Tribunal do júri

O abandono do Plenário no júri

Autores

  • Rodrigo Faucz Pereira e Silva

    é advogado criminalista habilitado no Tribunal Penal Internacional (em Haia) pós-doutor em Direito (UFPR) doutor pelo Programa Interdisciplinar em Neurociências (UFMG) mestre em Direito (UniBrasil) e coordenador da pós-graduação em Tribunal do Júri do Curso CEI.

  • Daniel Ribeiro Surdi de Avelar

    é juiz de Direito mestre e doutorando em Direitos Fundamentais e Democracia (UniBrasil) professor de Processo Penal (UTP EJUD-PR e Emap) e professor da pós-graduação em Tribunal do Júri do Curso CEI.

12 de junho de 2021, 8h01

Frequentemente acompanhamos notícias de advogados ou promotores de justiça que abandonam o Plenário do Júri no decorrer da sessão. Sempre que tal fato acontece, surgem opiniões e conjecturas de várias sortes, tanto para justificar quanto para condenar a conduta.

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Primeiramente, é necessário fazer uma diferenciação entre abandono de plenário e abandono da causa, eis que não podem ser considerados o mesmo fenômeno. O abandono de plenário ocorre quando uma das partes, unilateralmente, decide se retirar durante a sessão plenária já iniciada. A única consequência possível, neste caso, é a dissolução do Conselho de Sentença e o agendamento de uma nova sessão de julgamento, pois não se admite que o júri ocorra sem a presença do Ministério Público, ou sem a defesa técnica. Nesta última hipótese, a hipótese seria de nulidade absoluta (Súmula 523 do STF).

Por outro lado, o abandono de processo, situação própria da defesa — diante da unidade e indivisibilidade do MP — seria quando o advogado não deseja mais atuar na causa, deixando de patrocinar a defesa. De acordo com o artigo 265 do CPP, o abandono do processo deve ser sancionado com multa de 10 a 100 salários mínimos pelo magistrado (multa que, na ADI 4.398 do STF, foi considerada como constitucional).

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A Quinta Turma do STJ vem entendendo que o abandono de plenário se equipara ao abandono de processo, tendo como consequência a aplicação da multa respectiva do artigo 265 do CPP (STJ. AgRg no REsp 1.821.501/PR, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. em 28/04/2020, STJ. AgRg no REsp 1636861/SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. em 03/03/2020). Por outro lado, a Sexta Turma, em julgamento apertado, decidiu por diferenciar abandono de causa de abandono de plenário, afastando a multa interposta ao defensor que se retirou durante o julgamento (STJ, RMS 51.511/SP, Rel. Maria Thereza de Assis Moura, Rel p/ Acórdão Sebastião Reis Júnior, j. em 22/08/2017).

Percebam que a discussão apontada reflete diretamente na validade ou não da sanção ao defensor que abandonou o plenário. O ponto pacífico dentre as Turmas é que o abandono de plenário constitui ato desrespeitoso aos presentes e ao Poder Judiciário como um todo.

No entanto, vamos avançar sobre o abandono do plenário em si, entendido por uma parcela de advogados e promotores como uma estratégia válida quando estiver diante de alguma ilegalidade cometida pela outra parte ou pelo juiz presidente.

Pela nossa ótica, o CPP prevê instrumentos que podem ser utilizados pelas partes, quando se encontrem perante decisões e atos que seja contrária à lei ou ao fair trial.

Vejamos alguns atos do juiz presidente que já ocorreram: 1) indeferimento reiterado de perguntas importantes para as teses das partes; 2) denotar predisposição a favor da condenação ou absolvição; 3) impedir a utilização de documentos já juntados pelas partes ou que tenham chegado ao conhecimento das partes antes dos 3 dias úteis do artigo 479 do CPP; 4) impedir que testemunhas deponham em sua língua materna; 5) além de diversos atos que foram interpretados pelas partes como cerceamento da defesa ou da acusação.

Há atos do promotor de justiça e da defesa que podem ser considerados como ilegítimos e que já deram azo ao abandono de plenário, como: 1) a utilização teatral dos antecedentes do acusado ou dos antecedentes da vítima; 2) ficar atrás do advogado que está sustentando com um papel escrito "tá com pena leva pra casa"; 3) desrespeitar testemunhas, vítima ou o acusado.

Também há situações de terceiros que também já foram causas de abandono: 1) comportamento do público torcendo contra ou a favor; 2) membro do Conselho de Sentença que quebra o dever de incomunicabilidade; 3) testemunha que ameaçou os jurados.

Percebam que todas essas possibilidades são potenciais causas de nulidade, a depender de sua extensão, consequência e prejuízo. Dito de outro modo, o CPP contempla que independentemente do fato que tenha ocorrido durante a sessão, as partes poderão se insurgir imediatamente. A pronta impugnação instará o juiz presidente a decidir sobre a questão e, caso este não acate a tese sustentada, o interessado deverá mandar constar em ata suas razões para poder, em eventual sede de recurso, pedir que o tribunal enfrente a matéria. Essa é a ferramenta jurídica prevista na legislação[1].

Ademais, ao agir desta forma, a parte que teve seu pedido negado, apodera-se de uma dupla chance. Se o julgamento continuar, tem a chance de conseguir o resultado que almeja. Caso o resultado seja desfavorável, terá uma tese coerente para anulação da sessão. Ao passo que no abandono de plenário, além de não saber qual o resultado que poderia ser alcançado no julgamento, as consequências vão além da eventual aplicação da multa (já mencionada acima), vez que a imagem de quem abandona e do acusado ficam arranhadas perante a comunidade local. Isso sem contar com a reputação do instituto do Tribunal do Júri, o qual ultimamente vem sofrendo inúmeros ataques (a grande maioria injustos) por causa da frustração que o abandono acarreta.

