Prática Trabalhista

Marco Legal das Startups e a responsabilidade trabalhista do investidor-anjo

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

10 de junho de 2021, 8h03

No último dia 1º foi promulgada a Lei Complementar nº 182, a qual instituiu o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador, e que entrará em vigor após decorridos 90 dias de sua publicação oficial.

Primeiramente, cabe destacar que, em observância ao contido no artigo 4º da referida Lei, "serão enquadradas como startups as organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados".

Bem por isso, pode-se dizer que as startups são empresas que apresentam um diferencial em relação aos demais tipos de empresas, vez que são conhecidas por ofertarem inovação em seus produtos aliados à potencialidade de crescimento, de forma rápida e sem elevados custos, utilizando-se da tecnologia para o aprimoramento de seus produtos e serviços, fazendo com que seja diferenciada em relação aos demais modelos de negócio. Além disso, a receita bruta das startups devem ser de até R$ 16 milhões anuais com até dez anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ).

Dito isso, a lei possibilita em seu artigo 5º que as startups possam admitir aporte de capital por pessoa física ou jurídica, com ou sem participação no capital social, sendo que, neste momento, pode surgir a alternativa de o capital passar a existir através dos seguintes instrumentos:

"I – contrato de opção de subscrição de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e a empresa;

II – contrato de opção de compra de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e os acionistas ou sócios da empresa;

III – debênture conversível emitida pela empresa nos termos da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976;

IV – contrato de mútuo conversível em participação societária celebrado entre o investidor e a empresa;

V – estruturação de sociedade em conta de participação celebrada entre o investidor e a empresa;

VI – contrato de investimento-anjo na forma da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro 2006 e

VII – outros instrumentos de aporte de capital em que o investidor, pessoa física ou jurídica, não integre formalmente o quadro de sócios da startup e/ou não tenha subscrito qualquer participação representativa do capital social da empresa".

Frisa-se, por oportuno, que "investidor-anjo" é aquela pessoa física ou jurídica que emprega a sua riqueza nas empresas em desenvolvimento e que apresentam uma elevada capacidade de retorno, possibilitando, assim, o seu crescimento, e, por conseguinte, obtém o retorno deste investimento. Insta salientar que este investidor não possui o status de sócio, e, portanto, não possui quaisquer obrigações e/ou responsabilidades frente a empresa.

Aliás, é importante relembrar que em nosso ordenamento jurídico já existia o chamado "Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte", criado pela Lei Complementar nº 123/2006 que, alterada que foi mais recentemente também pela Lei Complementar nº 155/2016, já tinha previsão acerca do "investidor-anjo" quem poderá realizar aporte de capital destinados para as microempresas e empresas de pequeno porte, sem que haja sua efetiva integralização no capital social da empresa.

Há, assim, evidente diferença entre sócio e "investidor-anjo", pois, enquanto o primeiro possui responsabilidade limitada, podendo ser atingido no caso de desconsideração da personalidade jurídica, o segundo, por ser apenas o investidor, não suportaria as responsabilidades da empresa.

De mais a mais, o artigo 8º da Lei Complementar 182 dispõe no sentido de que o investidor que realizar o referido aporte acima mencionado não será considerado sócio ou acionista, nem terá direito a gerência ou voto no comando da empresa, assim como não responderá por dívidas da empresa, inclusive na recuperação judicial, e, sendo assim, não se aplicarão os dispositivos inerentes à desconsideração da personalidade jurídica contidos no artigo 50 do Código Civil e no artigo 855-A da Consolidação das Leis do Trabalho, mas não exclusivamente, e nem tampouco no que tange responsabilidade tributária prevista nos artigos 124, 134 e 135 do Código Tributário Nacional, salvo nas hipóteses de dolo, de fraude ou de simulação com o envolvimento do investidor.

O artigo 2º, §2º, da Consolidação das Leis do Trabalho, preceitua que quando uma ou mais empresas estiverem sob a mesma direção, controle ou administração de outra, inobstante possuírem personalidade jurídica própria, serão solidariamente responsáveis pelas obrigações posteriores da relação de emprego, havendo entendimentos de que, mesmo que a empresa se encontre em recuperação judicial, é perfeitamente possível que ocorra a desconsideração da personalidade jurídica, e, por conseguinte, os sócios possam ser atingidos.

