Opinião

ESG e o impulso à Agenda 2030 e ao Acordo de Paris

Autores

  • Bruno Teixeira Peixoto

    é advogado do “Cabanellos Advocacia”. Mestre na área de Direito Internacional e Sustentabilidade pela UFSC e especialista em Direito Ambiental e Urbanístico pelo Cesuc-SC. Possui formação Executiva em Compliance e Governança no Setor Público pelo Insper e em Compliance Ambiental Social de Governança e de Proteção de Dados pela PUC-RJ. Autor de “Compliance no Direito Ambiental: Licenciamento ESG e regulação” (Fórum 2023).

  • Camila Kososki Lucchese

    é advogada mestre em Direito Internacional Público e Organizações Internacionais pela Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne consultora e palestrante secretária-geral da Comissão do Pacto Global da OAB/PR e membro do Grupo Jurídico "B" da comunidade Paraná com formação em Compliance Ambiental Social de Governança e de Proteção de Dados (ESG&D)-PUC-RJ (2020).

17 de junho de 2021, 9h04

Apesar de estar cada vez mais claro que as ações de hoje determinam a qualidade de vida do amanhã, e passados mais de cinco anos da assinatura do Acordo de Paris e da Agenda 2030 Global para o desenvolvimento sustentável, os esforços permanecem insuficientes para alcançar, até o ano de 2030, um mundo mais economicamente próspero, socialmente justo e ecologicamente preservado.

Resultado de diversas e extensas negociações internacionais entre governos, sociedade civil e o setor privado, a Agenda 2030 e o Acordo de Paris sucederam outros acordos internacionais, como a paradigmática Agenda 21, firmada na ECO 1992, no Rio de Janeiro. A despeito da sua manifesta importância, esses compromissos ainda carregam inevitável característica soft law, ou seja, prescindem de efeitos jurídicos ditos vinculantes, aspecto, inclusive, comum no contexto dos acordos ambientais e de desenvolvimento sustentável, baseando seu cumprimento praticamente na pressão política e econômica.

Ambas iniciativas destacam a necessidade de atuação conjunta da sociedade para enfrentar os problemas globais atuais, reivindicando, ainda que de forma voluntária, que não só os Estados signatários, como os demais setores (setor privado, sociedade civil, mercado, por exemplo) se comprometam com as obrigações firmadas.

No contexto da agenda climática do Acordo de Paris, o cenário crítico pode ser constatado na leitura dos últimos relatórios [1] The World Energy Outlook (WEO), da Agência Internacional de Energia, pelos quais se indicou que, mantidos os padrões atuais de políticas declaradas, as emissões de gases de efeito estufa não cairão nada até o ano de 2040, ao contrário, serão elevadas em 41 bilhões de toneladas.

Declarada em 2019 pelo Parlamento Europeu [2], a emergência climática institucionalizou tal pressão por ações concretas contra o aquecimento global. No mundo inteiro a discussão das políticas e metas climáticas está sendo objeto de sistêmicas e ampliadas análises, inclusive provocadas por Cortes Constitucionais [3], naquilo que especialistas vêm denominando de Litigância Climática.

Trata-se de um pano de fundo similar e cada vez mais consolidado tanto no setor público e mais recentemente no setor privado. Isso porque, quando se observa o consenso científico mundial, especialmente com o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), veiculado em 2018 [4], conclusões científicas apontam que, para mantermos o aumento da temperatura planetária em 1,5 ºC, é preciso um corte de 45% nas emissões de gases de efeito estufa até o ano de 2030, além de zerá-las no máximo até 2050.

Esse contexto expressa a evidente dificuldade – muito agravada por negacionismos [5] — dos governos signatários dos compromissos em implementarem esforços no cumprimento das obrigações internacionais, além é claro do advento da pandemia do novo Coronavírus, fatores que ocasionaram — e ainda vêm gerando — uma crise econômica, social e sanitária, dimensões que fragilizam as estruturas político-jurídicas e econômicas na corrida climática e de desenvolvimento sustentável.

