Opinião

TRF-3 fixa tese sobre aplicação de IDPJ em execuções fiscais

Autores

  • Enrico Sarti

    é advogado tributarista pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário e atuante no escritório Rivitti & Dias Advogados.

  • Lucas Araújo Barcellos Pinheiro

    é advogado tributarista pós-graduado em Direito Tributário pela FGV Direito SP atuante no escritório Rivitti & Dias Advogados e associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).

15 de junho de 2021, 15h06

O Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em julgamento do Incidente de Demandas Repetitivas 0017610-97.2016.4.03.00000, ampliou a interpretação atual do Superior Tribunal de Justiça acerca da compatibilidade da Lei das Execuções Fiscais com o Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica (IDPJ), julgando indispensável a instauração do incidente para a comprovação de responsabilidade tributária em execução fiscal em decorrência de confusão patrimonial, dissolução irregular, formação de grupo econômico, abuso de direito, excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato ou ao estatuto, além de inclusão de pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua fato gerador da obrigação principal. O acórdão foi publicado em 20/5/2021, sendo que eventual recurso especial será recebido pelo Superior Tribunal de Justiça sob o rito de recursos repetitivos, conforme os mandamentos o Código de Processo Civil de 2015.

De acordo com Órgão Especial do TRF3, constituído de 18 membros, incluindo o presidente do TRF-3, o vice-presidente, a corregedora-Regional da Justiça Federal da 3ª Região e outros 15 desembargadores federais, haveria compatibilidade entre o IDPJ, novidade trazida pelo CPC em seus artigos 133 a 137, e as execuções fiscais, estas últimas submetidas ao rito especial da Lei 6.830/80, tendo a tese sido fixada nos seguintes termos:

"Não cabe instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica nas hipóteses de redirecionamento da execução fiscal desde que fundada, exclusivamente, em responsabilidade tributária nas hipóteses dos artigos 132, 133, I e II e 134 do Código Tributário Nacional (CTN), sendo o IDPJ indispensável para a comprovação de responsabilidade em decorrência de confusão patrimonial, dissolução irregular, formação de grupo econômico, abuso de direito, excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato ou ao estatuto social (CTN, artigo 135, incisos I, II e III), e para a inclusão das pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, desde que não incluídos na CDA, tudo sem prejuízo do regular andamento da Execução Fiscal em face dos demais coobrigados".

A decisão do TRF-3 foi tomada em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas, sendo necessariamente submetida ao rito de recursos repetitivos no âmbito dos tribunais superiores. O referido aspecto é importante, tendo em vista que o acórdão amplia o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, a 1ª Turma do STJ entende pela compatibilidade da IDPJ apenas com a responsabilidade fundada no artigo 50 do Código Civil, enquanto a 2ª Turma se posiciona pela completa incompatibilidade do incidente em relação à Lei das Execuções Fiscais.

Atualmente, entende-se majoritariamente que a constatação de responsabilidade tributária pela Fazenda Pública, prevista nos artigos 128 a 138 Código Tributário Nacional, permite que a Execução Fiscal seja redirecionada contra os supostos responsáveis a crivo do Juízo. O rito até a publicação do Código de Processo Civil não era controverso: compreendida a suficiência de documentação hábil a comprovar o enquadramento da responsabilidade nas hipóteses previstas no Código Tributário Nacional, o juiz de 1° instância poderia deferir o redirecionamento do feito executivo ao responsável, sem que para isso fosse submetido a qualquer rito específico de constatação da responsabilidade.

O Código de Processo Civil de 2015, buscando compatibilizar a desconsideração da personalidade jurídica prevista no Código Civil com os preceitos constitucionais do contraditório e ampla defesa, introduziu ao ordenamento processual a figura do incidente de desconsideração de personalidade jurídica. Os tribunais passaram a discutir, então, se esse novo incidente seria aplicável à Execução Fiscal, que é submetida ao rito especial da Lei das Execuções Fiscais.

Conforme mencionado, a 1ª Seção do STJ consolidou dois posicionamentos majoritários. A 1ª Turma entende que as alterações trazidas pelo Código de Processo Civil são aplicáveis de forma subsidiária à Lei das Execuções Fiscais, de modo que caberia IDPJ somente nas hipóteses subsidiárias, no caso do artigo 50 do Código Civil. Por outro lado, a 2ª Turma defende não haver compatibilidade entre a Lei de Execuções Fiscais (LEF) e o Código Tributário Nacional, o que se justificaria pelo fato de que a LEF, sendo lei especial, não comportaria, a apresentação de defesa sem prévia garantia do juízo, conforme o seu artigo 16, §1º [1], nem a automática suspensão do processo permitida pelo artigo 134, § 3º, do CPC [2].

O argumento da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), requerente no acórdão julgado, segue a mesma linha do entendimento esposado pela 2ª Turma do STJ, não admitindo a aplicação do IDPJ em execuções fiscais. Nesse sentido, somente através de embargos à execução poderia o suposto responsável tributário se defender em sede de execução fiscal, nos termos do artigo 16, caput, da LEF [3].

 O voto condutor, proferido pelo desembargador federal Wilson Zauhy, inicia com interpretação diversa daquela da 2° Turma do STJ quanto à compatibilidade da Lei das Execuções Fiscais com o IDPJ, argumentando que o artigo 4º, § 2º, da LEF [4], seria claro ao prever que à dívida ativa da Fazenda Pública se aplicam as normas de responsabilidade da lei civil, o que inclui a própria desconsideração da personalidade jurídica, insculpida no artigo 50, do Código Civil. Dessa forma, seria aplicável o IDPJ para a desconsideração da personalidade jurídica no âmbito das execuções fiscais.

