Devido processo legal

Não cabe a TRE decretar inelegibilidade de ofício após recurso incabível

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9 de junho de 2021, 8h40

A impossibilidade de se conhecer de um recurso contra decisão de primeiro grau torna também impossível que um Tribunal Regional Eleitoral analise e decrete, de ofício, a inelegibilidade de um candidato com base na aplicação de norma infraconstitucional — no caso, a Lei Complementar 64/1990.

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Exame quanto à matéria de fundo ocorreu lastreado pela iniciativa de apelo inadmissível, disse relator, ministro Banhos
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Com esse entendimento, o Tribunal Superior Eleitoral não conheceu de dois recursos especiais eleitorais e manteve o deferimento do registro de candidatura de José Murilo Nunes de Souza (PSD), eleito prefeito de Nova Ibiá (BA) em 2020.

A candidatura de José Murilo havia sido impugnada pelo Ministério Público Eleitoral com base na rejeição, pelo Tribunal de Contas da Bahia, das contas relativas a convênios públicos anteriores. A eficácia dessa decisão estava sendo discutida, paralelamente, na Justiça comum.

Ao analisar o pedido, o juízo de primeiro grau negou provimento. O MP eleitoral ficou inerte, mas o Partido Progressista, adversário no pleito, decidiu recorrer. O Tribunal Regional Eleitoral da Bahia não conheceu do recurso porque o PP estava coligado para as eleições municipais de Nova Ibiá.

Assim, nos termos do parágrafo 4º do artigo 6 da Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.504/1997), o PP só poderia atuar de forma isolada no processo eleitoral quando questionar a validade da própria coligação.

Posteriormente, em embargos de declaração, o TRE-BA decidiu, de ofício, reconhecer a inelegibilidade do candidato, com base em fato superveniente: uma decisão da Justiça comum que devolveu eficácia ao acórdão do Tribunal de Contas da Bahia.

Essa decisão foi depois revista, em novos embargos de declaração, tendo em vista que a decisão da Justiça comum que foi usada como fato superveniente teve acórdão publicado somente após as eleições municipais, data limite para revisão dos registros de candidatura.

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A jurisdição da segunda instância não estava corretamente instaurada, afirmou ministro Alexandre de MoraesTSE

Esse vaivém processual levou a dois recursos interpostos no Tribunal Superior Eleitoral. O primeiro, do PP, não foi conhecido devido à ilegitimidade. O segundo, do MP eleitoral, também não ultrapassou o conhecimento, por se insurgir contra a decisão de ofício do TRE-BA, que sequer deveria ter sido tomada.

"Não fosse recurso em segundo grau interposto por sujeito carente de legitimidade, o processo de registro teria se encerrado ainda no primeiro grau. O exame quanto à matéria de fundo ocorreu lastreado pela iniciativa de apelo inadmissível, o que fere o devido processo legal", concluiu o ministro Sergio Banhos, relator e que foi seguido à unanimidade.

Para ele, entender diferentemente significaria estimular o manejo de recursos por quem não tem legitimidade, criando a expectativa de que, de ofício, os tribunais eleitorais brasileiros analisem a matéria de fundo.

Destacou ainda que esse entendimento não desprestigia as normas que tratam de inelegibilidade, nem a Constituiaçõ Federal, porque a revogação da liminar que sustava os efeitos do acórdão do Tribunal de Contas pode ser alegada em recurso contra a expedição de diploma, caminho para impedir que José Murilo atue como prefeito.

"A legitimidade para interposição de recurso, do primeiro para o segundo grau, não existia para o partido. O próprio tribunal, naquele momento, não poderia ter feito a discussão. O tribunal entendeu que poderia, de ofício. Poderia, mas se aquilo tivesse chegado corretamente. A jurisdição da segunda instância não estava corretamente instaurada", concordou o ministro Alexandre de Moraes.

Além dele, votaram com o relator os ministros Carlos Horbach, Luís Felipe Salomão, Mauro Campbell, Luiz Edson Fachin e Marco Aurélio — este, suplente no TSE, atuou em substituição ao presidente, ministro Luís Roberto Barroso, que não participou da sessão.

0600387-53.2020.6.05.0151

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