Opinião

A popularização do investimento em Cepac por meio de fundos imobiliários

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9 de junho de 2021, 13h08

Com o crescimento das aglomerações nas cidades, muitas vezes desordenado e sem planejamento, surge a necessidade de intervenções do poder público para garantir direitos mínimos de qualquer cidadão, como de moradia digna, mobilidade urbana, saneamento básico, segurança pública, preservação do meio ambiente, revitalização de espaços públicos, bem como para direcionar o desenvolvimento imobiliário das cidades, que acabam por exigir transformações profundas, complexas e que demandam vultosos recursos financeiros.

A Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) estabeleceu como um dos instrumentos da política urbana a Operação Urbana Consorciada (OUC), que é definida em seu artigo 34, §1º, como sendo "o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental".

Na lei específica de criação da respectiva OUC, poderá ser permitida, entre outras medidas, "a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o impacto ambiental delas decorrente", direitos estes que representam elevado valor econômico, tendo em vista que autorizam extrapolar os parâmetros urbanísticos vigentes, que inclui, mas não se limita, a construir acima do coeficiente de aproveitamento básico (CAB), elevar a taxa de ocupação e modificar o uso do imóvel.

Essas medidas representam direitos adicionais de construção raros, que podem ser conferidos à iniciativa privada mediante contraprestação financeira; nesse sentido, então, o Estatuto da Cidade prevê a possibilidade da lei que criar a OUC emitir Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs) como forma de financiamento para a promoção de intervenções e obras no âmbito da OUC, sem que isso represente um endividamento ou emissão de título de dívida por parte do município.

Foi atribuído aos Cepacs a natureza de valor mobiliário sujeitos ao regime da Lei 6.385/76 (Lei da CVM) e à fiscalização e regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia federal, que editou a Instrução 401/2003 (ICVM 401) a fim de regular seus registros de negociação e de distribuição pública, de modo que nenhum Cepac poderá ser ofertado ao mercado sem o prévio registro, que se dará após atendidos rigorosos controles e exigências da referida norma.

As prefeituras, ao emitirem Cepacs, devem divulgar prospecto ao mercado, tal como uma companhia listada na B3, bolsa de valores brasileira, contendo os dados básicos de sua emissão, quantidade total, tabela de conversão dos potenciais construtivos, área da OUC, estudo de viabilidade, indicação dos riscos envolvidos etc. Isso se faz necessário para que os investidores tomem a decisão de investimento munidos de informações verdadeiras, úteis e relevantes.

Os investidores podem negociar seus Cepacs no mercado secundário, embora não haja liquidez tal como as cotas de Fundos de Investimento Imobiliários (FII), que são mais comuns aos investidores. Uma explicação à iliquidez pode se dar a partir do entendimento do conceito do CAB a que o Cepac confere o direito de construir além de seu parâmetro estabelecido no respectivo Plano Diretor Estratégico (PDE) e na lei de uso e ocupação do solo do município emissor, até o limite previsto na lei da respectiva OUC.

No PDE da cidade de São Paulo, por exemplo, o CAB na maioria das regiões é 1, isto é, o proprietário possui o direito de construir o equivalente a uma vez a área de seu terreno, sem que nenhuma contrapartida financeira seja oferecida ao município. Porém, para construção de uma área maior, até o coeficiente de aproveitamento máximo (CAM), deverá pagar pelo adicional de construção. Desse modo, os interessados diretos no direito adicional de construção são geralmente construtoras e incorporadoras, e, ainda, em se tratando de OUC, o exercício desse direito fica limitado à zona englobada por esta, não sendo possível, inclusive, utilizar os Cepacs de uma OUC em outra.

Os recursos captados pela prefeitura são destinados, exclusivamente, para determinada OUC, isto é, os Cepacs se originam vinculados a uma OUC, que possui características próprias, não podendo ser utilizados em outras OUC. Do mesmo modo, os adquirentes somente podem utilizá-los como meio de pagamento da outorga onerosa nessas áreas delimitadas. 

As áreas definidas pela OUC podem ser de grande interesse de FIIs, os quais foram criados pela Lei nº 8.668/1993, e são definidos como sendo uma comunhão de recursos destinados a aplicação em imóveis, terrenos, empreendimentos imobiliários, de modo a auferir ganhos por meio de locação, arrendamento ou venda, bem como em ativos financeiros, que inclui o Cepac. A Instrução CVM nº 472/2008 (ICVM 472), que regula os FIIs, em seu artigo 45, inciso V, permite sua participação em empreendimentos imobiliários por meio da aquisição de Cepacs.

