Licitações e Contratos

Parecer da AGU e aplicabilidade da nova lei de licitações e contratos administrativos

Autor

  • Jonas Lima

    é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

18 de junho de 2021, 8h02

Após dois meses de vigência da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, surge um balizador sobre a sua aplicação com o Parecer nº 00002/2021/CNMLC/CGU/AGU, da Câmara Nacional de Modelos de Licitações e Contratos Administrativos da Consultoria-Geral da União CNMLC/DECOR/CGU, que integra a Advocacia-Geral da União.

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Em processo classificado como de “uniformização de entendimento jurídico”, os artigos da nova lei foram distribuídos aos componentes da Câmara, “para que cada um, de forma redundante, elencasse todos os dispositivos que pudessem ter menção a condicionantes quaisquer à sua eficácia – condições essas que poderiam ser regulamentos em sentido estrito (decretos), atos normativos de outra natureza ou outros requisitos”.

As conclusões do trabalho foram no sentido de que a Lei nº 8.666/93 (Normas Gerais de Licitações e Contratos), a Lei nº 10.520/2002 (Pregão) e a Lei nº 12.462/2011 (Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC) devem continuar em aplicação até que sejam editados os regulamentos previstos na Lei nº 14.133/2021, para os pontos em que isso ficou estabelecido pelo Congresso Nacional no novo texto legal.

Isso evidencia o sentido do princípio da legalidade, do artigo 37 da Constituição Federal, pelo qual o agente público somente pode fazer o que está previsto ou autorizado em lei, bem como do princípio da segurança, o qual impõe a previsibilidade dos atos, que, além de constar da Lei nº 9.784/99 e dos precedentes de ampla jurisprudência, acabou sendo resguardado no artigo 5º da própria Lei nº 14.133/2021.

E a lição de hermenêutica jurídica de que “a lei não possui palavras inúteis” volta à evidência.

Lembre-se de que, em face da independência e harmonia dos Poderes, postulado do artigo 2º da Constituição Federal, “aplicadores do direito” não podem decidir “experimentar” suas próprias “criações” (práticas não previstas no texto da lei), como se pudessem retirar a força de lei vigente, “deixando de aplicar” norma editada pelo Congresso Nacional, dentro de sua competência.

Para o caso concreto, se regulamentos de várias ordens foram previstos pelo legislador, não pode o aplicador da lei criar algo diferente, menosprezando os vários comandos que estabeleceram a eficácia contida da Nova Lei nos pontos em que se reporta a diferentes tipos de regulamentos.

Importante fazer esses registros, porque os 2 (dois) anos de transição previstos no novo regime legal não foram estabelecidos para “imediatos testes” com “criações” não previstas na lei, mas para a necessária adaptação de “regulações e sistemas” relacionados às licitações e contratos, para viabilizar a eficácia da nova lei à medida que editadas as normas necessárias e que os sistemas forem sendo liberados para utilização.

Assim, não pode o “aplicador da lei” afirmar que determinada medida pode ser “opcional” ou “prescindível” e, “por enquanto”, podem ser adotadas “outras soluções”, pois na medida em que o “legislador” entende por atribuir “discricionariedade” para situações pontuais ele o faz de forma expressa, como nos exemplos de dispensa de alguns dos requisitos formais para dispensa de projeto básico, de licitação em hipóteses específicas, de análise jurídica em demandas de baixo valor, de documentação em certas contratações para entregas imediatas e de documentos que já constem em registro cadastral, entre outras, como a flexibilização dos 6 (seis) anos para Municípios com até 20.000 (vinte mil) habitantes cumprirem as medidas determinadas na lei.

Então, quando o artigo 44 da Constituição Federal estabelece que “o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal”, isso não pode ser visto como algo sem relevância. É algo a ser observado.

Por essa razão, quando “o legislador”, Congresso Nacional, determinou, por exemplo, no artigo 94 da Lei nº 14.133/2021, que “a divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) é condição INDISPENSÁVEL para a eficácia do contrato e de seus aditamentos”, não pode o “aplicador” da norma afirmar, por conta própria, que a falta do Portal Nacional possa ser suprida, por certo tempo, para experimentação do novo regime licitatório, por publicações no Diário Oficial da União ou outras “soluções”.

Essa ponderação é essencial em face da “onda” de “interpretações” que surgiram para “apressar” a aplicação da nova lei em vários pontos para os quais o “legislador” impôs que fossem editadas dezenas de regulamentos.

