Opinião

TIT-SP precisa rever postura sobre aplicação de decisões do STF e do STJ

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8 de junho de 2021, 19h14

O artigo 28 da Lei 13.457/2009, que regulamenta o processo administrativo tributário no âmbito do Estado de São Paulo, estabelece que é vedado aos julgadores afastar a aplicação de lei sob a alegação de inconstitucionalidade. São ressalvadas as hipóteses em que essa declaração tenha sido proclamada: a) em ação direta de inconstitucionalidade; b) por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (STF), desde que tenha ocorrido a suspensão da execução do ato normativo pelo Senado Federal; e, por fim, c) em enunciado de súmula vinculante.

Com base nesse dispositivo legal, os julgadores do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT), em sua ampla maioria, afastam a aplicação de decisões do Superior Tribunal de Justiça e do STF que tenham declarado a inconstitucionalidade de normas, seja em sede de recurso repetitivo ou repercussão geral, seja por jurisprudência reiterada e pacífica adotada nos referidos tribunais superiores pela via do controle difuso de constitucionalidade.

Por certo, não é atribuição do Conselho de Contribuintes/Tribunal Administrativo de Impostos e Taxas declarar a inconstitucionalidade de ato normativo vigente.

Contudo, a situação examinada nesse estudo não envolve a declaração direta de inconstitucionalidade de ato normativo pelo Tribunal Administrativo, mas sim a aplicação de decisões judiciais, tanto do Superior Tribunal de Justiça, como do Supremo Tribunal Federal, que tenham exercido essa prerrogativa, no seguinte contexto: a) decisões que tenham declarado a inconstitucionalidade de ato normativo em sede de repercussão geral ou recursos repetitivos, na forma dos artigos 1.036 a 1.041 do Código de Processo Civil; e b) aplicação de jurisprudência reiterada e pacífica do STJ e do STF no sentido da inconstitucionalidade de determinada norma, mesmo que no âmbito do controle difuso de inconstitucionalidade.           

Diante do entendimento do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, torna-se relevante verificar como outros conselhos/tribunais administrativos se posicionam sobre essa questão.

O Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais do Distrito Federal, o Conselho Estadual de Recursos Fiscais do Espírito Santo e o Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais do Estado de Santa Catarina, em suas normas regulamentares permitem, expressamente, que os julgadores apliquem a jurisprudência do Tribunais Superiores, em especial, a do Supremo Tribunal Federal, sem maiores restrições, senão vejamos:             

"Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais/DF (Tarf) (Decreto nº 33.268/2011) 
Artigo 19 
 O Tarf, na aplicação da legislação tributária do Distrito Federal, levará em conta normas de Direito Tributário, princípios gerais de Direito, legislação federal específica e jurisprudência dos tribunais, especialmente a do Supremo Tribunal Federal".

"Conselho Estadual de Recursos Fiscais/ES (Decreto n.º 1.353-R/2004)
Artigo 20  O conselho, na aplicação da legislação tributária do Estado do Espírito Santo, levará em conta as normas de Direito Tributário, os princípios gerais de direito, a legislação federal específica e a jurisprudência dos tribunais, especialmente a do Supremo Tribunal Federal.
Parágrafo único.
A ausência de disposição regulamentar expressa neste regimento será suprida com as normas estabelecidas no Código de Processo Civil e legislação específica atinente".

"Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais/SC (Decreto nº 3.114/2010)
Artigo 10  As autoridades julgadoras são incompetentes para declarar a inconstitucionalidade ou ilegalidade de lei, decreto ou ato normativo de Secretário de Estado.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não impede o acatamento, pelo
Tribunal Administrativo Tributário (TAT)/SC, em qualquer de suas câmaras, de alegação de ilegalidade ou inconstitucionalidade reconhecida por entendimento manso e pacífico do Supremo Tribunal Federal  STF ou do Superior Tribunal de Justiça
 STJ".

O Conselho de Contribuinte do município do Rio de Janeiro e o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) possuem dispositivos legais regulamentares semelhantes, que vedam ao Órgão Administrativo declarar a inconstitucionalidade ou ilegalidade de ato normativo.

Porém, os conselheiros são obrigados a observarem, nos respectivos julgamentos, as decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, que tenham sido proferidas na sistemática dos recursos repetitivos/repercussão geral, senão vejamos:

"Conselho de Contribuintes do município do RJ (Resolução SMF nº 2.694/2011)
Artigo 82-A  Fica vedado aos conselheiros afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo, sob fundamento de sua inconstitucionalidade.
§1º O disposto no caput não se aplica aos casos de tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo:
I
 que já tenha sido declarado inconstitucional por decisão definitiva plenária do Supremo Tribunal Federal;
II
 que fundamente crédito tributário objeto de:
a) Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal, nos termos do artigo 103-A da Constituição Federal;
b) Decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, em sede de julgamento realizado nos termos dos artigos 543-B e 543-C da Lei nº 5.869, de 1973, ou dos artigos 1.036 a 1.041 da Lei nº 13.105, de 2015
 Código de Processo Civil;
(…)

§2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, na sistemática dos artigos 543-B e 543-C da Lei nº 5.869, de 1973, ou dos artigos 1.036 a 1.041 da Lei nº 13.105, de 2015 – Código de Processo Civil , deverão ser observadas pelos Conselheiros no julgamento dos recursos no âmbito do Conselho de Contribuintes".

