Opinião

Recuperação judicial de associações e clubes de futebol é uma boa saída?

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13 de junho de 2021, 6h02

É cada vez maior o número de pedidos de recuperações judiciais de associações e outras entidades sem fins lucrativos, como clubes de futebol.

No entanto, será que esse é o melhor caminho do ponto de vista social, econômico e processual para solucionar a crise financeira desses entes?

Sob a ótica processual, tal pretensão, em tese, encontraria um instransponível obstáculo no artigo introdutório da Lei de Recuperações Judiciais e Falência, que arrola como destinatários desse regramento legal a sociedade empresária e o empresário [1].

A partir daí, operadores do direito se dividem em duas teses diametralmente opostas. Uma posição adota a literalidade e entende que o texto legal expressou exatamente sua vontade no artigo 1º da Lei 11.101/2005 acima citado, optando por não incluir associações e outras figuras semelhantes na abrangência da lei, rol esse que, é bom que se diga, se manteve incólume na alteração mais recente da referida lei aprovada no final de 2020 e vigente desde janeiro de 2021, mesmo com tal debate já aquecido e presente em nossos tribunais.

Além disso, essa linha procura sustentação na ausência de busca do lucro e sua distribuição entre cotistas, o que, de igual modo, colocaria associações e congêneres fora do que pretendeu o legislador.

De outro lado, justificando o cabimento de submissão às pessoas jurídicas sem finalidade lucrativa à Recuperação Judicial, uma linha mais flexível adota a relevância social, geração de empregos e que, muitas delas em razão de seu tamanho e complexidade, desempenha atividade empresária nos termos exigidos pelo Código Civil, mesmo não possuindo registro empresarial [2].

Entre os casos de sucesso dessa tese e que ganharam relevância no noticiário, ao menos no que se refere ao deferimento do processamento da recuperação judicial, destaco os do Grupo Metodista (RS), Universidade Cândido Mendes (RJ), Hospital Casa de Portugal (RJ) e, mais recentemente, o acolhimento do pedido do Figueirense Futebol Clube de Santa Catarina.

Para além desse debate e seguindo a provocação inicialmente aqui apresentada, acredito que é necessário indagar se de fato vale a pena insistir no uso dessa ferramenta para superar uma crise financeira, na medida em que apenas 20% das empresas que seguem esse caminho conseguem, de fato, a recuperação [3].

Ademais, como uma pedra lançada num lago, os efeitos de tais pedidos terão radiações para além do processo em si. Caso a admissibilidade seja consolidada pela jurisprudência, o crédito concedido às associações e clubes de futebol passará por uma análise mais rigorosa, eis que as instituições financeiras passarão a considerar a possibilidade de uma recuperação de judicial, que poderá resultar em alterações nas condições originalmente contratadas para o pagamento de seus créditos, como deságios e carência. Esse fato, que há pouco sequer era cogitado, traz incerteza e insegurança jurídica, consequentemente encarecendo o crédito.

Outro reflexo indesejado surgiria a partir do momento em que, ao buscar a equiparação de suas atividades às empresariais de fato, associações sem fins lucrativos poderiam se tornar alvo de cobranças de tributos que até então não lhes eram aplicáveis, além de abrir a janela para pedidos de desconsideração de suas personalidades jurídicas com o objetivo de atingir o patrimônio dos seus associados e dirigentes.

Cabe destacar, ainda no âmbito fiscal, que tanto as associações como os clubes de futebol, desde seu nascedouro, não são afetados com alguns tributos que oneram as sociedades empresárias, tais como impostos sobre a renda, patrimônio e serviços, ou mesmo as previdenciárias e as incidentes na folha de pagamento.

Ou seja, eles sequer estão em igualdade de condições com os demais tipos empresariais com os quais pretendem se ver equiparados. Para exemplificar: estima-se que os clubes de futebol destinam aproximadamente 8% de sua receita para pagamentos de impostos, ao passo que a média estimada para empresas é de até 35% do faturamento.

Em razão disso, o Projeto de Lei 5.082/2016, que regulamenta a transformação de clubes de futebol em empresas (Sociedade Anônima do Futebol), foi alvo de muitas críticas pelos dirigentes dessas entidades, os chamados cartolas, haja vista que aumentaria sobremaneira sua carga tributária.

Assim, após algumas modificações no texto, o projeto de lei que foi aprovado no Congresso e enviado ao Senado prevê a possibilidade do clube aderir a um regime especial de apuração de tributos federais, o "Re-Fut", de modo que destinariam 5% da receita mensal ao pagamento de Imposto de Renda, Programa Integração Social (PIS), Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) e outros.

Porém, no último dia 7/6 o senador Paulo Paim (PT) apresentou emenda ao projeto de lei justamente para majorar a fatia mensal do faturamento para 15%, justamente por entender que elas devem ser equiparadas às demais empresas, haja vista que, optando por se tornarem Sistema Administrativo Fiscal (SAF), visarão o lucro, não se justificando um percentual mensal semelhante ao aplicado às microempresas.

Em outra emenda, o mesmo senador se insurgiu com relação a um controverso artigo 3º do mencionado projeto de lei que eximia a Sociedade Anônima do Futebol quanto ao cumprimento das obrigações anteriores ou posteriores da transformação, ou seja, a SAF ficaria com os ônus relacionados à aquisição da marca e patrimônio do clube de futebol, a despeito do pagamento de débitos, os quais, como dito, em grande parte estão relacionados com dívidas fiscais que deixariam de irrigar os cofres públicos.

O que se extrai do exemplo acima é que se trata de um caminho tortuoso e com consequências que podem ser desastrosas caso os passos para transformação de clubes em empresa e a subsunção deles e das sociedades sem fins lucrativos à Lei de Recuperação Judicial não sejam bem discutidos e pensados, sob pena de apenas reforçar que se trata de um prêmio aos maus gestores em prejuízo dos regulares pagadores de impostos.

Vejam que os casos das cooperativas, que de igual modo não almejam o lucro, encontram expressa vedação legal para adentrar aos ritos da recuperação judicial em sua modalidade de crédito e, a despeito da inexistência de legislação eficiente para protegê-las quando se encontram em situação de calamidade administrativa, estão engendrando esforços para criar sua própria e moderna lei para enfrentar essa situação [4][5]. Trata-se de uma tentativa de preservar o modelo cooperativista como um tipo próprio, haja vista sua forma heterodoxa e peculiar, que não se adapta à legislação aplicável às sociedades empresárias.

A importância e o impacto social que associações e clubes de futebol exercem na sociedade é inegável, como demonstram alguns dos exemplos citados acima. A despeito disso, elas não encontram, neste momento, soluções legais adequadas para estancar crises econômicas e financeiras.

Permanecendo o atual cenário, estaremos fadados a presenciar longas disputas judiciais que buscarão adaptar a lei de falências e recuperação de empresas para situações que nela não foram previstas apenas para postergar ou inadimplir suas obrigações, o que pode prejudicar o modelo associativo como um todo, além de não existir um horizonte de certeza de retorno delas de forma saudável pela via da recuperação judicial.


[1] artigo 1º Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.

[2] artigo 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

 artigo 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.

[4] artigo 2º Esta Lei não se aplica a:

(…)

II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.

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