Opinião

Norma do TRT-2 que diminui prazo de defesa é inconstitucional

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16 de junho de 2021, 7h03

A portaria 06/2020 do TRT-2, em seu artigo 3º, §1º, ao disciplinar prazo inferior para apresentação de contestação, teria violado sensivelmente o direito de ampla defesa.

A aludida portaria narra que:

"§1º A critério do magistrado e independentemente do rito processual, as audiências iniciais poderão ser dispensadas, devendo a parte reclamada ser intimada, sob pena de revelia, para anexar aos autos a defesa, documentos e eventual proposta conciliatória, observados o rito previsto no artigo 335 do CPC e as prerrogativas da Fazenda Pública".

Sobre o assunto, assim condiz o artigo do Código Adjacente:

"Artigo 335  O réu poderá oferecer contestação, por petição, no prazo de 15 (quinze) dias, cujo termo inicial será a data:
III
 prevista no artigo 231, de acordo com o modo como foi feita a citação, nos demais casos".

Por força da remissão, cumpre destacar o artigo legal:

"Artigo 231  Salvo disposição em sentido diverso, considera-se dia do começo do prazo:
I
 a data de juntada aos autos do aviso de recebimento, quando a citação ou a intimação for pelo correio".

Por oportuno Hely Lopes Meireles elenca que portarias seriam:

"Atos administrativos internos, pelos quais o chefe do Executivo (ou do Legislativo e do Judiciário, em funções administrativas), ou os chefes de órgãos, repartições ou serviços, expedem determinações gerais ou especiais a seus subordinados, ou nomeiam servidores para funções e cargos secundários. As portarias, como os demais atos administrativos internos, não atingem nem obrigam aos particulares, pela manifesta razão de que os cidadãos não estão sujeitos ao poder hierárquico da Administração pública" (Direito administrativo brasileiro. 2. ed. 1966, p. 192).

Themístocles Brandão Cavalcanti prende-se também ao conceito rígido e interno das portarias, conceituadas como:

"O meio, ou melhor, a forma de que se revestem os atos administrativos destinados a produzir efeito dentro das repartições, e a regular a ordem interna dos serviços. Constitui também a portaria o instrumento das autoridades administrativas para no mear, demitir, suspender, licenciar certos empregados, quando não gozem estes de garantias e prerrogativas legais" (Curso de direito administrativo. 6. ed. 1961. p. 63).

Tais conceituações da doutrina chegaram aos tribunais, a ponto de a mais alta Corte de Justiça do país ter consagrado a tese de que "as circulares, instruções e portarias não se incluem entre as fontes de direito administrativo; falecem-lhes as características de lei, pois apenas se dirigem aos funcionários administrativos, traçando-lhes diretrizes, ministrando-lhes esclarecimentos e orientações" (STF, em RDA, 7 p. 120).

Do mesmo, em outras ocasiões, o Supremo Tribunal Federal decidiu que:

"Entre as fontes do direito administrativo não se encontram as portarias ministeriais, simples instruções a seus subordinados e incapazes de revogar a lei"; que "as circulares e portarias das autoridades superiores a seus subordinados não obrigam a particulares"; que "as portarias são ordens internas de serviço e prescindem da publicidade dada para as leis e atos de maior hierarquia no direito administrativo" (STF, em RF, v. 107, p. 65; RF, v. 107, p. 277 e RF, v. 112, p. 202-3).

Com base nisso, se percebe que citações expedidas com base na aludida portaria padecem de plausabilidade jurídica, mormente porque o artigo 847, parágrafo único da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), assegura a seguinte garantia ao réu no processo trabalhista:

"Artigo 847  Parágrafo Único da CLT: "A parte poderá apresentar defesa escrita pelo sistema de processo judicial eletrônico até a audiência" (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017).

Logo não pode uma portaria criar direitos e obrigações, em contrariedade ao disposto no artigo 847 parágrafo único da CLT em vigor!

Veja que o artigo 15 do Código de Processo Civil (CPC) não autoriza o Juiz a utilizar a regra do artigo 335 do CPC como dito na aludida portaria 06/2020, haja vista que o retro artigo do novo Código de Processo Civil é claro em dizer que:

"Artigo 15 — Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente".

Somente na hipótese de ausência de regra legal na CLT pode-se aplicar supletivamente ou subsidiariamente o CPC, e não se mudar a garantia da ampla defesa de apresentar contestação na forma do artigo 847, parágrafo único da CLT, por meio de portaria.