A redação trazida no artigo 8º preceitua expressamente que no caso do sócio investidor, os dispositivos aplicáveis à desconsideração da personalidade jurídica não se enquadrariam. Todavia, há entendimentos anteriores a promulgação da referida lei de que, na Justiça do Trabalho, em se tratando de responsabilidade do sócio, deve ser aplicada a teoria menor, calcada no artigo 28, §5º, do Código de Defesa do Consumidor, autorizando, assim, a responsabilização do sócio em caso de não cumprir com as suas obrigações diante do princípio da proteção que norteia do Direito do Trabalho. Deste modo, uma vez constatada a insuficiência de bens da pessoa jurídica, é perfeitamente possível que ocorra a desconsideração da personalidade jurídica, atingido, até mesmo, outras pessoas jurídicas, sócios e ex-sócios.

Observa-se, portanto, que, uma vez verificada que a separação do patrimônio entre a empresa e os sócios que possa criar óbice a execução e a satisfação do crédito de natureza alimentar, para fins trabalhistas não há impedimentos de que esta responsabilidade possa se voltar aos sócios, sem ocorrer, contudo, a despersonificação da sociedade, que é quando esta é anulada mediante ação judicial própria. Cotejando-se ambos os institutos, verifica-se que, enquanto no primeiro a personalidade da pessoa jurídica permanece suspensa por um momento, no segundo essa personalidade deixa de existir.

Em que pese as expressões sejam utilizadas como sinônimas, na verdade essas duas palavras possuem significados totalmente diferentes, e, tratando-se da desconsideração, sob o enfoque da responsabilidade do sócio investidor, se faz oportuno neste ato os ensinamentos do ilustre professor, Pedro Paulo Teixeira Manus:

"E a responsabilidade diz respeito não só ao sócio gerente como também aos demais, inclusive o sócio investidor, pois todos assumem a responsabilidade social ao contratar, tendo o dever de controlar a atividade da empresa, quanto ao cumprimento de suas responsabilidades trabalhistas. (…) desse modo, não obstante a dívida seja da sociedade, na ausência de bens sociais livres e desembaraçados responderá o patrimônio do sócio pelo débito. Por derradeiro, quanto à responsabilidade do sócio, diga-se ainda que ao Direito do Trabalho não há como limitar a responsabilidade do sócio ao percentual de sua participação na sociedade, sob pena de incentivar o inadimplemento e o desinteresse dos demais sócios pelo controle das atitudes do sócio-gerente" [1].

Neste sentido, evidenciada a amplitude da responsabilização patrimonial dos sócios, hodiernamente a doutrina e a jurisprudência adotam a teoria da responsabilidade objetiva, qual seja, basta que a pessoa jurídica não possua bens capazes de satisfazer a execução trabalhista que esta poderá voltar-se em face dos sócios em decorrência da hipossuficiência do trabalhador, haja vista que a aplicação da teoria maior prevista no artigo 50 do Código Civil traria ainda maiores dificuldades ao imputar ao trabalhador a obrigação de comprovar o abuso da personalidade jurídica.

Ademais, cabe ressaltar que, a partir da leitura do artigo 50 do Código Civil, em caso de abusos, dispõe o referido dispositivo legal que os sócios poderão ser atingidos, não fazendo qualquer distinção entre estes. Em sentido contrário, existem àqueles que defendem que o investidor não deverá ser responsabilizado pelas dívidas da empresa, uma vez que não controlam, administram ou exercem poder de direção.

Ainda, nada obstante o artigo 8º da LC 182/2021 ser expresso no sentido de não ser atribuída quaisquer responsabilidades ao investidor, o seu parágrafo único dispõe que caso seja constatada a hipótese de dolo, fraude ou simulação, poderá este responder pelas dívidas da empresa.

Não há dúvidas que a nova legislação é importante e visa dar mais segurança aos investidores nas startups, a fim de que estes possam atingir aportes mais elevados, e, via de consequência, consigam alavancar novos modelos de negócios sem riscos de serem responsabilizados por dívidas da empresa, trazendo a efetiva segurança jurídica e liberdade, ressaltando-se, porém, que a legislação não poderá ser utilizada de maneira a possibilitar fraudes e desconstrução de direitos.

 


[1] MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Execução de sentença no processo do trabalho. São Paulo: Atlas, 2005. pp. 97-98.

Autores

  • é mestre em Direito pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, palestrante e instrutor de eventos corporativos pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, e membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP).

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduando lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô, membro da Comissão Especial de Direito do Trabalho da OAB/SP e pesquisador do Núcleo "Trabalho Além do Direito do Trabalho" da Universidade de São Paulo – NTADT/USP.

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