito pela PUC/SP, professor, escritor e autor de livros, presidente do Instituto Sociocultural Brasil/China (Ibrachina) e do Instituto Brasileiro de Ciências Jurídicas (IBCJ), diretor do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (CEDES), presidente da Coordenação Nacional das Relações Brasil/China (CNRBC) e da Comissão Especial Brasil/ONU de Integração Jurídica e Diplomacia Cidadã para implementação dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (CEBRAONU), ambos órgãos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

  • é advogado, especialista em Direito Empresarial e em Direito Penal Econômico, secretário-geral da Comissão Especial Brasil/Organização das Nações Unidas de Integração Jurídica e Diplomacia Cidadã (Cebraounu), da OAB Nacional e secretário-executivo do Grupo Parlamentar Brasil/ONU (GPONU), no Congresso Nacional e vice-presidente da Coordenação Nacional das Relações Brasil/China (CNRBC).

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