O Tribunal Superior do Trabalho possui precedente em igual sentido extraído do Recurso de Revista TST-RR-25216-41.2015.5.24.0002 — in verbis:

"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA A PARTIR DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. AUTOS ELETRÔNICOS. DETERMINAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE CONTESTAÇÃO DIAS ANTES DA AUDIÊNCIA. DIFERENÇA ENTRE ATO DE SISTEMA E ATO PROCESSUAL EXIGÊNCIA NÃO PREVISTA EM LEI. APLICAÇÃO DA PENA DE REVELIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. CARACTERIZAÇÃO. A gênese do ato processual  e, de resto, a sua própria conceituação  sofre substancial modificação no PJe-JT, ante a utilização de procedimentos automatizados, funcionalidade impensada na realidade do processo físico. Contudo, nem todo ato praticado no sistema, em que pese fazer parte dele enquanto tal, se converte em ato processual, a caracterizar distinção entre ato de sistema e ato de processo. Para a uniformização de tais parâmetros mostrou-se urgente a padronização das regulamentações editadas pelos diversos tribunais. Nesse sentido, destaca-se a Resolução nº 94, de 23/03/2012, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, que, no âmbito específico da Justiça do Trabalho, regulamentou o uso do sistema e definiu tratamento uniforme para diversas questões envolvendo o PJe-JT, matéria, hoje, regulamentada pela Resolução CSJT nº 185/2017. Também o Conselho Nacional de Justiça editou, em 18/12/2013, a Resolução nº 185, de conteúdo em muito semelhante à adotada nesta Justiça Especializada. Por tais resoluções, procurou-se uniformizar as regras disciplinadoras dos procedimentos e, com isso, evitar que os diversos TRTs, no âmbito de suas jurisdições, editassem, embora com idêntica finalidade, atos normativos variados. Igualmente necessária a ponderação de que os benefícios obtidos com os avanços da informática em prol da celeridade jurisdicional não autorizam que se imponha ônus desproporcional à parte, não previsto em lei, independentemente do polo processual que assuma na demanda. Na hipótese dos autos, verifica-se desvirtuamento das diretrizes traçadas, quando da determinação de que a ré apresentasse 'contestação em 20 dias por meio eletrônico (PJe-JT) (….) sob pena de preclusão', em prejuízo do prazo mais elastecido, previsto na CLT. Embora amparada em norma regulamentar do Tribunal Regional (Orientação SECOR/GP n. 1, de 21.2.2014  Boletim Interno  TRT 24, de 27.2.2014), a medida implica desrespeito à garantia processual já incorporada ao patrimônio jurídico processual da parte, uma vez que a regra, no processo do Trabalho, é a apresentação de defesa, em audiência (artigo 847 da CLT). Configurado, portanto, cerceamento de defesa, a justificar o reconhecimento de violação do artigo 5º, LV, da Constituição Federal. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento".

Nota-se, portanto, que a aludida portaria extrapola o poder regulamentar, ferindo o artigo 5º inciso II da CF/88, segundo o qual:

"Artigo 5º inciso II da CF/88  ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

Inegavelmente, a portaria 06/2020, na parte que reduz o prazo de defesa, inova no ordenamento jurídico nacional, conferindo ao magistrado prerrogativas de estabelecer um novo momento limítrofe para a apresentação de defesa, em contrariedade com a Constituição Federal de 1988 e a CLT.

Veja que a Constituição Federal assegura a todos no processo judicial, a ampla defesa, e não uma defesa mitigada; acompanhe a dicção do artigo 5º inciso LV:

"Artigo 5º inciso LV da CF/88  aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

O Pacto de San José da Costa Rica igualmente prevê, em seu artigo 8º, que:

"Artigo 8º  Garantias judiciais
 Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza".

Pela redação do parágrafo único do artigo 847 da CLT, a reclamada pode apresentar defesa escrita pelo sistema PJE até a data da audiência, sendo ainda possível, pelos termos do caput, a apresentação de defesa oral por 20 minutos caso tenha havido acordo quando da abertura da audiência.

A conclusão a que se chega, fazendo uma análise hermenêutica sobre a aludida portaria e o sistema pátrio vigente, éque não pode a Portaria 06/2020 impedir que a reclamada apresente defesa na forma do artigo 847 parágrafo único da CLT, sob pena de violação ao baldrame axiológico da legalidade.

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