Opinião

Efeitos patrimoniais da união estável

Autor

  • Georghia de Oliveira Costa

    é advogada no escritório André Elali Advogados pós-graduanda pela FGV/São Paulo especialista em Direito Privado e Direito de Família e Sucessões mediadora com expertise em negociações corporativas pós-graduada em Direito pela UFRN.

14 de junho de 2021, 16h09

A união estável é vista pelo Direito como uma situação de fato, o que significa dizer que, embora não possua documento formal identificando o começo, meio e fim do relacionamento, com a respectiva previsão dos deveres, direitos e formas de comunicação patrimonial, ainda assim a união poderá ser reconhecida para todos os fins de direito.

É interessante notar também que, ainda que haja um contrato entre as partes prevendo que a relação existente entre o casal não se trata de união estável (como no caso de celebração de um "contrato de namoro"), se o caso for levado a juízo, e em sendo provada a existência de "convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família" [1], haverá o reconhecimento da união e consecução dos efeitos jurídicos pertinentes, como partilha de bens e direitos hereditários.

A regra legal a respeito da comunicação patrimonial na união estável é a de que, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se o regime da comunhão parcial de bens [2]. Exceção existe nos casos previstos em lei, valendo ressaltar, para os fins previstos neste artigo, a hipótese de pessoa separada de fato ou divorciada, quando ainda não tiver havido a partilha de bens com o cônjuge anterior. Nesta hipótese, aplica-se por analogia a causa suspensiva prevista para o casamento, devendo-se adotar o regime de separação legal de bens. O Superior Tribunal de Justiça manifestou-se recentemente a esse respeito, afirmando a necessidade de prova do esforço comum para viabilizar a partilha de bens quando pendente a decisão sobre a partilha do casamento anterior de um dos conviventes [3].

Outra exceção legal relevante para o regime de comunhão parcial de bens na união estável é a idade dos conviventes. Caso apenas um deles seja maior de 70 anos quando do início da união, por analogia às regras aplicadas ao casamento, também se reputa obrigatória a separação patrimonial. Contudo, mesmo nesta situação, pode-se optar pela celebração de um contrato de convivência em que se regulamente a separação convencional dos bens, com as regras e estipulações que reputarem necessárias.

Sendo a união estável um instituto largamente utilizado no país a título de constituição familiar, a sua regulamentação entre o casal se torna de extrema importância, pois a interpretação posterior e a destempo, em juízo, pode trazer prejuízos a um ou aos dois conviventes, bem como em desfavor de eventuais herdeiros, inclusive quando existem filhos unilaterais e a relação acaba por falecimento, e não por separação.

Logo, a falta de clareza na relação conjugal pode reverberar sérios problemas para as gerações futuras. Conflitos que poderiam ser evitados com a regulamentação prévia e o alinhamento de expectativas familiares.

Vejamos, então, três razões para se celebrar contrato de convivência entre o casal.

Clareza e previsibilidade
 Diante da possibilidade de previsão em contrato escrito, o casal pode prever livremente a forma comunicação patrimonial durante a união, levando-se em consideração a situação atual e/ou pretérita de cada um, como idade, existência ou não de filhos unilaterais, riscos negociais que envolvam possibilidade de perda de patrimônio, dentre outras situações.

Dessa forma, o casal pode prever, por exemplo, a distribuição do patrimônio adquirido em conjunto de modo não simétrico: 20% para um, 80% para o outro, ou qualquer outra proporção que os conviventes considerarem válida, convenção que pode se basear no patrimônio pretérito, ou em outras motivações.

A previsibilidade, mediante a celebração de um contrato de convivência, é extremamente superior, pois é possível precisar a data de início da relação [4], os bens específicos que não se quer incluir na comunicação patrimonial, bem como prever critérios objetivos para o caso de dissolução da união estável.

