Plano de gestão

"Supremo tem trabalhado muito para ser uma corte 100% digital", diz Fux

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13 de junho de 2021, 7h52

O Supremo Tribunal Federal tem empenhado esforços para resolver antigos problemas, como o excesso de decisões monocráticas e de pedidos de vistas que não obedecem a prazo. Em paralelo, também tem trabalhado muito para se modernizar e se transformar em uma corte 100% digital.

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Essa é a principal meta do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, no comando da corte constitucional do país e do Conselho Nacional de Justiça desde setembro de 2020. Em seu longo discurso de posse, listou a governança, a eficiência, a inovação tecnológica e a transparência como vetores estratégicos da sua gestão.

Passados nove meses de seu mandato, em entrevista para a edição 2021 do Anuário da Justiça Brasil, com lançamento no dia 29 de junho, a partir das 10h30, pelo canal da ConJur no YouTube, Fux avalia que julgar muito como o Supremo o faz não significa necessariamente julgar bem.

O ministro tem a intenção de reposicionar o Supremo para que seja uma corte eminentemente constitucional. "É preciso acabar com a cultura de se enxergar o Supremo Tribunal Federal como a quarta instância do Judiciário. O nosso tribunal caminha para se tornar uma corte eminentemente constitucional, com a missão de pacificar temas relevantes para a cultura política do país, a higidez da democracia e das instituições, além dos conflitos morais e sociais complexos."

O presidente do STF também quer atacar um velho problema nem tão simples de resolver: visa a reduzir a monocratização do tribunal, ou seja, o excesso de decisões individuais dos ministros. "Ainda precisamos reduzir mais a monocratização das decisões do STF. A Suprema Corte vai visitar esse tema em breve, pois já temos a questão posta em propostas de emendas regimentais", conta.

Conseguiu aprovar, com um mês de mandato, que as ações penais ajuizadas contra réus com prerrogativa de foro por função voltem a ser processadas e julgadas pelo Plenário. "A mudança regimental insere-se num conjunto de medidas para institucionalizar o tribunal, reduzindo, sempre que possível, a sua fragmentação deliberativa e fomentando respostas advindas do colegiado em sua feição completa. Não é eficiente um Supremo na 1ª Turma, outro na 2ª Turma e um terceiro representado pelo Plenário", comenta.

Leia os principais trechos da entrevista:

ConJur — O senhor completou dez anos na corte. Há dez anos o acervo da corte era de 90 mil processos. Hoje está em apenas 26 mil. Como explicar essa extraordinária redução apesar de uma distribuição constante e bem alta? Quais as mudanças que notou e a evolução do tribunal nesta década?
Fux — Nos últimos dez anos, a sociedade vivenciou considerável evolução tecnológica. Muitos procedimentos adotados quando cheguei ao Supremo foram substituídos por métodos mais ágeis. A automação agilizou os fluxos de trabalho internos. Mecanismos de inteligência têm ajudado na pesquisa de jurisprudência e nas buscas de precedentes. Além disso, foi instituído o Plenário Virtual, que deu mais celeridade aos julgamentos. Com o início da pandemia, houve um aumento de casos aptos a serem julgados no plenário virtual, o que deu ainda mais movimento e reduziu consideravelmente o acervo. Paralelamente, os ministros e suas equipes têm demonstrado um esforço hercúleo para julgarmos mais processos do que os ajuizamentos, reduzindo-se o acervo.

ConJur —  Quais serão seus planos e prioridades para este segundo ano na gestão à frente do STF?
Fux — O segundo ano consolida os inúmeros projetos disruptivos que iniciamos em nossa gestão. Caminhamos para nos tornarmos a primeira Corte Constitucional 100% Digital do planeta, com oferecimento online de todos os nossos serviços judiciários. Os técnicos de diferentes expertises do nosso laboratório InovaSTF têm trabalhado diuturnamente para oferecermos ferramentas gerenciais aos gabinetes e para incrementarmos a experiência dos usuários internos e externos em nossos sistemas processuais. Em breve, teremos um novo sistema para o Plenário Virtual, mais intuitivo e célere. Além disso, implementaremos o MJE (Módulo de Jurisdição Extraordinária), que revolucionará o gerenciamento de precedentes e permitirá ao STF monitorar ondas de litigiosidade em todo o país. Não podemos nos esquecer de mencionar os avanços com a internacionalização da corte, mediante a implementação da Agenda 2030 da ONU, cooperação com institutos de pesquisa internacionais e lançamento de compilações contendo a nossa jurisprudência traduzida em língua estrangeira. Por fim, no campo deliberativo, avançaremos na desmonocratização do tribunal, privilegiando, ainda, pautas que ajudem o país na retomada econômica e na concretização de direitos fundamentais.

