Opinião

O crédito acumulado de ICMS no Estado de São Paulo: desafios e oportunidades

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16 de junho de 2021, 16h08

A gestão do saldo credor do ICMS é um desafio para os contribuintes e o presente artigo busca tratar de alguns dos principais aspectos normativos e práticos relacionados à monetização e utilização do saldo credor nas hipóteses previstas na legislação do estado de São Paulo.

O presente artigo tratará dos conceitos de saldo credor e crédito acumulado, do procedimento previsto na legislação do estado de São Paulo para reconhecimento e utilização do crédito acumulado, da demora da Administração na análise desses requerimentos e da necessária mudança de postura para apreciação mais célere ou da necessidade de que seja assegurada a correção monetária dos créditos a partir da caracterização da mora, por decisão judicial ou alteração legislativa que assegure direito já reconhecido pelo Poder Judiciário.

Denomina-se saldo credor o resultado da apuração do ICMS, quando o montante de créditos escriturados (no período ou transportado de períodos anteriores) supera o de débitos registrados no período de apuração, o que enseja o transporte desse saldo para o próximo período de apuração (artigo 24 da LC 87/1996).

Dentre as inúmeras razões que podem resultar na apuração de saldos credores, podemos citar: 1) a realização de operações exportação, sem incidência do imposto, com a manutenção dos créditos apropriados; 2) a realização de operações de entradas e saídas com alíquotas diversificadas (entradas a 18% e saídas interestaduais a 4%, 7% e 12%); e, 3) realização de operações de saídas com diferimento do imposto ou sujeitas a isenção ou redução de base de cálculo que autorizem expressamente a manutenção dos créditos apropriados.

O artigo 25, § 1º, da Lei Complementar 87/1996 prevê um status especial para os saldos credores decorrentes de operações de exportação, com autorização expressa de sua transferência para "outros contribuintes do mesmo Estado, mediante a emissão pela autoridade competente de documento que reconheça o crédito". Além disso, o artigo 25, § 2º, da mesma lei estabelece que a lei estadual poderá, nos demais casos de saldos credores acumulados, permitir a imputação a outro estabelecimento do Contribuinte ou a transferência a outros contribuintes, nas condições em que definir.

Com fundamento na delegação do artigo 46 da Lei Estadual 6.374/1989, o artigo 71 do RICMS/SP previu as hipóteses nas quais o saldo credor se qualifica como crédito acumulado, em decorrência da realização das operações e prestações geradoras.

O "crédito gerado", nas hipóteses do artigo 71 do RICMS/SP, deverá ser objeto do procedimento de apropriação previsto na Portaria CAT 26/2010, do qual resulta uma decisão administrativa que indefere ou autoriza, total ou parcialmente, a apropriação do crédito ("crédito apropriado"), momento em que o montante é baixado pelo Contribuinte de sua GIA-ICMS e EFD e lançado pelo Fisco no conta corrente do sistema E-CredAc, e este crédito será considerado utilizável quando estiver disponível na conta corrente do referido sistema.

Ocorre que para requerer a apropriação do crédito, primeiramente os Contribuintes devem optar pela apuração mediante uma das sistemáticas previstas na legislação: 1) Sistemática Simplificada de Apuração (artigo 30 da DDTT e Portaria CAT 207/09): que analisa apenas as saídas e apura o crédito mediante índices (IVA e Percentual Médio de Crédito), com apropriação limitada a 10.000 UFESPs por período (atualmente R$ 290.090); e, 2) Sistemática de Custeio (Portaria CAT 83/09): apuração detalhada dos créditos vinculados a cada produto fabricado ou comercializado, que, inclusive, poderá ser complementar à apuração simplificada.

Observando-se os regramentos de cada sistemática, os Contribuintes devem elaborar arquivos magnéticos em formato pré-definido, que deverão ser transmitidos e acolhidos pelo sistema do Fisco Estadual, para que seja formalizado o pedido de apropriação vinculado aos arquivos acolhidos, que dá início ao processo administrativo de apropriação.

Nesta etapa, além da Auditoria dos arquivos apresentados e análise da existência de eventuais débitos impedientes, a Fiscalização deverá realizar o procedimento de Verificação Fiscal Sumária, que envolve a verificação pelo Fisco de todos os aspectos apontados no artigo 18 da Portaria CAT 26/2010, que antecede a autorização para apropriação.

Todos estes procedimentos antecedem a disponibilização crédito acumulado para que seja possível a sua utilização efetiva nas hipóteses previstas na legislação, dentre as quais: transferências para terceiros ou estabelecimentos reconhecidos como interdependentes, apenas nas hipóteses previstas no artigo 73 do RICMS/SP para os Contribuintes industriais e comerciais, pagamentos pagamento do ICMS Importação (artigo 78 do RICMS/SP) e liquidação de Débito Fiscal (artigo 79 do RICMS/SP).

Feitas esta breve contextualização, após o cumprimento dos inúmeros requisitos e dispêndios incorridos com a contratação de consultorias e elaboração dos arquivos nos padrões exigidos pela legislação, os Contribuintes se deparam com uma grande demora da Administração Pública Estadual na análise e prolação de decisão administrativa nestes processos, e, como contrapartida da mora, não há previsão na legislação de correção dos valores requeridos.

