Jurisprudência reiterada

CDHU não é beneficiaria de imunidade recíproca, decide TJ-SP

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8 de junho de 2021, 16h25

Nos termos do artigo 173 da Constituição da República, as empresas públicas e as sociedades de economia mista sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações tributários, não gozando, a princípio, da imunidade tributária.

Reprodução/Governo de S. Paulo
CDHU não se enquadra como beneficiária de imunidade recíproca por não prestar serviço público de caráter exclusivo
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Com base nesse entendimento, o juízo da 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento a agravo de instrumento contra decisão que rejeitou a exceção de pré-executividade interposto pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) em execução fiscal do município de Taboão da Serra.

No recurso, a CDHU sustenta que não é parte legítima para figurar no polo passivo da execução fiscal, tendo em vista que o imóvel em questão foi alienado a terceiro. A companhia também alega ser beneficiária da imunidade recíproca em razão de prestar serviço público de monopólio estatal e pede a que a execução fiscal seja extinta.

Ao analisar a matéria, o relator, desembargador Eurípedes Faim, cita entendimento do Supremo Tribunal Federal que vem considerando que quando empresas públicas e das sociedades de economia mista forem prestadoras de serviço público com caráter de exclusividade estarão abarcadas pela imunidade tributária recíproca.

“Ocorre que embora a CDHU tenha sido criada para o atendimento de projetos habitacionais populares e à promoção do desenvolvimento urbano no Estado, verifica-se que ela não possui exclusividade na prestação desse serviço”, explica.

O desembargador cita exemplos como o de programas de acesso à moradia e construção de habitações populares, como o “Minha Casa, Minha Vida”, que são abertos a diversas construtoras privadas e agentes financeiros, os quais atuam no mesmo segmento da construção civil que a CDHU.

Diante disso, o relator concluiu que “a despeito dos relevantes serviços públicos prestados pela executada, o reconhecimento da imunidade deve ser afastado”.

Para o procurador do município de Taboão da Serra, Richard Bassan, a decisão reforça a jurisprudência do TJ-SP sobre o tema, especialmente o entendimento da 15ª Câmara de Direito Público e a tese fixada no Recurso Especial 1.111.202, dentre outros precedentes do Supremo Tribunal Federal.

“O acórdão do TJ-SP, ao reforçar o entendimento jurisprudencial, traduz impacto benéfico direto em centenas de casos idênticos no município de Taboão da Serra e outros municípios do Estado de São Paulo”, comemora.

Outro lado
A CDHU, por meio de nota enviada à ConJur, ressaltou que a decisão não representa entendimento pacífico do TJ de São Paulo, sendo inclusive alvo de recursos na própria Corte e até no Supremo Tribunal Federal (
ARE 1.289.782, Tema 1122 da Repercussão Geral). Leia a íntegra da manifestação:

Em relação à reportagem veiculada no site da ConJur, em 8 de junho, intitulada “CDHU não é beneficiária de imunidade recíproca, decide TJ-SP”, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) esclarece:

De início, há que se pontuar que a CDHU é uma empresa púbica estadual, integrante da administração pública indireta do Estado de São Paulo e, como tal, presta um serviço que se reveste de caráter público, de prestação exclusiva e obrigatória do Estado.

Quanto ao reportado, anota-se a existência de dezenas de milhares de ações (Execuções Fiscais por supostos débitos de IPTU) em todo Estado de São Paulo e, por conseguinte, inúmeros recursos – tanto das Prefeituras, como da CDHU – em trâmite no Tribunal de Justiça de São Paulo e perante o Supremo Tribunal Federal.

No mais das vezes, de fato, o cerne das discussões reside em se reconhecer que a CDHU faz jus ao benefício da imunidade tributária recíproca.

Quanto ao recurso indicado na matéria, é de se assinalar que a decisão proferida não representa, nem poderia representar, de modo definitivo, o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Como se sabe, os Juízes, Desembargadores e Ministros decidem de acordo com suas convicções, sejam convergentes ou divergentes da tendência dos seus respectivos órgãos colegiados.