ConJur — O que achou das inovações no Plenário Virtual? Houve celeridade nos julgamentos, mas muitos criticaram que questões sensíveis não foram devidamente debatidas.
Fux — O Plenário Virtual consistiu numa das principais transformações do Supremo na última década, proporcionando celeridade nos julgamentos e permitindo que o Plenário presencial se debruce sobre casos mais complexos, de maior relevância nacional. Ano a ano, o tribunal tem aperfeiçoado o virtual, que atualmente permite aos advogados apresentar sustentações orais e questões de fatos, bem como acompanhar, em tempo real, a inserção dos votos pelos ministros. Por sua vez, os ministros têm maior liberdade na inserção de listas para julgamento e qualquer um deles pode, inclusive, pedir destaque de um caso para deliberação presencial. No entanto, percebo alguns desafios a serem vencidos, especialmente com vistas a fomentar o ambiente deliberativo, reduzir a fragmentação e a dispersão de votos, e proporcionar aos advogados e partes uma experiência mais confortável. Nenhum desses desafios elimina as virtudes do Plenário Virtual. Estamos sempre atentos às manifestações dos advogados e das partes com o intuito de aperfeiçoar esse sistema.

ConJur — A produtividade aumentou com o home office? Que cenário o ministro traça para o pós-pandemia?
Fux — No STF, desde o início da pandemia, 80% dos servidores passaram para o trabalho remoto. Durante a pandemia, esse percentual foi aumentando e chegamos a 90% da força de trabalho executando suas tarefas de casa, para que todos pudessem permanecer em segurança. O pós-pandemia avança para um modelo híbrido, além de maior celeridade no atendimento com o uso de videoconferências por parte dos magistrados e servidores. Uma parceria inédita que o STF estabeleceu com a Escola de Governo da Universidade de Oxford tem nos ajudado a definir os standards do modelo híbrido de trabalho que implementaremos.

ConJur — Como juiz de carreira que já passou pelas quatro instâncias, acredita que a modalidade de teletrabalho deve ser adotada em todo o Judiciário mesmo com o fim da epidemia?
Fux — A grande verdade é que estamos vivendo um cenário nunca antes imaginado. E, ao mesmo tempo, muitos se perguntam o porquê de termos demorado tanto para colocar a tecnologia a favor da celeridade na prestação jurisdicional. A pandemia mostrou que Suprema Corte funciona, e muito bem, com seus servidores e colaboradores em teletrabalho. Isso mostra que todo o Poder Judiciário pode fazer o mesmo. O professor Richard Susskind, da Universidade de Oxford, escreveu, em seu livro OnLine Courts, que no futuro os tribunais deixarão de ser espaços físicos para se tornarem serviços online. Como temos vivenciado, o futuro chegou.

ConJur — O senhor critica o fato de o Legislativo muitas vezes se omitir e, com isso, sobrar para o Judiciário. Como vê esse protagonismo do Judiciário nesse momento de crise?
Fux — O Judiciário tem sido chamado a agir e tem respondido a tempo e modo, no âmbito de suas competências constitucionais. Na minha visão, há excessos no acionamento do Judiciário pelo próprio Legislativo, que ocasionalmente acusa o Supremo de interferência. Tenho defendido que o STF deve, sempre que possível, reanimar o processo político, devolvendo aos agentes políticos, com os incentivos devidos de atuação, diversos conflitos que chegam prematuramente ao Judiciário. Esse comportamento estimularia os demais Poderes a, cada vez mais, resolverem interna corporis as suas questões políticas, acionando menos o Poder Judiciário.

ConJur — Em 2020, a quantidade de decisões monocráticas caiu em relação a 2019. Já as decisões colegiadas aumentaram, chegando ao patamar de mais de 18 mil. Isso se deve ao Plenário Virtual?
Fux — O incremento das funções do Plenário Virtual foi essencial para este cenário porque permite mais julgamentos colegiados do que seriam possíveis com apenas duas sessões semanais. Mas acredito que ainda precisamos reduzir mais a monocratização das decisões do STF. A Suprema Corte vai visitar esse tema em breve, pois já temos a questão posta em propostas de emendas regimentais.