Todavia, Zauhy ressalta que essa possibilidade se limitaria aos casos em que o nome do responsável tributário não constar da Certidão de Dívida Ativa (CDA). Isso porque o artigo 4º, inciso V, da LEF [5], permitiria o ajuizamento da execução fiscal diretamente em face do responsável tributário, de modo que, nessa hipótese, presumir-se-ia que o responsável já teria a oportunidade de se defender no processo administrativo, sendo incabível o IDPJ para apurar, novamente, a sua responsabilidade.

Fixada a premissa da compatibilidade entre IDPJ e a LEF, o TRF-3 passou a tratar das hipóteses em que seria aplicável o incidente. Nesse sentido, Zauhy distingue as hipóteses de responsabilização tributária que demandam a comprovação de elemento volitivo, ou mesmo a prática de atos ilícitos, daqueles em que essa comprovação se faz necessária. Em virtude disso, o voto condutor afasta da incidência do IDPJ, o redirecionamento pautado no artigo 134 do CTN, uma vez que, nesse caso, bastaria que fosse demonstrado que o suposto responsável se enquadra nas categorias previstas no dispositivo legal. Não obstante o voto condutor deixe de justificar a não aplicação do IDPJ aos artigos 132 e 133, do CTN, conforme restou fixado na tese, é possível entender que ambos os dispositivos se inserem na mesma situação do artigo 134, do CTN, pois, nesses casos, bastaria que a Fazenda Pública demonstrasse que o responsável 1) é pessoa jurídica que resulte de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra (artigo 132, do CTN); 2) sucedeu o fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional de outra pessoa (artigo 133, do CTN).

Por sua vez, entende o TRF-3 que existem outras hipóteses que permitem a aplicação do IDPJ, uma vez que, nelas, faz-se necessário investigar se houve a prática de atos ilícitos, ou mesmo a existência de dolo. Tratam-se das hipóteses do artigos 124 e 135, do CTN, da dissolução irregular, do artigo 50, do Código Civil (CC), e da formação de grupos econômicos.

Com efeito, o TRF3 levou em consideração a Lei de Liberdade Econômica, que modificou o artigo 50, do CC, foram trazidas definições abrangentes para os termos "confusão patrimonial" e "desvio de finalidade", hipóteses que, se configuradas, ensejam o abuso de personalidade jurídica, o que permite a desconsideração da personalidade jurídica. Nessa toada, o voto condutor conclui que o significado de "desvio de finalidade" inclui as hipóteses de "atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos" (artigo 135, do CTN) e de dissolução irregular. Para Zauhy, não existe diferença ontológica entre o desvio de finalidade e a hipótese do artigo 135, do CTN.

Ademais, considerando a questão referente à solidariedade tributária, prevista no artigo 124, do CTN, e o redirecionamento de execuções fiscais para grupos econômicos, o tribunal ainda decidiu que seria necessária a instauração do IDPJ para que seja averiguado se o grupo econômico examinado incorre em abuso de personalidade jurídica (de acordo com o artigo 50, § 3º, do CC, a mera existência do grupo não enseja o abuso de personalidade jurídica) ou se incorre na hipótese do interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal (artigo 124, do CTN; de acordo com a jurisprudência consolidada do STJ, a formação do grupo econômico não é o suficiente para ensejar o interesse comum, devendo ser demonstrada a prática conjunta do fato gerador).

Sendo assim, o TRF-3 fixou tese que, se confirmada pelo STJ, poderá gerar repercussões importantes para o microssistema das Execuções Fiscais, na medida em que, por ter sido julgado pelo rito das demandas repetitivas, o entendimento deverá ser observado obrigatoriamente por todos os magistrados da Justiça Federal da 3° Região.

Porém, essa questão ainda não está pacificada no âmbito da jurisprudência brasileira, o que apenas deverá ocorrer nos próximos anos, uma vez que, conforme previsão do artigo 987, caput e §§ 1º e 2º, do CPC, o recurso especial interposto em face de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), possui efeito suspensivo, e a decisão proferida pelo STJ deverá ser aplicada em todo o território nacional.

Sobre o posicionamento do TRF-3, entendemos ter havido um avanço no reconhecimento das alterações promovidas pelo Código de Processo Civil ao reconhecer a compatibilidade entre o IDPJ e a LEF. Afinal, conforme o artigo 134, caput, do CPC [6], o IDPJ é cabível na execução fundada em título extrajudicial. Dentre as espécies de título executivo extrajudicial, se destaca a "a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei", conforme disposto no artigo 784, inciso IX, do CPC, o que mostra a compatibilidade entre o IDPJ e a LEF.

Além disso, o entendimento no sentido da indispensabilidade de instauração do incidente de desconsideração de personalidade nos casos de responsabilidade tributária consagra o respeito aos preceitos constitucionais de ampla defesa e contraditório consagrados pelo Novo Código Civil. Por esse motivo, acreditamos se tratar de um importante passo iniciado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, podendo tal decisão irradiar efeitos para a jurisprudência em âmbito nacional.


[1] artigo 16. (…) §1º – Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução.

[2] artigo 134. (…) §3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do §2º.

[3] artigo 16. O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias, contados: (…)

[4] artigo 4º. (…) §2º – À Dívida Ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial.

[5] artigo 4º. A execução fiscal poderá ser promovida contra: (…) V – o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado (…).

[6] artigo 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

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