Tanto isso procede, que as Câmaras de Direito Público Tribunal de Justiça de São Paulo, competentes a conhecer da matéria, expressam entendimentos distintos entre si e do versado nos autos do Agravo de Instrumento nº. 2102019-21.2021.8.26.0000. Destaca-se, dentre diversos, decisões que reconhecem que a CDHU faz jus à imunidade tributária recíproca:

EXECUÇÃO FISCAL – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – IPTU COBRADO SOBRE IMÓVEL DA CDHU – IMUNIDADE RECÍPROCA RECONHECIDA – HIPÓTESE EM QUE SE TRATA DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA QUE DESENVOLVE ATIVIDADE ESSENCIAL DO ESTADO NA GARANTIA DO DIREITO À MORADIA, NÃO VISANDO À OBTENÇÃO DE LUCRO – PRECEDENTES DAS CORTES SUPERIORES E DESTE TRIBUNAL – SENTENÇA MANTIDA. (Apelação nº. 1517099-23.2017.8.26.0224, Rel. Des. Mônica Serrano, 14ª Câmara Direito Público, DJ 07/06/2021)

APELAÇÃO CÍVEL – EXECUÇÃO FISCAL – IPTU DO EXERCÍCIO DE 2019 – INSURGÊNCIA CONTRA SENTENÇA QUE ACOLHEU A ALEGAÇÃO DE IMUNIDADE. 1) IMUNIDADE TRIBUTÁRIA – NÃO GOZAM AS EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA DE PRIVILÉGIOS FISCAIS NÃO EXTENSIVOS AO SETOR PRIVADO, DE SORTE QUE, ESTANDO A CDHU INSERIDA NESTA CONDIÇÃO, SUA NATUREZA JURÍDICA DENUNCIA SUA CONDIÇÃO DE CONTRIBUINTE, NÃO PODENDO SE UTILIZAR DA IMUNIDADE SOB O ARGUMENTO DE TER SUA ATIVIDADE VINCULADA AO ESTADO. 2) ISENÇÃO – LEI MUNICIPAL Nº 14.856/2008, QUE CONCEDE ISENÇÃO DE IPTU AOS IMÓVEIS PERTENCENTES À CDHU DESTINADOS OU UTILIZADOS PARA IMPLEMENTAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS HABITACIONAIS VOLTADOS A MORADIAS POPULARES – COBRANÇA INDEVIDA – PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. 3) SUCUMBÊNCIA RECURSAL – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS EM R$ 10.000,00 MAJORADOS PARA R$ 11.000,00 – INTELIGÊNCIA DO ART. 85, § 11 DO CPC – RECURSO IMPROVIDO, COM OBSERVAÇÃO. (Apelação nº. 1541078-23.2020.8.26.0090, Rel. Des. Eutálio Porto, 15ª Câmara Direito Público, DJ 27/05/2021)

EXECUÇÃO FISCAL. IPTU DO EXERCÍCIO DE 2015. CDHU. SENTENÇA QUE EXTINGUIU A EXECUÇÃO COM FUNDAMENTO NOS ARTIGOS 803, I; 783; E 485, IV, TODOS DO CPC. PRETENSÃO À REFORMA. PREVALÊNCIA DO ENTENDIMENTO DE QUE A CDHU NÃO FAZ JUS À IMUNIDADE. CONCLUSÃO UNÂNIME, CONTUDO, NO SENTIDO DE QUE A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE É PROCEDENTE EM RAZÃO DE A APELADA SER BENEFICIÁRIA DE ISENÇÃO CONFERIDA POR LEI MUNICIPAL PARA IMÓVEIS DESTINADOS À EXECUÇÃO DE PROJETOS DE CASAS POPULARES. DOCUMENTOS HÁBEIS A DEMONSTRAR O PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS PARA OBTENÇÃO DA ISENÇÃO. RECURSO VOLUNTÁRIO E RECURSO OFICIAL NÃO PROVIDOS. (Apelação nº. 1578603-78.2016.8.26.0090, Rel. Des. Ricardo Chimenti, 18ª Câmara Direito Público, DJ 31/05/2021)

De tão tormentosa que é, a discussão sobre a imunidade tributária recíproca aportou no Supremo Tribunal Federal, conforme se nota do ARE 1.289.782, objeto de reconhecida Repercussão Geral (Tema 1122), sob relatoria do Ministro Nunes Marques.

