Opinião

Entre o virtual, o real e o óbvio: desafios no Plenário virtual extraordinário

Autores

  • Daniel A. Vila-Nova G.

    é doutor em Ciência Política (ICHF/UFF); mestre em Direito Estado e Constituição (FD/UnB); professor voluntário da FD/UnB; professor do IDP/DF; advogado. Autor da obra #Supremologia (O Supremo Tribunal Federal nas Encruzilhadas da Política & do Direito) pela Editora Amanuense.

  • Aderruan Tavares

    é mestrando em Constituição e Democracia pela Universidade de Brasília (UnB) com intercâmbio na Universidade de Bolonha (UniBo) especialista em Direito Constitucional pela EDB/IDP e assessor Especial da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

15 de junho de 2021, 13h06

Não faz muito tempo, chegou-se a cogitar um intensivo processo de "monocratização" dos tribunais em geral. Partindo-se da perspectiva da "Supremocracia", a qual, inclusive, foi relativizada por Oscar Vilhena Vieira cerca de uma década depois, Diego Arguelhes e Leandro Ribeiro aventam a instigante hipótese da "ministrocracia".

Seria essa uma nova realidade decisória da chamada "virada institucional" a respeito dos colegiados judiciais no Brasil? Ou há espaço para outras interpretações?

Este artigo de opinião, em coautoria, tem com propósito central pontuar aparentes oportunidades que o "virtual" pode oferecer no âmbito do processo deliberativo de dois órgãos centrais, a saber: 1) o Supremo Tribunal Federal, no âmbito jurisdicional; e 2) o Conselho Nacional de Justiça — na esfera correicional e de padronização da administração do Judiciário brasileiro.

Em primeiro lugar, deve-se levar a sério a "Arquitetura Constitucional" de que o Supremo é um tribunal (ou seja, um órgão colegiado). De igual modo, o CNJ é formado por um coletivo de Conselheiros. É necessária, portanto, uma reflexão acerca da hipótese da "ministrocracia" (ou, quiçá, até mesmo de uma "Conselheirocracia"). Tal proposta reflexiva se impõe, primeiramente, porque ela promove uma espécie de metonímia institucional (tomam-se as "partes", os juízos monocráticos, pelo todo, a complexidade deliberativa e decisória desses órgãos coletivos). Em segundo lugar, porque, conforme pretendemos suscitar adiante, as recentes inovações regimentais em ambos os órgãos promoveram modificações naquilo que, recentemente, nomeou-se de "Engenharia Institucional" do Tribunal e do Conselho.

O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RI/STF), no artigo 21-B, § 4º, passou a dispor, a partir de 18/3/2020 [1], que, excepcionalmente, "o presidente do Supremo Tribunal Federal e os presidentes das Turmas poderão convocar sessão virtual extraordinária, com prazos fixados no respectivo ato convocatório" (redação conferida pela Emenda Regimental 53/2020). Esse engenho institucional foi justificado pela Corte como uma medida extraordinária apta a adaptar a dinâmica deliberativa e decisória do Supremo ao contexto sanitário da pandemia do "novo Coronavírus" (Covid-19).

Em toada similar, a Resolução CNJ 312 [2], de 19/3/2020, alterou o Regimento Interno para acrescentar o artigo 118-B, de modo a ampliar as hipóteses de julgamento por meio eletrônico. Nos considerandos da Resolução CNJ 312/2020, está expressa "a necessidade de se conferir maior agilidade às reuniões plenárias do Conselho Nacional de Justiça, para fazer frente a situações de emergência, de calamidade pública ou de manifesta excepcionalidade".

A propósito, desde a edição da Resolução CNJ 312/2020, já foram feitas 62 sessões virtuais extraordinárias. Em sua maioria, sessões colegiadas com 24 horas de duração e específicas para a resolução de questões envolvendo a aplicação, pelos tribunais, das Resoluções CNJ 313/2020, 314/2020, 318/2020 e 322/2020. Esses atos normativos regulam o regime de plantão judiciário extraordinário, com o fim de uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários, assim como prevenir o contágio nas dependências do Poder Judiciário, e, ademais, garantir o acesso à justiça no período emergencial provocado pela Covid-19.

