Mato com cachorro

Advogado narra pressão de Nythalmar, MP e Bretas e pede suspeição do juiz

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11 de junho de 2021, 10h04

Em 2019, o advogado José Antonio Fichtner estava sendo investigado por suspeitas de usar empresas para lavar dinheiro de um suposto esquema de corrupção chefiado pelo ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral. Seu irmão, Régis Fichtner, ex-chefe da Casa Civil do governo estadual, estava preso.

Cauê Diniz
Cauê DinizBretas é acusado de agir em conluio com advogado e MP para pressionar investigados a fechar acordo de delação

Foi então que ele foi procurado pelo advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho, que se apresentava como alguém que tinha acesso privilegiado ao juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio. Por causa disso, Nythalmar prometia ser capaz de influenciar decisões, blindar investigados e conseguir bons acordos para clientes.

A história foi contada pela jornalista Laryssa Borges, da revista Veja, em reportagem desta sexta-feira (11/6).

José Antonio Fichtner afirma que, para provar suas alegações, Nythalmar mostrou a ele detalhes de confissões sigilosas, exibiu cópias de acordos de colaboração em andamento e ainda se comprometeu a conseguir uma autorização especial do juiz para uma visita ao presídio de Bangu 8 no meio de um feriado de carnaval. Nythalmar não apenas conseguiu a visita como revelou que tinha tido acesso aos sigilos do advogado.

Diante de todas as circunstâncias e pressionado pelo que chamou de intensa "tortura psicológica" aplicada pelo juiz Marcelo Bretas, Fichtner decidiu fazer acordo de delação. Entre outras acusações, ele dizia que seu irmão embolsou sobras de dinheiro da campanha de Cabral e confirmou ter servido como laranja em um negócio imobiliário que beneficiou Aécio Neves.

Em agosto do ano passado, no entanto, Fichtner enviou uma carta para a Procuradoria-Geral da República em Brasília, narrando todo o episódio, desde a abordagem agressiva de Nythalmar até as estratégias de intimidação de Bretas. O documento foi analisado pela subprocuradora Lindôra Araújo, e as informações foram consideradas graves.

No final do ano passado, Fichtner foi convocado a prestar esclarecimentos à PGR e confirmou o conteúdo da carta: disse que foi ameaçado, pressionado e constrangido pela "lava jato" do Rio, a confessar fatos que ele desconhecia. No caso envolvendo Aécio Neves, por exemplo, ele disse que não houve crime na transação.

Já neste ano, Nythalmar fechou um acordo de delação com a PGR, ainda pendente de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça. Nele, acusa Bretas de negociar penas, orientar advogados e combinar suas ações com o Ministério Público. Segundo reportagem da revista Veja, Nythalmar apresentou uma gravação em que Bretas diz que vai "aliviar" acusações contra um empresário preso pela "lava jato".

Juiz suspeito
Nesta quinta-feira (10/6), Fichtner ingressou com exceção de suspeição contra o juiz Marcelo Bretas, pedindo que ele seja afastado de seus processos.

Na petição, ele afirma que o histórico do caso "a completa falta de imparcialidade de V. Exa. [Bretas], talvez tisnada pela vontade publicamente manifestada de assumir uma cadeira no Supremo Tribunal Federal, no rastro de condenações espalhafatosas e tendentes a dar sangue ao circo público, retirou qualquer possibilidade da sua permanência como magistrado da causa, quiçá como juiz".

O advogado Luis Eduardo Salles Nobre também tinha pedido que o Ministério Público Eleitoral investigue se o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, interferiu nas eleições ao governo e à prefeitura da capital.

Segundo a Veja, outros condenados pretendem fazer o mesmo, como Luiz Fernando Pezão, que disse ter sido avisado de prisão 15 dias antes; e Sérgio Cabral, cuja defesa diz estar aguardando a homologação do acordo de Nythalmar.

Mágoa
O fato de a PGR ter aceitado fechar o acordo de delação com Nythalmar deixou os integrantes da extinta "força-tarefa" da "lava jato" do Rio incomodados. Os procuradores, que hoje compõem o Grupo de Atuação de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), foram acusados pelo advogado de atuar em conluio com Bretas, combinando as penas.

Após a notícia de que a PGR tinha aceitado a delação de Nythalmar, os procuradores divulgaram nota dizendo que consideraram "surpreendente que a Procuradoria-Geral da República tenha celebrado acordo de colaboração com Nythalmar Dias Ferreira Filho, figura conhecida por distorcer a realidade de fatos para obter benefícios pessoais".

Segundo o jornalista Chico Otavio, do jornal O Globo, os procuradores se consideram traídos pela PGR. O grupo pediu a revogação da portaria que dava a Aras poderes para investigar o conteúdo da delação de José Carlos Lavouras, ex-presidente da Fetranspor, segundo o jornal. Aras não aceitou a solicitação e, agora, eles querem ir a Brasília para reforçar o pedido de encerramento da parceria entre PGR e MP de primeiro grau.

A reportagem não cita quem são os procuradores insatisfeitos.

Nythalmar procurou a PGR para fechar delação depois de ser alvo de uma investigação do MPF por suspeita de usar o nome de Bretas e dos procuradores para conseguir clientes, oferecendo facilidades a alvos da operação. Ele foi alvo de mandados de busca e apreensão cumpridos pela PF em outubro de 2020.

Após o conteúdo de sua delação vir à tona, a OAB propôs uma reclamação disciplinar contra Bretas no Conselho Nacional de Justiça, pedindo seu afastamento; segundo a Veja, ministros do STJ têm feito pressão para que o CNJ afaste o juiz.

História antiga
Já em 2019, advogados do Rio vinham alertando a OAB sobre as estratégias de captação de clientes de Nythalmar. Em documento, um criminalista do Luchione Advogados diz ter presenciado três casos em que Nythalmar cooptou investigados e réus que já tinham advogados. No primeiro, ele foi visto conversando com dois clientes do escritório enquanto esperavam o início de uma audiência, na sede da Justiça Federal no Rio.

De acordo com a representação, o cliente relatou ao representante do Luchione que Nythalmar o advertiu a mudar de advogado e de estratégia de defesa, ou seria condenado a 25 anos de prisão. O relato foi repetido por outra pessoa depois da audiência.

Outra situação narrada na denúncia diz que Nythalmar abordou um réu que estava preso em Bangu 8. Lá, novamente criticou a atual defesa e afirmou que ele seria condenado a 40 anos de prisão. Na sequência, tentou induzir o réu a fazer um acordo de delação premiada.

Além destes fatos envolvendo clientes da Luchione Advogados, a denúncia diz que há outras bancas que confirmam a conduta de Nythalmar, algumas até mesmo narradas em reportagens, como a tentativa de conquistar a defesa de Sérgio Cabral.

Segundo a representação, um dos advogados chegou até a expedir notificação extrajudicial pedindo que Nythalmar deixasse de fazer qualquer contato com seu cliente.

Na época, Nythalmar enviou nota à ConJur desmentindo os advogados e dizendo que prezava pela ética e pelas boas práticas.

Clique aqui para ler o pedido de suspeição
5037777-61.2020.4.02.5101 
5064990-76.2019.4.02.5101

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