Os recursos financeiros necessários para as intervenções e obras das OUC podem ser potencializados por meio da popularização dos investimentos em cotas de FIIs, cuja política de investimento seja voltada, preponderantemente, para aquisição de Cepacs.

As cotas de FIIs listados na B3 possuem maior liquidez para negociação do que os Cepacs. Assim, as cotas de FIIs se mostram uma alternativa a qualquer investidor que tenha interesse em financiar as obras e intervenções urbanas promovidas pelo poder público e ao mesmo tempo obter ganhos financeiros com a valorização de suas cotas, os chamados investimentos sociais.

Ainda que tais investidores não possuam conhecimento técnico relativo a OUC e Cepacs, ao aplicar em FIIs, possuem a segurança de que seus recursos serão administrados por um especialista que possui expertise nesse mercado.

A essência de qualquer tipo de fundo de investimento é possibilitar o acesso a diferentes mercados e ativos a que não seria possível por uma única pessoa com poucos recursos. Nesse sentido, os recursos de um fundo atraído de pequenos investidores, podem ser destinados à aquisição preponderante de Cepacs, seja por meio do mercado primário ou secundário, facilitando o acesso a qualquer interessado nesse mercado, ainda em expansão.

Os FIIs de "desenvolvimento" ou de "tijolo", assim chamados os FIIs que tem como objeto a incorporação e construção de empreendimentos imobiliários, para posterior locação ou venda, ou, os FIIs de "títulos e valores mobiliários" ou de "papel", que aplicam, preponderantemente, em ativos financeiros, como certificados de recebíveis imobiliários (CRI), são exemplos de FIIs cujos objetos tenham ligação direta com a aquisição de Cepacs.

Por força do §5º artigo 45 da ICVM 472, os FIIs que possam investir em ativos mobiliários deverão observar, em regra, os limites de concentração por emissor e por modalidade de ativo previstos nos artigos 102 e 103 da Instrução CVM nº 555/2014, porém a aplicação em Cepacs não possui qualquer limitação prevista em tais dispostos.

Especificadamente, os fundos de "tijolo", utilizam-se comumente de sociedade de propósito específico (SPE) para desenvolver seus empreendimentos imobiliários, a qual titula a propriedade de tais imóveis e responde perante terceiros pelo desenvolvimento do projeto. Nessa estrutura, o fundo atua como agente financeiro, realizando aportes recorrentes na SPE para manutenção e custeio das obras, bem como acompanhando cada etapa do empreendimento até sua conclusão.

Atualmente não há como precisar o quanto representa a participação de FIIs na negociação e utilização de Cepacs, que podem ocorrer por intermédio de suas sociedades investidas, porém é evidente que tal instrumento urbanístico ainda é restrito a poucos interessados e precisam ser fomentados com a participação de novos FIIs constituídos para o público em geral. À medida que os Cepacs se tornem mais conhecidos, ganhe popularidade, tais FIIs serão exigidos naturalmente pelo mercado, pelos investidores com viés social.

Os FIIs e os Cepacs se constituem um instrumento de captação de recursos com possibilidades de estruturas combinadas inovadoras, capazes de promover grandes transformações no meio urbanístico. Os FIIs como veículo de captação popular, por serem mais conhecidos, acessíveis a pequenos investidores e estarem em franca expansão na B3, podem garantir o sucesso dos leilões de Cepacs, e consequentemente, beneficiar a população local, a cidade e o país, devido às novas OUC que serão estabelecidas.

 

Referências bibliográficas
Lei nº 10.257, de 10/7/2001.

Instrução CVM nº 401, de 29/12/2003.

Instrução CVM nº 472, de 31/10/2008.

Estudos em mercado de capitais: cartilha Cepac / Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro: Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas, 2013.

MALERONKA, Camila; HOBBS, Jasonº Operações Urbanas: o que podemos aprender com a experiência de São Paulo. Nota Técnica do BID: 1355. Washignton D.C., 2017. 57p. Ler somente p. 16-32. Disponível em: <https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/licenciamento/desenvolvimento_urbano/sp_urbanismo/Cepac>. Acesso em 11/5/2021.

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