Opinião

A ilegalidade dos percentuais de restrição às aulas presenciais

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9 de junho de 2021, 19h06

O Decreto Estadual 65.384/2020, do estado de São Paulo, restringe a presença de alunos nas escolas com base no total de matriculados em função das fases do Plano São Paulo (vermelha, laranja, amarela e verde). Isso é ilegal por três razões: 1) à luz dos protocolos sanitários, o número de matriculados não tem relação com a capacidade das escolas de receber estudantes; 2) aulas presenciais se tornaram essenciais em São Paulo por ato do próprio estado e, hoje, sofrem mais restrições do que atividades não essenciais; e 3) após quase um ano e meio de pandemia, as unidades de ensino que abriram vêm se acomodando às demandas da sua comunidade escolar, ora com menos, ora com mais alunos, sem qualquer impacto nos indicadores da pandemia.

Usar os matriculados como base de cálculo viola o princípio da finalidade dos atos administrativos, que devem contemplar adequação entre os meios e fins, vedada a imposição de restrições superiores àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público. A quantidade de matrículas não dialoga com o distanciamento social porque as salas de aula de cada escola têm tamanhos diferentes, podendo abrigar percentual menor ou maior de alunos dentro dos protocolos sanitários. Além disso, muitas escolas perderam estudantes, o que abre espaço nas turmas presenciais. Por fim, o retorno à classe é facultativo durante a pandemia, havendo muitas famílias que ainda preferem não enviar as crianças. Logo, qualquer percentual incidente nos matriculados nada diz sobre a proteção de estudantes e professores.

Há também violação ao princípio da razoabilidade e ao dever do Estado de atuar na vida do cidadão de forma simples, suficiente para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados. Como a presença dos alunos não é obrigatória, a gestão dos percentuais torna-se complexa porque ora eles ora vão, ora não.

Ademais, em muitas escolas, turmas não têm contato entre si fora da sala de aula, não se justificando, por exemplo, a alternância de períodos (manhã e tarde) ou de dias/semanas (um sim, um não) que algumas unidades estão implementando apenas para não ultrapassar os limites do decreto estadual. As tentativas de gerir esses percentuais desorganizam a vida das famílias, que ficam sem clareza da sua rotina, além de ser praticamente impossível fiscalizar o efetivo cumprimento dos números, o que os torna inúteis do ponto de vista de política pública de combate à pandemia.

Finalmente, o próprio estado deslegitimou seus percentuais quando, reconhecendo as aulas presenciais como atividade essencial, autorizou abertura de atividades não essenciais com mais público, o que viola o princípio da proporcionalidade. As restrições sobre atividades não essenciais devem ser, sempre, proporcionalmente maiores que aquelas sobre as essenciais. Ao agir de forma contraditória, o Poder Público reconhece que as barreiras à educação não têm lastro. E mais: como as escolas estão coordenando seu funcionamento de acordo com a sensibilidade de sua comunidade escolar, os limites percentuais ferem o princípio da intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre as atividades econômicas, em especial porque a volta às aulas não promoveu qualquer piora nos indicadores da pandemia.

Para as escolas que estão seguindo os protocolos sanitários, qualquer sanção estatal fundada em eventual desatendimento dos percentuais de alunos presenciais será uma afronta à lei.

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    é professor da Fundação Instituto de Administração, do GVLaw da Fundação Getúlio Vargas e do IBMEC Direito, e sócio de Marcelo Neves Advogados e Consultores Jurídicos

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