Devido à pandemia da COVID-19, muitos recursos necessitaram ser realocados, muito do progresso até então conquistado se perdeu, principalmente em razão da recessão econômica, desemprego e aumento das desigualdades entre e dentro dos países. E mesmo antes da crise generalizada ocasionada pelo Coronavírus, o diagnóstico era de incontroverso atraso para que alcançássemos os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), assim como para que atingíssemos a redução de 45% das emissões de gases de efeito estufa até o ano de 2030.

Até o ano de 2030 teremos a "Década da Ação e da Ambição", sendo imperiosa a implementação célere e ampliada das metas declaradas, que não dependem apenas do setor público, mas também — e especialmente — implicam papel ativo do setor privado.

Nesta conjuntura, haveria alguma perspectiva para o alcance das metas dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030? E o que poderia causar o big push das metas climáticas estabelecidas no Acordo de Paris? Ao se levar em conta que, como visto, os próprios países signatários não estão avançando no cumprimento dos compromissos que firmaram em 2015, existiria atualmente um meio de incluir efetivamente as empresas e o setor privado neste esforço conjunto?

Quando se buscam respostas, inevitável a pauta ESG (Environmental, Social and Governance), ligada à (re)evolução de padrões de gestão e governança corporativa, que vem causando verdadeira corrida no mundo empresarial e no mercado financeiro, no Brasil e no mundo todo, a fim de um novo paradigma econômico, definido por muitos de Capitalismo de Stakeholders.

A história demonstra que a participação do setor privado nos planos internacionais relacionados à sustentabilidade sempre foi bastante frisada durante as reuniões multilaterais para o desenvolvimento. Desde a década de 1950 se fala em responsabilidade social corporativa, mesmo na década de 1970 os países trouxeram para discussão a pretensa dicotomia entre o lucro privado e o custo público pela utilização desenfreada da natureza.

No entanto, tal pressão, exercida principalmente pela sociedade civil, permaneceu por décadas sendo vista erroneamente pelo setor privado como empecilho ao crescimento nas grandes corporações mundiais. Assunto emergente, considerado apenas em última instância, em caso de extrema necessidade.

Felizmente, há sinais que apontam para potenciais contribuições a serem exigidas do setor privado, oriundas da pauta de gestão e governança ESG. Nos últimos dois anos, este movimento tem promovido mudança significativa na estrutura de gestão e governança das empresas, movimentada principalmente por inputs claros do mercado financeiro, de investimentos e da própria sociedade.

Isto significa que o próprio setor privado, ainda que tardiamente, parece estar refletindo sobre novos caminhos em que as empresas devam se adequar a padrões internacionais mais rígidos quanto às matérias ambiental, climática, social e de governança, tornando-se, assim, um meio potencial de contribuição às metas do Acordo de Paris e à observação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030.

O fator positivo para um impulso de sustentabilidade no setor privado tende a ser uma questão de sobrevivência corporativa: as empresas que não se adaptarem às novas exigências ESG sofrerão, muito possivelmente, efeitos negativos do mercado, de clientes e consumidores.

Tanto é verdade que está em ascensão no setor empresarial a contratação de experts nas áreas correlatas ao ESG, que inclusive são poucos no Brasil [6]. Além disso, para dar suporte jurídico e regulatório às empresas, diversos escritórios de advocacia no país e no mundo estão montando equipes multidisciplinares em suas bancas, combinando o atendimento voltado à análise de risco regulatório à entrega de medidas pautadas em um compliance ESG dos impactos extramuros das organizações.

Em recente relatório publicado [7] pela Rede Brasil do Pacto Global das Nações Unidas, em parceria com a plataforma Stilingue, foi destacado que atualmente há 308 empresas signatárias da iniciativa, expandindo a pauta ESG no país.

É certo que muita coisa ainda é levada em consideração pelos investidores que não unicamente o critério ESG para pautar suas decisões, mas com certeza a exigência de efetividade desses padrões representará um diferencial competitivo do qual é possível extrair potencial contribuição efetiva nas metas climáticas e na priorização dos ODS.