Essa realidade institucional emergente vai em sentido oposto à suposição da "ministrocracia". Embora ainda se percebam, aqui e acolá, os efeitos e as assimetrias da ausência de supervisão institucional e/ou colegiada de julgados monocráticos, a sugestão de que o centro de gravidade decisória da Corte teria se invertido, de maneira irreversível, nos parece problemática. Nesse particular, frisamos, para casos que recebem maior destaque e atenção da opinião pública e especializada, seja por sua urgência (a premissa desses colegiados virtuais extraordinários), seja por sua relevância na esfera pública.

Na última semana, por exemplo, nos pareceu emblemático o uso pelo Supremo do engenho do Plenário virtual extraordinário para apreciar o mérito da realização, ou não, da Copa América de Futebol no Brasil, de 11 de junho a 10 de julho. Na Arguição de Descumprimento Fundamental (ADPF) 756, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski; assim como na ADPF 849 e no Mandado de Segurança 37.933, ambos da relatoria da Ministra Carmen Lúcia, postulou-se ao STF a imposição de restrições ao governo federal, quanto à realização do mencionado evento esportivo em razão da pandemia.

Independentemente do mérito constitucional do debate e do fato que o Brasil segue como um dos três principais vetores de disseminação da doença, com cerca de meio milhão de perdas humanas, essa tentativa de judicialização da política é ponto de partida — um sintoma; e não um diagnóstico da nossa análise.

A institucionalização do Plenário virtual extraordinário, especificamente para lidar com causas que envolvam conflitos sensíveis ligados à pandemia, corresponde a iniciativa institucional e tecnológica que permite a apreciação colegiada, célere e hábil de questões urgentes e relevantes. A medida parece louvável porque, sem abrir mão de uma maior eficiência decisória das Cortes, assegura e reforça o caráter colegiado — em oposição às tendências e aos incentivos à monocratização.

A excepcionalidade da conjuntura pandêmica, contudo, não deve ser a única referência para que essa inovação institucional siga a ser implementada. A sinalização de uma mensagem definitiva desses e de outros colegiados judiciais no Brasil não só pode, como é útil que deva ser transmitida à sociedade e aos poderes constituídos.

E mais: esperamos que novos arranjos e engenhos institucionais e deliberativos sejam desenvolvidos para a ampliação dos níveis de reflexividade e de diálogo, nos colegiados, para a produção mais abrangente de precedentes. O desafio é imenso, mas com a atenção dos coletivos da pesquisa e da comunidade jurídica, pode se tornar um pouco mais tangível enquanto uma prática institucional que restitua, aos colegiados, os potenciais de suas missões constitucionais e administrativas.

É certo que a sistemática do Plenário virtual, em qualquer de suas modalidades, é passível de aperfeiçoamento, e assim deve ser procedido como demanda não só institucional, mas também social. Mas não nos esqueçamos de que tal ferramenta, aliada à virtualização dos processos e à realização de audiências por videoconferência (apenas para citar alguns exemplos), foi o que permitiu que o Poder Judiciário continuasse a minimamente prestar sua jurisdição e evitou a total paralisação dos serviços judiciários, durante o período da pandemia.

Mesmo depois do período da pandemia, pensamos que a experiência do Plenário virtual é válida e deve seguir sendo mais uma alternativa de resolução de causas que podem ser resolvidas de forma mais célere, mas, sobretudo, de modo coletivo (e não necessariamente individual). Ademais, é um importante engenho institucional para desestimular o uso de decisões monocráticas para os casos mais urgentes e relevantes. Mais do que mera petição de princípio, o fomento à colegialidade nos parece como iniciativa que suscita, ao menos em tese, maior reflexividade e possibilidade de controle sobre a forma de manifestação da aludida "carga decisória" das cortes, em geral.

Para fazer uma homenagem ao decano, o ministro Marco Aurélio Mello, prestes a se aposentar, os tempos seguem "estranhos": "a César o que é de César". Que a possibilidade da divergência e da existência de votos vencidos (ainda que isolados) sirvam de mote para que, a partir do "virtual" nos reencontremos com o "real" e com o "óbvio": "mais cabeças pensam melhor do que uma".

Autores

  • Brave

    é advogado e doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense, com Tese de Doutorado intitulada "Supremologia: o STF nas encruzilhadas do Direito & da Política no Brasil" e mestre em Direito, Estado & Constituição pela Universidade de Brasília.

  • Brave

    é mestrando em Constituição e Democracia pela Universidade de Brasília (UnB), com intercâmbio na Universidade de Bolonha (UniBo), especialista em Direito Constitucional pela EDB/IDP e assessor Especial da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

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