ConJur — Um de seus objetivos é reduzir ainda mais o acervo do STF, e receber cada vez mais processos qualificados que permitem uma discussão mais aprofundada. A taxa de provimento de recursos no STF está hoje em 3,8%, o que significa dizer que 96% dos recursos são julgados improcedentes, seja em análise preliminar ou no mérito. Como explicar esse dado do tribunal?
Fux — O Supremo recebe todos os pedidos, mas a maioria não deveria ter chegado. São questões infraconstitucionais e temas que não dispõem de repercussão geral, por exemplo. Ainda assim, precisamos de mais filtros. Somos a Suprema Corte que mais julga no mundo e devemos ter mecanismos que tornem o Supremo brasileiro, cada vez mais, uma corte eminentemente constitucional. Com esse intuito, criamos em nossa gestão a Secretaria de Gestão de Precedentes, que, entre outras funções, desenvolve um trabalho de inteligência, monitorando a construção dos precedentes pelo STF e a sua consequente aplicação pelos tribunais locais. Além disso, gerencia o nosso sistema de repercussão geral, acompanhando as ondas de litigiosidade em todo o país e antevendo os seus impactos no número de ações que chegam à Corte. Com essas medidas, visamos a racionalizar, cada vez mais, as competências do STF.

ConJur — Qual a avaliação do senhor sobre o contencioso tributário nos tribunais? O que fazer para melhorá-lo?
Fux —  O caminho adequado para se reduzir o contencioso tributário perpassa uma reforma na legislação. Acredito que muitos casos que começam na esfera administrativa, por exemplo, nem deveriam chegar ao Judiciário. À Justiça deveria competir apenas a discussão de eventuais teses jurídicas veiculadas da decisão administrativa.

ConJur — Das inovações do CPC, que o senhor ajudou a criar, qual foi a maior das contribuições trazidas por ele?
Fux — Certamente os mecanismos de facilitação para conciliação e arbitragem são grandes contribuições. Precisamos solucionar o excesso de judicialização. Para isso é importante o Judiciário agir para permitir consensos e acordos antes mesmo de o processo ser iniciado. A introdução da cultura dos precedentes íntegros e estáveis contribuiu para privilegiar a segurança jurídica.

ConJur — Os mecanismos de conciliação e arbitragem ajudam a desafogar o sistema judicial?
Fux — Sem dúvida. Esses mecanismos têm sido um fator de contribuição imenso para reduzir o estoque de processos. E, no STF, o recém-criado Centro de Mediação e Conciliação também tem ajudado ainda mais a prestar o serviço jurisdicional. Recentemente, realizamos exitosa conciliação que permitiu a retomada da concessão da Linha Amarela, no Rio de Janeiro. Outro caso relevantíssimo, relacionado a disputas pelo uso da marca entre Apple e Gradiente, encontra-se sob supervisão da ministra aposentada Ellen Gracie. Sob a ótica econômica e pragmática, pacificar um conflito mediante acordo pode trazer muito mais benefícios sociais do que julgar uma causa.

ConJur — O Regimento Interno do STF precisa de atualização?
Fux — O regimento foi alterado recentemente para alterar o prazo de pedidos de vista, que, agora, devem observar o período de até 30 dias após a publicação da ata de julgamentos. O regimento também voltou a prever análise de inquéritos e ações penais em plenário, o que fortalece a instituição, que pode decidir casos controversos a uma só voz. Acredito que ainda precisamos aprovar mudanças regimentais com regras para análise colegiada das decisões individuais tomadas por parte dos ministros.

ConJur — As ações penais ajuizadas contra réus com prerrogativa de foro por função voltaram a ser processadas e julgadas pelo Plenário do Supremo. Por que propôs essa mudança?
Fux — A mudança regimental insere-se num conjunto de medidas para institucionalizar o tribunal, reduzindo, sempre que possível, a sua fragmentação deliberativa e fomentando respostas advindas do colegiado em sua feição completa. A alteração foi aprovada por unanimidade em sessão administrativa e, portanto, não creio ter havido qualquer surpresa com a mudança. Ademais, à luz da Constituição, o Supremo Tribunal Federal é o Plenário. Não é eficiente um na 1ª Turma, outro na 2ª Turma e um terceiro representado pelo Plenário.