Sabe-se da movimentação e gastos que o Poder Judiciário e todos os envolvidos suportam com a organização e com a própria sessão do Tribunal do Júri — intimações, deslocamento de jurados, testemunhas e partes. Além do mais, com a quantidade de julgamentos represados, a não ocorrência de uma sessão tem um efeito cascata em diversos outros processos.

Alguns promotores e advogados, por vezes, sentem-se compelidos a abandonar por estarem se sentindo desrespeitados, ou pior, que o direito da sociedade ou de seus clientes estejam sendo diretamente prejudicados. Mas o processo penal precisa ser jogado dentro das regras postas. Enfrentar questões jurídicas complexas e devolver essas matérias para os tribunais superiores inclusive colabora para que tenhamos discussões e soluções de problemas que muitos outros tribunos são obrigados a confrontar diariamente.

Com respeito às opiniões diversas, o abandono do plenário não encontra guarida nas normas processuais penais ou constitucionais. Não é por ser o júri um ato concentrado que não pode ocorrer com a ausência das partes, que essas poderão se assenhorar do procedimento fazendo valer seus próprios interesses e estratégias.

Qual a melhor saída jurídica diante da iminência do abandono? (1) Para as partes, acusação e defesa, como já dissemos, mandar constar em ata a impugnação. Os tribunos devem estar preparados para enfrentar qualquer situação adversa em plenário e, caso necessário, ao final, deixar o campo preparado para recorrer; (2) Para o juiz presidente, há diferença entre o abandono do promotor de justiça e do defensor. Em se tratando de abandono do MP, deverá dissolver o Conselho de Sentença e oficiar a Procuradoria Geral de Justiça (artigo 455, parágrafo único, CPP). A PGJ, por sua vez, além do procedimento administrativo, designará outro membro para atuar no julgamento (inviabilizando novo abandono).

Em se tratando do abandono da defesa, também não restará outra alternativa a não ser a de dissolver o Conselho de Sentença e oficiar a seção ou seccional respectiva da OAB (artigo 456 do CPP), a qual deverá abrir procedimento administrativo por infração ética. Em ato contínuo, para impedir que tal situação ocorra novamente ou seja usada como estratégia protelatória, deverá requerer à Defensoria Pública (ou, onde não houver, à advocacia dativa) que se prepare para a nova sessão. Na nova data, o acusado poderá ser defendido pelo mesmo advogado que abandonou a sessão anterior, mas se este se recusar a participar do julgamento, a defesa será realizada pelo defensor público ou defensor dativo (interpretação análoga ao artigo 456, §1º e §2º do CPP).

Também, como já explicamos anteriormente, o juiz presidente deverá analisar a pertinência de aplicar, por analogia, a multa prevista no artigo 265 do CPP. Para tanto, precisará fundamentar se o abandono do plenário representa espécie de abandono do processo.

Jader Marques, advogado que é absolutamente contrário ao abandono do plenário, salienta que no júri "não há lugar para fanfarrões, para exibicionistas, para mal-educados, para baixaria ou para destempero. (…) Atuar com responsabilidade no Plenário do Júri significa, entre outras coisas, ocupar-se com o exame da prova, das teses, das circunstâncias do fato, da vida pregressa do réu, da contribuição ou não da vítima, dos aspectos técnicos, enfim, tendo absoluto respeito pelas pessoas, significa atuar nos estritos limites da discussão posta nos autos" [2].

Independentemente da situação que ocorra, há um espaço de diálogo no julgamento popular para que as partes e o juiz presidente encontrem uma solução jurídica adequada, sempre tendo em vista o respeito aos direitos e garantias constitucionais dos cidadãos.

Proteger a credibilidade do Tribunal do Júri é responsabilidade de todos que nele atuam. Exercer sua respectiva função com respeito, civilidade e ética, faz não apenas que o júri se mantenha como a mais democrática instituição, como viabiliza que os jurados possam julgar adequadamente o caso.


[1] Sobre o tema, André Peixoto de Souza assevera que "existem meios cabíveis e vias processuais adequadas, previstas em lei, para qualquer insurgência ocorrida em Plenário do Júri, muito bem capaz de resguardar a ampla defesa, em toda a amplitude hermenêutica dessa garantia fundamental. O júri é a corte mais democrática já conhecida em toda a história. Responsabilidade, respeito, civilidade, serenidade, ética, preparo, qualificação. Essas são as principais características de um Tribuno do júri. O abandono de plenário fere todas elas". Disponível em https://bit.ly/3w4FoKY

[2] MARQUES, Jader. Tribunal do Júri: Considerações críticas à lei 11.689/08. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2009. p. 161.

Autores

  • Brave

    é advogado criminalista, pós-doutorando em Direito (UFPR), doutor pelo Programa Interdisciplinar em Neurociências (UFMG), mestre em Direito (UniBrasil), professor de Processo Penal (FAE) e de Tribunal do Júri em pós-graduações (AbdConst, Curso Jurídico, UniCuritiba, FAE) e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Tribunal do Júri (Nupejuri).

  • Brave

    é juiz de Direito, presidente do 2º Tribunal do Júri de Curitiba desde 2008, mestre em Direitos Fundamentais e Democracia (UniBrasil), professor de Processo Penal (FAE Centro Universitário, UTP e Emap) e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Tribunal do Júri (Nupejuri).

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