Em interessante artigo publicado na RIC – Revista de Informação Contábil [1], os pesquisadores apontam que, "quanto ao tempo de solicitação do crédito acumulado de ICMS junto a SEFAZ, 12 respondentes representando 40,0% disseram acima de 5 anos, 11 respondentes representando 36,7% relataram acima de 3 anos e 1 mês a 5 anos, 5 respondentes representando 16,7 % explicaram que não fazem, 1 respondente representando 3,3% disse de 1 ano e 1 mês a 3 anos, 1 respondente representando 3,3% disse até 1 ano".

Como se sabe, a Constituição Federal assegura o direito à razoável duração do processo aos Contribuintes e estabelece os princípios da eficiência, da moralidade e da razoabilidade como norteadores da atuação da administração pública, respectivamente nos artigos 5º, inciso LXXVIII, e artigo 37, caput da CRFB/88.

No âmbito federal, o artigo 24 da Lei Federal nº 11.457/2007 estabeleceu o prazo de 360 dias para que seja proferida decisão administrativa e o direito dos Contribuintes à prolação de decisão neste prazo, contado do protocolo do requerimento, foi assegurado pela Primeira Seção do E. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.138.206/RS, submetido à sistemática dos Recursos Repetitivos do artigo 543-C do CPC/1973.

No Estado de São Paulo, a Lei Estadual 10.177/1988, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual, estabelece o prazo máximo de 120 dias para decisão de requerimentos de qualquer espécie apresentados à Administração.

Diante da existência de norma especial, no Estado de São Paulo o excesso de prazo se materializa após o decurso de 120 dias do protocolo do pedido de apropriação, o que autoriza o manejo de medida judicial para que seja determinada a prolação de decisão administrativa, afastando-se o ato omissivo lesivo do direito à razoável duração do processo administrativo

Em diversas oportunidades as Câmaras de Direito Público do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo analisaram a situação e proferiram decisões favoráveis aos Contribuintes, determinando a prolação de decisão administrativa, o que tem se tornado um expediente cada vez mais comum [2].

Esta situação de mora da Administração Pública atrai uma consequência jurídica importante que é o direito dos Contribuintes à correção monetária dos créditos em razão da resistência ilegítima do Fisco ao exercício do direito pela omissão na conclusão do processo administrativo.

Com efeito, o direito à correção de créditos escriturais na hipótese de resistência ilegítima foi objeto do enunciado da Súmula STJ nº 411 e, recentemente, no julgamento do Tema nº 1.033 dos Recursos Repetitivos, o STJ reconheceu "o direito à incidência de correção monetária referente ao ressarcimento de créditos tributários escriturais excedentes de tributo sujeito ao regime não-cumulativo, quando excedido o prazo a que alude o artigo 24 da Lei 11.457/2007".

Tendo em vista que os fundamentos do referido precedente em tudo se aplicam à situação verificada no âmbito do Estado de São Paulo e a existência de lei estadual que prevê prazo de análise inferior, entendemos que os Contribuintes do ICMS possuem o direito à correção monetária dos créditos acumulados pela Taxa SELIC a partir do decurso do prazo de 120 dias previsto no artigo 33 da Lei Estadual 10.177/1998.

Em recente decisão proferida no julgamento da Apelação 1003766-87.2019.8.26.0322, a C. 13ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, reconheceu ao Contribuinte o direito de correção monetária pela Taxa SELIC, a partir do 120º dia a contar de cada apresentação do requerimento administrativo, examinando a situação específica de pedido de apropriação de crédito acumulado.

A tutela do Poder Judiciário em ambos os cenários reequilibra a relação Fisco-Contribuinte, ao conferir um tratamento justo e equitativo onde é assegurada a análise dos processos e liberação dos créditos em prazo razoável ou, alternativamente, a correção monetária destes mesmos créditos como consequência da mora da Administração na análise dos processos.

Todavia, o cenário desejado seria de compreensão do impacto desta ineficiência sobre o fluxo de caixa e as atividades dos Contribuintes, por parte da Administração Tributária, tendo como contrapartida investimentos em seus quadros técnicos e mecanismos de gestão para viabilizar a análise tempestiva dos requerimentos, ou, alternativamente, a alteração da legislação estadual para que seja assegurada a correção monetária dos créditos.

 


[1] PINHEIRO, R. G.; BUDNG, E.; SILVESTRE, R. V. Captação e Utilização do Crédito Acumulado de ICMS no Estado de São Paulo: uma pesquisa junto aos gestores das empresas in Revista de Informação Contábil[1] – ISSN 1982-3967 – Vol. 12, no3, p. 52-66, Jul-Set/2018.

[2] Dentre outras: TJSP. 5ª CDP. Agravo de Instrumento nº 2108926-46.2020.8.26.0000, julgado em 23/6/2020. TJSP. 11ª CDP. Apelação nº 1021705-48.2018.8.26.0053, julgada em 6/8/2019.

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