Opinião

Prorrogação da Lei Aldir Blanc: repensando execução e controle de verbas emergenciais

Autor

  • Cecilia Rabêlo

    é advogada mestre em Direito e especialista em Gestão e Políticas Culturais e presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult).

8 de junho de 2021, 9h03

A derrubada do veto ao projeto de lei 795/2021, que altera a Lei Aldir Blanc para permitir que os valores repassados aos estados e municípios em 2020 possam ser utilizados em 2021, foi, sem dúvida, uma vitória para o setor artístico e cultural e para a sociedade em geral.

Como sabemos, a pandemia não acabou e não parece ter prazo para terminar (especialmente em nosso país), e, como também sabemos, os artistas, grupos, coletivos, produtores culturais, equipamentos culturais e tantos outros elos da cadeia produtiva da arte e da cultura continuam duramente prejudicados pelas necessárias medidas de prevenção ao vírus.

Diante desse cenário, não há dúvidas acerca da grandiosidade que é a conquista, vinda especialmente do Poder Legislativo, representante maior das vontades políticas, de que os milhões de reais parados nos cofres públicos estatais e municipais possam ser, finalmente, repassados a quem mais precisa.

No entanto, a vitória nessa batalha não deve nos afastar da necessária reflexão sobre a execução desse recurso orçamentário. Em 2020, gestores estaduais e municipais enfrentaram o desafio sobre-humano de executar, em poucos meses, recursos nunca antes vistos, sem a estrutura normativa e administrativa necessárias.

A ausência de norma geral sobre fomento à cultura no país, a demora e pouca efetividade nas orientações do governo federal sobre a execução do recurso e as inúmeras diferenças econômicas e sociais dos estados e municípios geraram uma série de  regulamentações estaduais e municipais distintas (por lei, decreto, portaria, edital etc.), diversos processos seletivos com critérios e instrumentos jurídicos de repasse diferentes a depender da localidade, além de regras de prestação de contas diversas e sem qualquer parâmetro.

O regulamento acerca do uso do subsídio, por exemplo, foi bem diferente de um município para outro (uns apenas copiaram as poucas regras da Aldir Blanc sobre o tema, deixando em aberto o uso do recurso, enquanto outros especificaram inúmeras regras que os espaços culturais apoiados deveriam seguir, sob pena de reprovação das contas e devolução de valores).

O fato é que o nível de dificuldade de acessar o recurso da Aldir Blanc variou a depender do Estado e Município que estava executando o recurso. Artistas, grupos e produtores culturais tiveram que contar com a sorte de morar em uma cidade ou estado que aplicou instrumentos mais ágeis e menos burocráticos, condizentes, portanto, com a natureza emergencial do recurso da Aldir Blanc.

Se, no entanto, residissem em entes mais burocráticos, tiveram que enfrentar procedimentos extremamente rígidos, com seleções, editais, critérios, instrumentos jurídicos e prestação de contas tão complexos (e até mais) quanto os aplicados em tempos não-pandêmicos, o que resultará, cedo ou tarde, em uma enxurrada de reprovação de contas e determinação de devolução de recursos, por pura inadequação dos mecanismos e procedimentos à lógica emergencial e às peculiaridades do setor, já tão fragilizado.

Se em 2020 foi assim, uma grande salada mista de critérios, normas, editais e instrumentos jurídicos distintos, 2021 não será diferente se não repensarmos esses procedimentos. O resultado, se nada for feito ou mudado, será o mesmo: burocratização extrema, pouca eficiência no repasse e uso do recurso e alta probabilidade de inadimplemento do setor por não conseguir se adequar às exigências estatais.

A vitória na prorrogação do uso do recurso da Aldir Blanc não pode minimizar a urgência de repensar os procedimentos utilizados por Estados e Municípios para repasse e controle do uso desse recurso, com a criação de instrumentos jurídicos eficientes e regras de prestação de contas e cumprimento do objeto adequadas aos princípios administrativos, ao caráter público do recurso e, especialmente, às características e necessidades do setor em meio a uma pandemia.

Autores

  • é advogada, presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult), sócia do Saraiva & Rabêlo Advocacia, mestre em Direito Constitucional pela Unifor e especialista em Gestão e Políticas Culturais pela Universidade de Girona/ES.

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