Opinião

A nova lei de licitações e os modelos contratuais Fidic

Autor

  • Rafael Marinangelo

    é autor do livro "Recomendações Fidic para orientação de contratos de projetos e obras" reconhecida pela Fidic como bibliografia de referência no assunto e sócio do escritório RGSA Advogados.

11 de junho de 2021, 19h02

A nova Lei de Licitações (Lei 14.133/21), sancionada em 1º de abril de 2021, além de outras novidades, introduziu diversas regras relativas à governança, procurando, assim, instaurar à conclusão das contratações públicas melhor controle, gestão, segurança e previsibilidade do processo licitatório.

Constituem exemplos da iniciativa legislativa aqui mencionada as regras sobre responsabilidade da alta administração pela governança das contratações, de elaboração de plano de contratações anuais, com o objetivo de racionalizar as contratações, e a respeito da prioridade administrativa no planejamento da fase preparatória da licitação. Merecem destaque, ainda, a previsão do uso de modelos de minutas de editais, de termos de referência e de contratos e outros documentos padronizados, assim como a obrigatoriedade de alocação clara e adequada de riscos contratuais entre contratante e contratado.

Tais regramentos estão afinados à experiência e padrões internacionais de boas práticas de governança contratual e dão ensejo ao uso de um dos modelos contratuais mais difundidos no mercado da construção internacional: os modelos contratuais Fidic.

Fidic é o acrônimo de Fédération Internationale des Ingénieurs-Counsel, entidade sem fins lucrativos, fundada em 1913, na França, e sediada em Lausane, na Suíça, e que, após a Segunda Guerra Mundial, editou os seus primeiros padrões contratuais para projetos de construção.

Os modelos Fidic mais conhecidos são: "Condições contratuais para trabalhos de construção" (red book), voltado para obras nas quais o projeto é de responsabilidade do contratante e a execução é obrigação do contratado (se assemelha muito ao nosso contrato de empreitada); "Condições contratuais para instalação e concepção-construção" (yellow book), em que o projeto e sua execução são obrigações do empreiteiro; e "Condições contratuais para projetos chave na mão" (silver book), no qual projeto e execução da obra, assim como todos os riscos envolvidos na execução do contrato, são assumidos pelo contratado que, ao final, deve entregar a obra pronta para operar.

A importância desses padrões contratuais é evidenciada pelos fatos. A reconstrução da Europa foi, em grande parte, possível graças ao uso dos modelos Fidic e, atualmente, após constantes aprimoramentos e atualizações, são utilizados por mais de 50% do mercado construtivo, em todo o mundo. O Banco Mundial adota-os como requisito à concessão de empréstimos ou financiamentos de projetos de construção e foi com amparo no uso de tais modelos que a Europa Oriental, após a queda do regime socialista, conseguiu captar empréstimos dos mais variados agentes de fomento europeus. Dubai e China também utilizam os contratos Fidic em seus projetos construtivos, em virtude do alto grau de eficiência e economia por eles proporcionados.

Na América do Sul, os padrões contratuais Fidic não são novidade, como atestam as obras do canal do Panamá e tantas outras no Peru, Bolívia e Chile. No Brasil, no ambiente de obras públicas, tem sido insignificante o uso desses contratos e, não bastasse isso, a falta de familiaridade do gestor público e da empresa contratada com as regras, princípios e espírito de colaboração do qual são revestidos acabou não gerando os benefícios esperados.

O sucesso mundial dos contratos Fidic deve-se às inúmeras vantagens que propiciam, como a segurança oferecida por condições contratuais e comerciais experimentadas e de comprovada eficácia, a padronização e a oferta de um conjunto completo de documentos necessários à promoção bem sucedida do processo licitatório e da execução contratual, o controle rigoroso de evolução da obra e de pagamentos, a exigência de comportamento leal entre os contratantes e a necessidade de intensa troca de informações e correspondências, conferindo alto grau de transparência, dentre tantas outras práticas dificilmente encontradas em contratos dessa natureza.

Formados pela união de regras interdependentes, detalhadas e cuidadosamente estruturadas, visando coordenar e organizar a relação dos participantes de projetos de engenharia, os padrões contratuais Fidic promovem distribuição justa e balanceada de riscos, direitos e obrigações entre contratante e contratado.

Esse equilíbrio é obtido mediante colaboração recíproca entre três figuras essenciais: o dono da obra (contratante), o empreiteiro (contratado) e o gestor de projeto (Engenheiro). Tal colaboração deve ser a tônica dos comportamentos daqueles partícipes, objetivando o melhor cumprimento do contrato, mediante regras bem estabelecidas de identificação, correção e avaliação de medidas mitigatórias de defeitos; coordenação e controle do direito de extensão de prazo do empreiteiro; execução de ensaios de entrega da obra; correção de defeitos; recebimento dos trabalhos pelo dono da obra; procedimentos de entrega de documentos relativos à obra (desenhos, as-built etc.); levantamento do preço final e expedição do respectivo certificado de pagamento, pelo qual se encerram as obrigações contratuais.

Como é possível observar, os padrões Fidic, escorados nos pilares mais modernos de governança, instauram uma lógica contratual promotora do cumprimento ético, tempestivo, qualitativo, eficiente e econômico do contrato.

Todos esses predicados vêm, ainda, acompanhados de especial modelo de solução de conflitos, também previstos pela nova lei de licitações, denominado de Dispute Board ou Conselho de Resolução de Conflitos. Formado por um comitê de especialistas, o conselho acompanha o desenvolvimento do contrato, desde o seu início, fornecendo soluções técnicas em caso de dissenso entre as partes, para evitar que possíveis disputas cheguem aos tribunais. Em média, na experiência internacional, um conflito é resolvido pelo Conselho em até 145 dias, bem mais rápido que pela via judicial ou arbitral, e permite a continuidade da obra de modo mais célere e menos dispendioso, como desejam todos os envolvidos no projeto. A prova da eficiência desse modelo de solução de controvérsias pode ser obtida no site da Dispute Resolution Board Foundation, que analisou 1.434 empreitadas em diversos países, entre os quais Canadá, Estados Unidos, Vietnã, Dinamarca, Austrália e Índia. Segundo a pesquisa, ao todo, 1.860 controvérsias foram submetidas ao comitê, sendo 1.718 integralmente solucionadas e acatadas pelas partes, enquanto apenas 52 casos foram encaminhados à via arbitral ou judicial e 33 outros exigiram a opinião de um terceiro, estranho ao comitê, para solucionar a controvérsia.

Os modelos contratuais Fidic constituem, pois, resposta oportuna às boas práticas contratuais buscadas pela nova Lei de Licitações e, se bem empregados no cotidiano das obras públicas, promoverá governança e segurança jurídica compatíveis com o mercado internacional, capazes de gerar incontáveis oportunidades de investimentos externos. Logo, esperamos que as autoridades públicas não se furtem a conhecer melhor os padrões contratuais mencionados, a fim de torná-los operativos na realidade brasileira em curto espaço de tempo.

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    é autor do livro "Recomendações Fidic para orientação de contratos de projetos e obras", reconhecida pela Fidic como bibliografia de referência no assunto e sócio do escritório RGSA Advogados.

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