Dentre as diversas intervenções das partes – e de terceiros – nos autos, merece destaque a recente manifestação do Procurador-Geral da República (31/05/2021), para quem:

“ (…) a CDHU, criada por meio da Lei Estadual nº 905/75, é sociedade de economia mista, sem fins lucrativos, prestadora de serviço público essencial relativo à construção de moradias para famílias de baixa renda, garantindo o direito fundamental à moradia à população de baixa renda. Seu capital social é titularizado quase que integralmente pelo Estado de São Paulo (99,9%), sem indicação de qualquer risco de quebra de equilíbrio concorrencial ou de livre iniciativa. Conforme explicitado no item de exame do tema, mostra-se compatível com a Constituição Federal a possibilidade de estender a imunidade tributária recíproca à sociedade de economia mista que presta serviço público relativo à construção de moradias para famílias de baixa renda, desde que não distribua lucros, por atender interesse social que visa a concretizar o direito fundamental à moradia. A atividade explorada e as condições acima descritas conduzem a entender-se por sua inclusão dentro dos parâmetros da imunidade tributária recíproca, tornando inexigíveis os créditos tributários constituídos ou a constituir que não a observem.”

Como se sabe, a CDHU é o maior agente promotor de moradia popular no Brasil e movimenta cerca de R$ 1,5 bilhão por ano – orçamento superior à receita da maioria dos municípios paulistas.

São executados inúmeros programas habitacionais em todo o território do Estado de São Paulo, voltados exclusivamente à população de baixa renda, assim entendida a composta por famílias com renda entre 1 a 10 salários mínimos e que, infelizmente, não poderiam encontrar amparo no mercado imobiliário regular.

Desde que iniciou suas atividades, em 1949, a CDHU construiu e comercializou 546.655 unidades habitacionais, número que compõe cerca de 3.600 conjuntos habitacionais em 639 municípios (97%), de um total de 645 em todo o Estado. 

Nessas unidades habitacionais, moram cerca de 2,92 milhões de pessoas — número superior à população da grande maioria dos municípios brasileiros.

Além de atuar como realizadora da política habitacional do Governo do Estado de São Paulo, a CDHU também promove a recuperação ambiental de diversas áreas degradadas e a regularização fundiária de inúmeros empreendimentos.

Há ainda, especial atenção ao processo de renovação urbana, consistente no desenvolvimento dos Programas de Atuação em Favelas e Áreas de Risco e de Atuação em Cortiços.

Desta forma, a CDHU oferece soluções em diversos níveis à população do Estado de São Paulo. atuando como instrumento da política habitacional do Governo paulista, voltado à população de baixa renda, que não poderia encontrar guarida no denominado mercado imobiliário regular e também no desenvolvimento urbano das áreas degradadas, atendendo ainda a uma finalidade de interesse coletivo.

No mais, cabe diferenciar a CDHU das construtoras que atuam no mercado imobiliário, mesmo que no segmento do MCMV – Minha Casa Minha Vida, como indicado na reportagem.

Os programas de acesso à moradia, abertos a diversas construtoras privadas, cujo escopo precípuo é o lucro, têm por público-alvo famílias com duas faixas de rendas: 1. até R$ 1800,00 e 2. até R$ 7.000,00, conforme informações disponíveis no sítio da Caixa Econômica Federal.

A atuação da CDHU, porém, é voltada ao atendimento de famílias com renda entre 1 a 10 salários mínimos; além de diversos programas de nítida relevância social, como o auxílio-moradia, consistente em subsídio temporário às famílias cujas residências foram afetadas por chuvas e intervenções urbanas e/ou ambientais; programas de parceira com Municípios, destinados à famílias com renda entre 1 e 10 salários mínimos, com reserva de unidades a grupos específicos, tais como idosos, portadores de deficiências graves, agentes de segurança; bem como a realização de obras de reurbanização e recuperação ambiental em áreas degradadas dentre outros.

Com muito mais razão, portanto, o serviço prestado pela CDHU, sobretudo por força de seu objeto social, se reveste de caráter público, porque tem a finalidade maior de garantir o direito fundamental à moradia – dever de o Estado efetivá-lo, nos termos do artigo 6°. da Constituição Federal, como recentemente ressaltado pelo Procurador-Geral da República.

Deduz-se, portanto, que ainda não há decisão de mérito (definitiva) propriamente dita acerca da matéria. Cabe ao Supremo Tribunal Federal, a seu tempo e modo, apreciar todas as manifestações das partes e terceiros e dizer o direito que há de ser aplicado ao caso concreto.

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2102019-21.2021.8.26.0000

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