Bengala inaceitável

Democratas fazem campanha para ministro da Suprema Corte se aposentar

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20 de junho de 2021, 7h29

Quem visitar a Suprema Corte dos EUA, nesses dias, poderá ver uma cena inimaginável em muitos países. Um outdoor móvel, montado em uma van, circula em torno da corte com a mensagem: "Breyer, retire" (Breyer, se aposente). Os liberais democratas não só querem que um de seus melhores ministros, o liberal Stephen Breyer, se aposente, mas que o faça o mais rápido possível.

Twitter/Jennifer Bendery
Outdoor móvel pede aposentadoria do justice Stephen Breyer
Twitter/Jennifer Bendery

O outdoor móvel (mobile billboard truck) é apenas uma peça de uma campanha disparada pelos democratas liberais e progressistas, para pressionar Breyer, com 82 anos, a dar uma oportunidade ao presidente Joe Biden de nomear, para seu lugar, um juiz mais jovem, com ideologias e convicções semelhantes às dele, enquanto o Partido Democrata ainda seja maioria no Senado.

Também para pressionar o ministro, 13 organizações progressistas, que se identificam com o Partido Democrata, divulgaram uma declaração conjunta e 18 reitores e professores de Direito das principais faculdades de direito do país divulgaram uma carta aberta. Todos pedindo que o ministro se aposente. Alguns artigos foram publicados em jornais com o mesmo objetivo.

Qual o motivo da sangria desatada? Hoje, o Senado tem 50 senadores que apoiariam uma nomeação de Joe Biden para a Suprema Corte (48 democratas e 2 independentes) e 50 senadores republicanos, dispostos a bloquear qualquer indicação do presidente. O Partido Democrata só ocupa a posição de partido majoritário na Casa porque o voto de minerva, caso uma votação termine 50 a 50, cabe à presidente do Senado, que é a vice-presidente Kamala Harris, uma democrata.

Essa é uma posição fluida. Em 2022, haverá eleição para o Senado. E basta aos republicanos recuperar uma cadeira para garantir o status de partido majoritário. Isso é bem possível porque, frequentemente, o controle da Casa muda de mãos, de uma eleição para outra.

O alarme disparou na semana passada, quando o senador Mitch McConnell, líder da minoria, declarou que, se o Partido Republicano voltar a ser majoritário, Biden não irá nomear ministro algum em seu governo.

Teoricamente, os democratas têm menos de um ano e meio para garantir que o ministro liberal Stephen Breyer seja substituído por outro juiz liberal, com ideologias afins. Isso apenas para manter a atual composição "6 a 3" da corte: seis ministros conservadores e três ministros liberais. Se mais um juiz conservador for para a corte, a composição passará a ser de "7 a 2". E o equilíbrio ideológico da corte não será recuperado por décadas.

O que mais alarma os democratas — e essa é provavelmente a causa da sangria desatada — é a probabilidade de que o partido perca o status de maioria no Senado antes das eleições de 2022. Basta uma morte, uma aposentadoria forçada, um escândalo, uma mudança de partido, para o Partido Democrata deixar de ser majoritário.

Isso porque, dos 50 senadores da bancada democrata, 14 são de estados em que o governador é republicano. Se um democrata deixar a casa por qualquer razão, caberá ao governador republicano promover sua substituição. E, é claro, ele pode nomear um político republicano para o cargo. Assim, o Partido Republicano irá recuperar a maioria na Casa imediatamente.

Isso pode não acontecer, obviamente. Mas a simples ideia de que a possibilidade existe deixa os democratas nervosos. Eles se lembram muito bem do caso da ex-ministra Ruth Bader Ginsburg (RBG). Em 2014, quando o democrata Barack Obama era o presidente e o Partido Democrata era majoritário no Senado, foi colocada uma certa pressão sobre a ministra para ela se aposentar, uma vez que já vinha lutando contra o câncer.

Ela resistiu, garantindo a todos que sua saúde mental era muito boa e que tinha forças para trabalhar. Antes de morrer, no ano passado, ela declarou: "Meu mais fervente desejo é o de que eu não seja substituída até que um novo presidente seja instalado [na Casa Branca]."

Mas ela morreu antes disso e o ex-presidente Trump teve a chance de nomear a ministra Amy Coney Barrett, que tem uma ideologia exatamente oposta à de RBG, a menos de um mês das eleições. Se ela tivesse cedido às pressões, hoje a composição da corte seria de "5 a 4" — uma posição considerada equilibrada pela comunidade jurídica, porque um ministro de uma ala pode votar com os ministros da outra, uma vez ou outra.

Com a atual composição de "6 a 3", é preciso que dois ministros conservadores votem com os três ministros liberais, para uma causa liberal ser bem-sucedida. Muito difícil. Com uma possível composição de "7 a 2", o resultado da votação será sempre o mesmo: os conservadores ganham, os liberais perdem.

Breyer resiste
Durante meses, Breyer não disse uma palavra sobre a pressão que sofre para se aposentar. Recentemente, ele jogou água fria na campanha para ele se aposentar. Ele disse, em uma palestra, que "juízes não podem ser vistos como políticos de toga". Isto é, não devem programar sua aposentadoria com base em interesses partidários. Devem preservar os interesses da instituição.

Para ele, essa não é uma decisão política. Mas tem sido. Em 2018, o ex-ministro Anthony Kennedy se aposentou, aos 84 anos, a pedido (ou sob uma certa pressão) do então presidente Donald Trump. Em seu lugar, Trump colocou o ministro Brett Kavanaugh, com 54 anos.

Um estudo do demógrafo Ross Stolzenberg da Universidade de Chicago e do professor James Lindgren da Faculdade de Direito de Northwestern, declara que a maioria dos juízes federais programa a própria aposentadoria para uma época em que um determinado partido está no poder.

A maioria dos ministros da Suprema Corte também faz a mesma coisa, diz a professora da Faculdade de Direito da Universidade Loyola, de Chicago. Mas tem um porém: "Um ministro, como qualquer outro juiz federal, prefere confessar um crime do que confessar uma motivação política" para se aposentar, ela disse ao Baltmore Sun.

Stolzenberg acredita que, em seu estudo, encontrou uma explicação para o apego dos ministros ao cargo: "Descobri que o efeito da aposentadoria é semelhante ao de se fumar dois pacotes de cigarro por dia. Essas pessoas amam seu trabalho. Ele as faz se sentirem fortes, felizes. Acho que o ministro Breyer preferirá fazer qualquer coisa a se aposentar."

O assunto esteve na mídia durante toda a semana. Notícias e artigos foram publicados, por exemplo, nos sites do Washington Post, Financial Times, The Guardian, Independent, The Baltimore Sun, NPR, MSNBC, Demand Justice, Legal Insurrection, entre outros.

Idade dos ministros da Suprema Corte:

Nome         Idade Nomeado pelo presidente…
Stephen Breyer         82 Bill Clinton (Democrata)
Clarence Thomas       72  George HW Bush (Republicano)
Samuel Alito 71 George W Bush (Republicano)
John Roberts 66 George W Bush (Republicano)
Sonia Sotomayor 66 Barack Obama (Democrata)
Elena Kagan 61 Barack Obama (Democrata)
Brett Kavanaugh 56 Donald Trump (Republicano)
Neil Gorsuch 53 Donald Trump (Republicano)
Amy Coney Barrett 49 Donald Trump (Republicano)

Fonte: Suprema Corte dos EUA

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