Embora pouco explorada, é de grande valia esta última possibilidade, pois, sendo a dissolução por separação ou por óbito, o estabelecimento anterior da forma de divisão do patrimônio economizará muito tempo, recursos e estresse advindo de um regime de condomínio forçado de todos os bens entre o ex-casal, ou, entre o(a) companheiro(a) sobrevivente e os seus herdeiros, sócios e credores.

Segurança jurídica em relação ao patrimônio pessoal e de terceiros
 Imagine-se a seguinte situação exemplificativa: um casal que já passou uniões anteriores, ambos com filhos menores de outros relacionamentos, em que a mulher é sócia em empresa de sua família de origem. Suponha-se que esta empresa triplique de tamanho durante a constância da união estável. Havendo óbito do companheiro, os filhos deste herdarão o equivalente a metade das quotas da companheira na empresa da família dela, pois, na inexistência de previsão em contrário, a comunicação patrimonial abrange todos os bens igualmente.

Ainda, vale lembrar que se os filhos são menores, até mesmo um acordo é burocrático e oneroso, pois envolve o parecer do Ministério Público, o julgo da Justiça e o juízo de valor do guardião das crianças.

Neste breve exemplo já é possível perceber quantos transtornos a celebração de um contrato de convivência poderia evitar, pois, finalizando o ponto com o mesmo exemplo, o casal poderia ter previsto que não haveria comunicação patrimonial em relação à empresa, assim como poderiam ter criado critérios prévios de partilha de forma específica (quotas de determinada empresa, aplicações, casa de praia) ou de forma genérica (imóveis alugados para um, imóveis ociosos para o outro), a depender de suas necessidades e prioridades específicas.

Agilidade
 Fatalmente, qualquer união matrimonial será extinta, seja pela separação ou pelo óbito. Sendo assim, o meio de resolução da partilha, caso envolva menores ou curatelados, ou, inexistindo acordo entre os envolvidos, será o processo judicial.

O tempo médio de acervo de um processo judicial no 1° grau da Justiça Estadual Brasileira, conforme relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2020 [5], é de sete anos, isto, é claro, excluindo-se eventuais recursos e complexidades inerentes a um patrimônio mais robusto envolvendo imóveis, empresas, ações e outros ativos. Então, neste intervalo, além do desgaste, dos custos de transação com advogados, contadores e administradores, é alta a probabilidade de se perder o fluxo de sucesso na administração do negócio que garantiu o acúmulo de capital [6].

Dessa forma, a previsão antecipada dos critérios de partilha, a exclusão de bens (quando for o caso), a precisão dos percentuais, além da previsão do regime em consonância com o planejamento patrimonial que se tenha feito ou se deseje concretizar, são fatores que podem ser previstos no contrato de convivência e poderão conferir agilidade e segurança em momentos indesejados como a separação ou luto pela perda do parceiro(a) de vida.

Assim, a previsão e o mínimo planejamento da vida a dois são fatores que permitem ao casal mais tranquilidade para se concentrar na parceria de vida, deixando de lado preocupações burocráticas que já foram regulamentadas por um contrato devidamente celebrado entre os companheiros.


[1] Artigo 1.729, Código Civil.

[2] Artigo 1.725, Código Civil.

[3] CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS. CAUSA SUSPENSIVA DO CASAMENTO PREVISTA NO INCISO III DO ART. 1.523 DO CC/02. APLICAÇÃO À UNIÃO ESTÁVEL. POSSIBILIDADE. REGIME DA SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PRESSUPOSTO PARA A PARTILHA. PRECEDENTE DA SEGUNDA SEÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. […] (STJ – REsp: 1616207 RJ 2016/0082547-0, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 17/11/2020, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/11/2020)

[4] Sendo a união estável uma situação de fato, o caso concreto pode trazer uma data anterior ao que fora previsto em contrato. Contudo, a parte que tentar alegar informação divergente ao contrato terá o ônus de comprovar a sua versão dos fatos.

[5] Relatório "JUSTIÇA EM NÚMEROS 2020" – Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – Visualizado em 21/04/2021 – Disponível em: < https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf >

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