"Regimento Interno do Carf (Portaria MF n.º 343, de 09 de junho de 2015)
Artigo 62  Fica vedado aos membros das turmas de julgamento do Carf afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade.
§1º O disposto no caput não se aplica aos casos de tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo:
I
 que já tenha sido declarado inconstitucional por decisão definitiva plenária do Supremo Tribunal Federal; (Redação dada pela Portaria MF nº 39, de 2016)
II
 que fundamente crédito tributário objeto de:
a) Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal, nos termos do artigo 103-A da Constituição Federal;
b) Decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, em sede de julgamento realizado nos termos dos artigos 543-B e 543-C da Lei nº 5.869, de 1973, ou dos artigos 1.036 a 1.041 da Lei nº 13.105, de 2015
 Código de Processo Civil, na forma disciplinada pela Administração Tributária; (Redação dada pela Portaria MF nº 152, de 2016)
(…)
b) Decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, em sede de julgamento realizado nos termos dos artigos 543-B e 543-C da Lei nº 5.869, de 1973, ou dos artigos 1.036 a 1.041 da Lei nº 13.105, de 2015
 Código de Processo Civil, na forma disciplinada pela Administração Tributária; (Redação dada pela Portaria MF nº 152, de 2016)".

 Observa-se, assim, que os tribunais administrativos que julgam as questões tributárias, em suas normas regulamentares, de forma geral, vêm reconhecendo a possibilidade de aplicação de decisões pacíficas e reiteradas, do STJ ou STF, que tenham declarado a inconstitucionalidade de normas, seja quando já existente posição reiterada e pacífica sobre determinada questão, seja quando a decisão tenha sido proferida em sede de recursos repetitivos/repercussão geral.

 O TIT/SP, em algumas decisões recentes, mesmo que de forma tímida, vem modificando o rígido entendimento de que não seria possível aplicar essas decisões, tanto do STJ, como do STF.

 A 6° Câmara Julgadora do TIT/SP, por exemplo [1], no recente julgamento do Auto de Infração e Imposição de Multa (AIIM) nº 4120497-9/SP, entendeu que deve ser aplicada a jurisprudência do STF e do STJ, em caso que envolve a exigência de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em operação de transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa, hipótese em que já existe a Súmula 166 do STJ, bem como julgamento apreciado em sede de recurso repetitivo (RESP 1123133/SP, do STJ).

 Argumentou-se, para tanto, em síntese, que: 1) "ainda que tal aplicação do entendimento pacificado do STJ não encontre amparo expresso na Lei 13.457/2009  a qual ressalva apenas decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade ou encampadas em Resolução Senatorial , evidentemente tal aplicação emana do Sistema"; 2) seria "indesejada a circunstância de uma decisão judicial e de uma decisão administrativa conflitantes, haja vista que aquela, sempre e necessariamente, prevalecerá sobre esta"; 3) "a decisão judicial prevalecerá qualquer que tenha sido a decisão em âmbito administrativo por força do poder jurisdicional"; 4) "o acatamento, pela administração, das decisões definitivas emanadas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, ou por vezes até mesmo dos tribunais de Justiça em matéria de suas competências, decorre de imposição sistêmica".

Outras Câmaras Julgadoras do TIT também já se manifestaram no sentido de ser possível adotar o entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, proferidos na sistemática dos recursos repetitivos ou da repercussão geral.

No acórdão proferido pela 9° Câmara Julgadora, no âmbito do AIIM nº 4062510-2/SP [2], em caso que também envolvia transferência de mercadoria entre mesmo titular, entendeu-se que seria possível a aplicação de entendimentos dos Tribunais Superiores (seja decisões do Supremo Tribunal Federal, seja do Superior Tribunal de Justiça), uma vez que seria inútil para os julgadores "do contencioso administrativo tributário paulista adotar tese que seria instantaneamente fulminada (…) em ação perante o Poder judiciário".

Em outro caso [3], a 16° Câmara Julgadora também se posicionou no sentido de que seria possível aplicar entendimento do Superior Tribunal Justiça, manifestado em sede de recurso repetitivo (RESP 842.270/RS), no sentido de que "o contribuinte tem direito ao creditamento de ICMS se comprovar ter utilizado a energia elétrica no processo de industrialização". Para proferir essa decisão, o tribunal fundamentou-se no artigo 15, combinado com o 1.036, ambos do novo Código de Processo Civil, o qual permitiria essa postura por parte do Órgão Julgador.

