Consultor Tributário

Inconstitucionalidade do Funrural após 2001 está por um voto no Supremo

Autor

  • Igor Mauler Santiago

    é sócio-fundador do escritório Mauler Advogados mestre e doutor em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB e presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Processo Tributário (IDPT).

16 de junho de 2021, 8h01

Volta-se a ADI 4.395 contra o artigo 1º da Lei 8.540/92, que deu nova redação aos artigos 12, incisos V e VII; 25, incisos I e II; e 30, inciso IV, da Lei 8.212/91, com redação atualizada até a Lei 11.718/2008. A discussão diz respeito ao Funrural do empregador rural pessoa física (artigo 25, incisos I e II) e à sub-rogação do adquirente da respectiva produção no pagamento do tributo (artigo 30, inciso IV).

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Esses comandos, com a redação atualizada até a Lei 9.528/97, já foram anulados pelo STF nos RREE 363.852/MG e 596.177/RS. O que sobra para a ADI em exame é a validade do tributo após a Lei 10.256/2001, declarada no RE 718.874/RS, e a subsistência da sub-rogação, matéria que não foi tratada neste último recurso e que não sofreu qualquer alteração após a Lei 9.528/97. O site do STF registra que o julgamento foi suspenso para a coleta do voto do Ministro Dias Toffoli, após os votos:

1) dos Ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Roberto Barroso julgando improcedente a ADI;

2) dos Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello julgando-a procedente para declarar a inconstitucionalidade, com redução de texto[1]:

2.1) da expressão “da pessoa física de que trata a alínea ‘a’ do inciso V do art. 12”, nas partes em que alteram o artigo 30, incisos IV e X, da Lei 8.212/1991; e

2.2) do artigo 1º da Lei 10.256/2001, no que se refere à expressão “do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22”, na parte em que altera o artigo 25 da Lei 8.121/1991; e

3) do Ministro Marco Aurélio declarando a inconstitucionalidade do artigo 25 da Lei 8.212/91, na redação conferida pela Lei nº 10.256/2001.

Uma observação se impõe: embora a parte final do voto do Ministro Marco Aurélio aluda apenas à Lei 10.256/2001, a leitura da sua íntegra – que registra que “a questão não é nova” e remete ao julgamento do RE 363.852/MG, listando todos os dispositivos ali invalidados – evidencia que S. Exa. deu pela invalidade também da sub-rogação. Dessa forma, ao desempatar o julgamento, o Ministro Dias Toffoli consolidará a posição do STF:

a) pela constitucionalidade do tributo e da sub-rogação após 2001; ou

b) pela inconstitucionalidade do tributo. Nesse caso, não haverá falar em sub-rogação, pois não se cogita de responsabilidade pelo pagamento de tributo inexistente; ou

c) pela constitucionalidade do tributo e pela inconstitucionalidade da sub-rogação após 2001, situação na qual o Funrural será mantido somente contra o produtor rural, excluindo-se o adquirente da relação tributária.

Da inconstitucionalidade da sub-rogação (letra “c” acima) já tratamos em coluna anterior. Hoje cuidaremos apenas da possibilidade de o STF, revendo a posição manifestada no RE 718.874/RS, reconhecer a inconstitucionalidade do Funrural mesmo após a Lei 10.256/2001, situação descrita no tópico “b”.

Pois bem: o voto proferido pelo Ministro Dias Toffoli no referido julgamento parece deixar espaço para uma evolução no entendimento ali manifestado (validade do tributo após 2001). De fato, consigna S. Exa. que “a LC nº 95/98 refere que é vedado o aproveitamento de número de dispositivo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado ou de execução suspensa pelo Senado Federal, na forma do art. 52, X, da Constituição”, objetando que “o caput do art. 25 da Lei nº 8.212/91 e seus incisos I e II, com as redações dadas pela Lei nº 9.528/97, não se enquadram em nenhuma dessas hipóteses”. Donde entender possível “a substituição da redação do referido caput bem como a utilização dos citados incisos”.

Sucede que, após aquele julgamento, o Senado Federal editou a Resolução 15/2017, suspendendo, “nos termos do art. 52, inciso X, da Constituição Federal, a execução (…) do art. 1º da Lei nº 8.540, de 22 de dezembro de 1992, que deu nova redação (…) ao art. 25, incisos I e II, e ao art. 30, inciso IV, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, todos com a redação atualizada até a Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997, declarados inconstitucionais por decisão definitiva proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 363.852” .

A Resolução tem efeito retroativo, como prevê o artigo 1º, parágrafo 2º, Decreto 2.346/97, sendo irrelevante o fato de ter sido publicada após o julgamento do RE 718.874/RS. É certo que, nos Embargos de Declaração no RE 781.874/RS, o STF negou efeitos à Resolução no que toca aos incisos I e II do artigo 25 da Lei 8.212/91, entendendo que o Senado – ao retirá-los do mundo jurídico – teria ido além da decisão da Corte, que os declarara inconstitucionais sem redução de texto.