ConJur — O senhor assumiu a presidência e no seu discurso reforçou o dever de combate à corrupção. É missão do Judiciário?
Fux — É dever do Judiciário julgar todos os processos conforme as leis e as provas, sempre. O que o Judiciário não pode é ignorar provas e fatos, desde que coletados pelos meios lícitos. Uma das formas de combate à corrupção é a punição exemplar em confronto com a infração cometida.

O combate à corrupção, na minha visão, é uma política de Estado que não pode retroceder. E acredito que grande parte da sociedade tenha acordado para esta luta, que está no dia a dia, nos atos de cada um. Espera-se que a sociedade continue repugnando a corrupção.

ConJur — Há um consenso entre os ministros de se evitar as decisões monocráticas dadas em liminares. Mas como exemplo há a liminar dada pelo senhor para suspender a implantação do juiz das garantias. Até agora o caso não foi levado ao Plenário. Não é o momento de se levar?
Fux — Esse tema está, neste momento, em debate no Congresso. Há uma proposta, no âmbito do novo Código de Processo Penal, que visa a estipular um prazo para a implantação do juiz das garantias. Eu entendo que o Legislativo é o local mais adequado para essa discussão. Por outro lado, no que tange às ações sob minha relatoria, há audiências públicas pendentes, as quais serão agendadas oportunamente.

ConJur — O robô Victor é uma realidade no STF? Como ele trabalha hoje e aonde querem chegar?
Fux — A inteligência artificial do Victor é fruto de uma exitosa parceria entre o Supremo e a Universidade de Brasília [UnB]. Atualmente, o nosso robô atua na Assessoria de Recursos Extraordinários da Presidência do STF, auxiliando os servidores em buscas de julgados e precedentes, com alto grau de acurácia. O alinhamento entre inteligência artificial e inteligência humana, desde que realizado com as devidas cautelas técnicas e éticas, é um caminho frutífero para o Poder Judiciário.

ConJur — Como o tribunal trabalha para racionalizar os recursos chegados à corte? Não é perigoso adotar filtros muito rigorosos?
Fux — Julgar muito não significa necessariamente julgar bem. É preciso acabar com a cultura de se enxergar o Supremo como a quarta instância do Judiciário. O nosso tribunal caminha para se tornar uma corte eminentemente constitucional, com a missão de pacificar temas relevantes para a cultura política do país, entre eles os que versam direitos humanos, a higidez da democracia e das instituições políticas, além dos conflitos morais e sociais complexos.

ConJur — O Supremo julga muitos HCs substitutos de recursos processuais. Qual a avaliação do ministro sobre o cabimento de HCs? A corte precisa estreitar a via?
Fux — Acredito que haja um excesso na utilização dos HCs, principalmente no STF. Claro que considero um instrumento jurídico essencial para a garantia das liberdades e da Constituição, porém a verdade é que os HCs têm um uso alargado na Suprema Corte, utilizado para temas que deveriam ser tratados em recursos próprios. É importante ressaltar que o HC não é meio substitutivo dos recursos.

ConJur — O que o Supremo pode fazer para ajudar a destravar a economia?
Fux — Durante a pandemia, fez muito para não permitir que o país parasse. Dar segurança jurídica em momentos de incerteza é o que faz a economia não travar. Foram analisados mais de 40 casos econômicos e alguns deles emblemáticos: o Supremo afastou as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei 13.898/2019) para combate à Covid-19; suspendeu pagamentos de dívidas estaduais para que os recursos fossem concentrados para a pandemia; suspendeu dispositivo de regra que impedia a fiscalização de auditores do trabalho; suspendeu leis que obrigavam desconto na mensalidade de escola privada; manteve hígidos os certames licitatórios que propiciavam investimentos no Brasil; entre tantos outros. Ao pacificar questões conflituosas, o STF ajuda o Brasil a seguir em busca do desenvolvimento econômico.

ConJur — Que análise o senhor faz do momento atual da Justiça brasileira?
Fux — O Poder Judiciário brasileiro tem aprendido muito e se reinventado neste momento delicado da história mundial. Fico muito orgulhoso de ver como a Justiça não parou e seguiu prestando serviços com a mesma qualidade com a pandemia. Isso mostra uma maturidade e uma evolução muito importantes de todo o quadro de magistrados e servidores.

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