Ora, inexiste motivação para a manutenção de uma decisão contrária ao entendimento consolidado dos Tribunais Superiores, quer seja em sede de recurso repetitivo (STJ), repercussão geral (STF) ou, ainda, entendimentos colacionados em decisões reiteradas e pacíficas destes tribunais, em estrita observância aos prismas da efetividade e eficiência administrativa.

Na hipótese de o caso se enquadrar na situação fática das decisões pacificadas pelos órgãos máximos do Poder Judiciário, é mais que evidente que eventual decisão em sentido contrário gerará insegurança e será reformada.

Além disso, eventual postura de inobservância dessas decisões apenas irá gerar custos ao erário que, por certo, terá que custear pessoas, material, para defender uma causa que possui alto grau de probabilidade de perda, e que importará, inclusive, em ônus de sucumbência. Como consequência, têm-se uma desnecessária oneração aos cofres públicos, em virtude dessa conduta ineficiente e até mesmo injusta.

Registre-se que os fundamentos jurídicos para a aplicação das decisões pacíficas dos Tribunais Superiores pelos Conselhos de Contribuintes/Tribunais Administrativos de Impostos estão evidenciados pela melhor interpretação da Lei Processual Civil e da Constituição Federal/1988, e não implicam em negativa de vigência ao mencionado artigo 28 da Lei Estadual n.º 13.457/2009.

Isso porque, repita-se, não se trata de permitir que o Tribunal Administrativo afaste a aplicação de Lei ainda vigente, ou declare sua inconstitucionalidade, o que, segundo a interpretação adotada, não seria viável pelo óbice do artigo 28, da Lei nº 13.457/2009.

É necessária aplicação de jurisprudência pacífica e reiterada dos Tribunais Superiores, ou mesmo decisões proferidas em sede de recursos repetitivos ou repercussão geral, pelo STJ ou STF (respectivamente), que tenham declarado inconstitucional determinada norma, de forma a conferir efetividade às decisões judiciais, garantir segurança jurídica aos administrados/jurisdicionados, uniformizar a jurisprudência, mantendo sua estabilidade, integridade e coerência.

 Desta forma, é aplicável os artigos 15, 332, 489, §1º, V e VI, 926, 927, 985, I e II, 1.039, dentre outros, do Código de Ritos, bem como princípios constitucionais relevantes, como, por exemplo, o princípio da legalidade (artigo 5º, inciso I, artigo 37, artigo 150, inciso I), da moralidade (artigo 37), da eficiência (artigo 37) e da segurança jurídica (artigo 5º, XXXVI).

Ora, se o juiz é obrigado a cumprir decisões proferidas pelos Tribunais Superiores, julgadas pela sistemática dos recursos repetitivos e da repercussão geral, por certo há que se entender que os julgadores dos Tribunais Administrativos também devem observá-las, sob o risco de se violar a segurança jurídica e a previsibilidade que se almeja aperfeiçoar.

 É importante observar que a Lei nº 13.457/2009 admite que a jurisprudência firmada nos tribunais seja utilizada para reformar julgados quando contrários à Fazenda Pública (artigo 50 [4]), o que denota a força vinculante das decisões proferidas pelo Poder Judiciário, e até mesmo uma postura anti-isonômica, pois permite a aplicação dessas decisões, de forma ampla, quando utilizada para beneficiar a Fazenda Pública, mas não consente esse comportamento quando seria para apreciar uma situação jurídica que envolve o contribuinte.

Diante de todas as considerações, observamos ser indispensável uma mudança de postura das Câmaras Julgadoras do TIT/SP, no que concerne à aplicabilidade de decisões dos órgãos máximos do Poder Judiciário, em especial, decisões proferidas sob a sistemática dos recursos repetitivos e da repercussão geral, o que já vem sendo observado por outros tribunais administrativos, como demonstrado acima. A adoção dessas decisões não implica em declaração de inconstitucionalidade de norma, mas sim em aplicação de decisões judiciais que assim tenham procedido, de forma a conferir efetividade às normas gerais que também se aplicam ao contencioso administrativo tributário.


[1] Sexta Câmara Julgadora do TIT/SP, AIIM nº 4120497-9/SP, Rel. Odilo Sossoloti

[2] Nona Câmara Julgadora do TIT/SP, AIIM nº 4062510-2/SP, Rel. Mara Eugênia Buonanno Caramico.

[3] Décima Sexta Câmara Julgadora do TIT/SP, AIIM nº 4065011-0/SP, Rel. Fabiane de Souza Botechia, Julgamento em 03.05.2017.

[4] "Artigo 50 – Cabe reforma da decisão contrária à Fazenda Pública do Estado, da qual não caiba a interposição de recurso, quando a decisão reformanda:
I – afastar a aplicação da lei por inconstitucionalidade, observado o disposto no artigo 28 desta lei;
II –
adotar interpretação da legislação tributária divergente da adotada pela jurisprudência firmada nos tribunais judiciários."

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