Com efeito, algumas questões ainda necessitam de estudos e aprimoramento para que se considere o critério ESG como instrumento seguro para o investidor preocupado com impacto ambiental, social e de governança, tais como a transparência das ações e uniformidade de critérios, possibilitando às empresas evitarem o falso marketing verde e social.

Para além das propostas de atuação estatal na economia e na política climática, como nos exemplos de Green New Deal nos EUA [8] e na União Europeia [9], a participação e execução do papel do setor privado torna-se cada vez mais fundamental para a consecução dos ODS e das metas estipuladas no Acordo de Paris. No próprio acordo, no artigo 2º, item "c", já se prevê como objetivo "tornar os fluxos financeiros compatíveis com uma trajetória rumo a um desenvolvimento de baixa emissão de gases de efeito estufa e resiliente à mudança do clima[10].

Há iniciativas como o Task Force on Climate-related Financial Disclosures (TCFD), exigindo que os mercados financeiros internalizem informações claras, abrangentes e de alta qualidade sobre os impactos das mudanças climáticas nas atividades econômicas. Inclusive, o próprio Banco Central do Brasil (Bacen) promoveu recentes consultas públicas [11] envolvendo o aprimoramento de resoluções sobre riscos socioambientais e climáticos na regulação financeira nacional. Ao engajamento às metas climáticas e aos ODS se deve acrescer o índice ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial) da bolsa de valores B3 S.A., exigindo evidências concretas dos padrões ESG das empresas listadas no mercado de valores mobiliários.

Outro fato incontroverso se relaciona ao setor de combustíveis fósseis, não só privado, como público, cada vez mais cercado pela realidade climática mundial em razão da necessária transição energética para uma matriz renovável, uma realidade da qual o setor privado não escapará de encampar esforços. Considerando que não há tempo de sobra quando o planeta está em chamas [12], o ponto é reduzir na metade as emissões até 2030, com emissões líquidas zeradas até 2050, definições que sobre o setor privado podem ser valiosas integrando a pauta ESG aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e às metas do Acordo de Paris.

Nesse sentido, devemos encontrar maneiras para os mercados financeiros públicos e privados considerarem os riscos das mudanças climáticas e os avaliarem de forma adequada. Já existem governos e empresas que avaliam os riscos climáticos como critério de seleção de projetos o que, em verdade, todo mundo deveria levar em consideração. Além disso, os governos poderiam alocar mais fundos para adaptação, definir metas de investimento ao longo do tempo e adotar políticas para tanto [13].

Até aqui, esta análise possibilita duas afirmações:

1) O setor privado deve, muito provavelmente, ser pressionado a se engajar para um mundo mais sustentável em sua atuação, o que sempre foi almejado e mas ainda pouco implementado, de forma efetiva, pelos compromissos internacionais;

2) A pauta ESG detém sinais claros e potenciais de servir como norte para que os governos avancem na regulação sobre a contribuição do setor privado no cumprimento ao Acordo de Paris e aos ODS da Agenda 2030 Global, a exemplo do que se viu na questão envolvendo a pauta de compliance e governança corporativa anticorrupção.

Ainda que governos caminhem em sentido oposto, inclusive quanto às novas metas climáticas de emissões recentemente declaradas [14], vislumbra-se campo promissor de ações pelo setor privado no engajamento concreto e eficaz para o impulso aos ODS e às metas climáticas para o ano de 2030.

Importante ainda considerar a influência do setor privado sobre os governos, a exemplo da conturbada ratificação do Acordo União Europeia Mercosul, bem como a carta [15] dos CEOs das principais empresas brasileiras remetida aos ministérios federais tratando do desmatamento ilegal. Para 2021, os olhos agora se voltam à COP-26, programada para novembro, em Glasgow, na Escócia.

Por todas essas perspectivas, o crescente movimento na sustentabilidade corporativa, caso estruturado e articulado concretamente, traz consigo potencial oportunidade de avanço na implementação da Agenda 2030 e do Acordo de Paris, seja na atuação do setor privado em ESG (efetivamente aplicada e mensurada), seja na sua influência (transparente e diligente) sobre o setor público para um mundo economicamente próspero, socialmente justo e ecologicamente preservado.