E o parecer da Consultoria-Geral da União, da Advocacia Geral da União, ressalta a necessidade do advento do Portal Nacional das Contratações Públicas (PNCP) e de regulamentações sobre funções dos agentes de contratação, pesquisa de preços, modalidade licitatória do leilão, modos de disputa, condições de seleção para a contratação de obras, bens e serviços e registro de preços, sendo estes apenas alguns exemplos.

Feitas tais considerações, pede-se vênia para transcrição exata da ementa do referido parecer:

“EMENTA:

I – Análise jurídica de condicionamentos e requisitos para possibilidade de utilização da Lei nº14.133/21 como fundamento para embasar licitações e/ou contratações. Necessidade de traçar um panorama de eficácia da lei para priorização dos modelos a serem elaborados e do cronograma para tanto.

II – A divulgação dos contratos e dos editais no Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP não pode ser substituída pelo DOU, sítio eletrônico do órgão ou outro meio de divulgação, sendo obrigatório, portanto, o PNCP;

III – O art. 70, II abre a possibilidade de registros cadastrais não-unificados para fins de substituição da documentação de habilitação;

IV – A implementação das medidas previstas no art. 19 da nova lei, incluindo os modelos, não é pré-requisito para que haja contratações pelo novo regramento, muito menos exige-se ônus argumentativo adicional para contratar-se antes de finalizadas tais medidas. Essa conclusão não aborda a eventual obrigatoriedade de uso de instrumentos que efetivamente existam;

V – Os arts. 7º, 11, parágrafo único e 169, §1º são consideradas como medidas preferenciais antes de proceder às contratações: recomenda-se que o gestor se prepare, iniciando gestão por competências/processos de controle interno antes de iniciar a aplicação da nova lei, sem prejuízo de, justificadamente, fazer contratações antes disso;

VI – O regulamento do art. 8º, §3º é necessário para a atuação do agente ou da comissão de contratação, equipe de apoio, fiscais e gestores contratuais. Como toda licitação necessita de agente/comissão de contratação e todo contrato de fiscal/gestor, isso implica, na prática, a impossibilidade de licitar ou contratar até que as condutas dos agentes respectivos sejam regulamentadas na forma do artigo em questão.

VII – É necessária a regulamentação de pesquisas de preços, tanto em geral quanto especificamente para obras e serviços de engenharia, para que elas sejam feitas com fundamento na nova lei;

VIII – A regulamentação da modalidade de Leilão e dos modos de disputa da Concorrência e do Pregão é necessária para o seu uso.

IX – Para o uso do SRP, é necessária a sua regulamentação, seja em geral, seja quando resultante de contratação direta;

X – É possível contratar sem a regulamentação do modelo de gestão do contrato, caso em que o próprio instrumento contratual deverá desenhar o modelo que seja adequado ao caso. Ainda assim, é recomendável que, nos casos de contratação com mão-de-obra, utilize-se de procedimentos de fiscalização trabalhista adequados à lei, análogos à IN 5/2017, por exemplo.

XI – Nos dois anos a que se refere o art. 191, o gestor poderá eleger se em determinada contratação se valerá dos comandos da Lei nº 8.666/93, da Lei n.º 10.520/2002 e dos artigos 1º a 47-A da Lei n.º 12.462/2011, inclusive subsidiariamente, ou se adotará a Lei n.º 14.133/2021, inclusive subsidiariamente, nos termos do art. 189;

XII – Em qualquer caso, é vedada a combinação entre a Lei nº 14.133/21 e as Leis 8.666/93, 10.520/2002 e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011, conforme parte final do art. 191;

XIII – Não é possível a recepção de regulamentos das leis nº 8.666/93, 10.520/02 ou 12.462/11 para a Lei nº14.133/21, enquanto todas essas leis permanecerem em vigor, independentemente de compatibilidade de mérito, ressalvada a possibilidade de emissão de ato normativo, pela autoridade competente, ratificando o uso do regulamento para contratações sob a égide da nova legislação.”

Em conclusão, quando o Congresso Nacional estabeleceu que instrumentos como o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) e outros, bem como diversos regulamentos serão necessários, não cabe ao aplicador da norma se antecipar e afirmar que aqueles podem ser prescindíveis.

Clique aqui para ler a íntegra do parecer

Autores

  • é advogado, especialista em licitações e contratos, pós-graduado em Direito Público e Compliance Regulatório. Sócio de Jonas Lima Sociedade de Advocacia.

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