Contudo, o Ministro Dias Toffoli não registrou voto escrito nos declaratórios, não tendo analisado de forma expressa a tese – ora sustentada – de que, ainda que se entenda que a Resolução atingiu os incisos apenas no que aludiam ao empregador rural pessoa física (mantendo-os íntegros para o segurado especial), isso bastaria para vedar o seu aproveitamento para reinstituir o Funrural precisamente contra aquele contribuinte. Noutras palavras: o texto dos incisos I e II subsistiu, mas o STF vedou e o Senado proscreveu a sua aplicação ao empregador rural pessoa física. E tal vedação merece respeito, sob pena de desprestígio à Corte e à Câmara Alta.

Outra regra idêntica poderia ter sido editada (e o foi em 2018, como se verá logo mais), mas não cabe aproveitar contra o empregador rural pessoa física incisos que se lhe declararam inaplicáveis. E disso há precedente no STF. Trata-se do RE 150.764/PE, que versou a constitucionalidade do Finsocial. Instituído pelo Decreto-lei 1.940/82, o tributo foi definido pelo STF, na ordem constitucional anterior, como imposto residual da União (RE 173.778/RS). Embora não pudesse ser recepcionado pela Constituição de 1988 – que exige dos impostos residuais que tenham base de cálculo diversa das dos impostos –, foi mantido pelo artigo 56 do ADCT “até que a lei disponha sobre o artigo 195, I”.

O artigo 9º da Lei 7.689/88, em lugar de instituir a contribuição sobre a folha de salários (fato gerador, base de cálculo e alíquota), limitou-se a determinar que “ficam mantidas” – agora com pretenso apoio no artigo 195, inciso I, da Carta – “as contribuições (…) e a de que trata o Decreto-Lei nº 1.940, de 25 de maio de 1982, e alterações posteriores, incidente sobre o faturamento das empresas”.

O paradoxo era gritante: a vigência extraordinária do Decreto-lei 1.940/82 duraria até a primeira manifestação do legislador quanto à tributação do faturamento, quando o artigo 56 do ADCT deixaria de operar, e a incompatibilidade do diploma com a nova Carta cobraria pleno efeito. Em sua primeira manifestação pós-constitucional, porém, tudo o que o legislador fez foi prorrogar a vigência do decreto-lei que a sua própria iniciativa tornava insubsistente. Veja-se que a edição de nova lei com os mesmos fato gerador, base de cálculo e alíquota do Decreto-lei 1.940/82 – com a diferença única de que se trataria de agora contribuição, e não mais de imposto – seria possível. Mas não a mera alusão a dispositivos que naquele exato instante se tornavam juridicamente inexistentes. Donde a declaração de inconstitucionalidade proferida pelo STF.

Esse o entendimento que se predica seja aplicado também aqui. A ser assim, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade do Funrural para o empregador rural pessoa física perdurarão até a entrada em vigor da Lei 13.606/2018, que alterou o artigo 25, inciso I, e parágrafos 12 e 13, da Lei 8.212/91, sendo o primeiro diploma posterior à EC 20/98 que previu base de cálculo e alíquota para a contribuição ao Funrural. Esses elementos, combinados com a inclusão (até ali estéril), pela Lei 10.256/2001, do empregador rural pessoa física no caput do artigo 25, finalmente se associam para formar quanto a este uma norma impositiva completa.

Em síntese, trata-se de inconstitucionalidade limitada no tempo, que não se estende de forma indefinida para o futuro, mas faz justiça à expectativa que o setor agropecuário sempre teve quanto à inconstitucionalidade do Funrural mesmo após 2001 – expectativa, de resto, nutrida pelo próprio STF, que nos RREE 363.852/MG e 596.177/RS jamais deixou claro que a invalidação dos incisos I e II do artigo 25 da Lei 8.212/91 (na redação das Leis 8.540/92 e 9.528/97) se dera sem redução de texto.

Observe-se, por fim, que esse desfecho não levaria necessariamente a um resultado favorável ao contribuinte no RE 700.922/RS, também suspenso por pedido de vista do Ministro Dias Toffoli, pois neste último caso (Funrural do empregador rural pessoa jurídica) não houve (i) prévia invalidação pelo STF da redação primitiva da lei ou (ii) resolução do Senado Federal – elementos decisivos para a tese aqui sustentada.

 


[1] Entre outros comandos que não interessam aqui.

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    é sócio-fundador do Mauler Advogados, mestre e doutor em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais, membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB e presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Processo Tributário (IDPT).

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