 

[1] IEA, World Energy Outlook 2019. Disponível em: <https://www.iea.org/reports/world-energy-outlook-2019> Acesso em 04 de jun. 2021.

[2] Parlamento Europeu declara 'emergência climática'. Disponível em: <https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/11/28/parlamento-europeu-declara-emergencia-climatica.ghtml> Acesso em 04 de jun. de 2021.

[3] Geração Greta' vence Merkel em disputa pelo clima na Justiça. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/05/geracao-greta-vence-merkel-em-disputa-pelo-clima-na-justica.shtml> Acesso em 04 de jun. de 2021.

[4] Aquecimento Global de 1,5°C. Disponível em: <https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2019/07/SPM-Portuguese-version.pdf> Acesso em 04/6/2021.

[5] Negações climáticas. Disponível em: <https://radis.ensp.fiocruz.br/index.php/home/reportagem/negacoes-climaticas> Acesso em 4/6/2021.

[6] Faltam especialista em ESG no Brasil. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/colunas/rodrigo-tavares/2021/05/faltam-especialistas-em-esg-no-brasil.shtml> Acesso em 04 de jun. 2021.

[7] Rede Brasil do Pacto Global lança estudo sobre evolução de governança social e ambiental. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/129007-rede-brasil-do-pacto-global-lanca-estudo-sobre-evolucao-de-governanca-social-e-ambiental> Acesso em 01 de jun. 2021.

[8] A alternativa pós-capitalista do Green New Deal. Disponível em: <https://outraspalavras.net/pos-capitalismo/a-alternativa-pos-capitalista-green-new-deal/> Acesso em 01 de jun. 2021.

[9] EU, Pacto Ecológico Europeu. Disponível em: <https://ec.europa.eu/info/strategy/priorities-2019-2024/european-green-deal_pt> Acesso em 1/6/2021.

[10] UNFCCC. The Paris Agreement. Disponível em: <https://unfccc.int/sites/default/files/english_paris_agreement.pdf> Acesso em 01 de jun. de 2021.

[11] Consultas Públicas Ativas. Disponível em: <https://www3.bcb.gov.br/audpub/AudienciasAtivas?2> Acesso em 01 de jun. de 2021.

[12] Neste sentido: KLEIN, Naomi. On Fire: The Burning Case for a Green New Deal. New York: Simon & Schuster, 2019.

[13] GATES, Bill. Como evitar um desastre climático: As soluções que temos e as inovações necessárias. Tradução de Cássio de Arantes Leite. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2021, p. 123.

[14] Jovens processam governo por "pedalada" climática. Disponível em: <https://www.wwf.org.br/?78190/jovens-processam-governo-por-pedalada-climatica> Acesso em 01 de jun. 2021.

[15] Em carta a Mourão, CEOs pedem combate ao desmatamento. Disponível em: <https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/07/07/em-carta-a-mourao-ceos-pedem-combate-ao-desmatamento.ghtml> Acesso em 01 de jun. 2021.

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  • é advogado do “Cabanellos Advocacia”. Mestre na área de Direito Internacional e Sustentabilidade pela UFSC e especialista em Direito Ambiental e Urbanístico pelo Cesuc-SC. Possui formação Executiva em Compliance e Governança no Setor Público pelo Insper e em Compliance Ambiental, Social, de Governança e de Proteção de Dados pela PUC-RJ. Autor de “Compliance no Direito Ambiental: Licenciamento, ESG e regulação” (Fórum, 2023).

  • é advogada, mestre em Direito Internacional Público e Organizações Internacionais pela Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne, consultora e palestrante, secretária-geral da Comissão do Pacto Global da OAB/PR e membro do Grupo Jurídico "B" da comunidade Paraná, com formação em Compliance Ambiental, Social, de Governança e de Proteção de Dados (ESG&D)-PUC-RJ (2020).

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