Opinião

Marco das startups: aspectos jurídicos, reflexos práticos e perspectivas para o futuro

Autor

  • Gabriel Lobato Cândido Silva

    é advogado sócio fundador do Escritório Gabriel Lobato – Advocacia e Consultoria Jurídica — LLM Direito Empresarial FGV/Rio (concluinte) presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB-PA (2019-2021) e membro da Comissão de Pequenas e Médias Empresas da OAB-PA.

5 de junho de 2021, 18h13

A Lei Complementar 182/2021, que instituiu o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador, entrou em vigor no último dia 1º e tem por objetivo estabelecer princípios e diretrizes para a atuação da administração pública no fomento do ecossistema das startups, assim como disciplinar a contratação de soluções inovadoras pela administração pública. Também traz um arcabouço de complementos conceituais e parâmetros jurídicos mais precisos nas definições dos contratos de investimento e seus respectivos efeitos práticos, além de outras novidades.

Dentre as principais diretrizes e princípios estabelecidos na nova legislação, estão o reconhecimento e respectivo fomento ao empreendedorismo inovador, considerado como vetor de desenvolvimento econômico, social e ambiental. A lei teve também o condão de valorizar a segurança jurídica e a liberdade contratual, incentivando a contratação pela administração pública de soluções inovadoras elaboradas ou desenvolvidas por startups, além de outros princípios fundamentais norteadores.

Além disso, a lei complementar trouxe também uma significativa mudança na definição no conceito de startup, que, de acordo com o artigo 65-A ,§ 1º, da Lei 123/2006, incluído pela a LC 167/2019, era definido como "empresa de caráter inovador que visa a aperfeiçoar sistemas, métodos ou modelos de negócio, de produção, de serviços ou de produtos, os quais, quando já existentes, caracterizam startups de natureza incremental, ou, quando relacionados à criação de algo totalmente novo, caracterizam startups de natureza disruptiva".

No entanto, a nova lei trouxe uma versão mais objetiva e direta do conceito; nos termos do artigo 4º, as startups agora são definidas como "organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados", sendo elegíveis os tipos empresariais que se constituírem em EI, Eireli, Sociedades Empresárias, Sociedade Simples e Sociedades Cooperativas.

Na prática, bastará que cumpram como requisitos mínimos: a declaração nos atos constitutivos (ou de alteração da empresa) no sentido de que a mesma se utiliza de modelos de negócios inovadores para gerar produtos ou serviços; que tenha até no máximo dez anos de inscrição no CNPJ; receita bruta anual não superior a 16 milhões de reais no último ano-calendário; e esteja regularmente enquadrada no regime do Inova Simples.

Vale ressaltar que a LC 123/06 e LC 155/16 trouxeram importantes definições acerca do contrato de investimento anjo; no entanto, como se sabe, não era a única forma jurídica para a captação de investimentos. Nesse passo, a LC 182/21 trouxe o rol dos principais contratos de investimento considerados mais eficientes para aportes financeiros ou de capital intelectual em startups, dentre os quais merecem destaque o contrato de investimento-anjo e o contrato de mútuo conversível celebrados entre o investidor e a empresa, precipuamente para aportes financeiros. De outro lado, contrato de opção de compra de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e os acionistas ou sócios da empresa para captação de capital intelectual e colaboradores chave para o desenvolvimento das atividades, dentre outros.

Em relação aos parâmetros legais do contrato de investimento-anjo, houve algumas mudanças; dentre elas, conforme o artigo 61-A, § 4º da nova lei, agora resguardada a possibilidade de participação do investidor anjo nas deliberações em caráter estritamente consultivo, conforme pactuação contratual.

Além disso, o prazo da remuneração do investidor por seus aportes foi estendida de cinco para sete anos e também terão o direito de exigir dos administradores as contas justificadas de sua administração e, anualmente, o inventário, o balanço patrimonial e o balanço de resultado econômico e também examinar, a qualquer momento, os livros, os documentos e o estado do caixa e da carteira da sociedade, exceto se houver pactuação contratual que determine época própria para isso.

Tais alterações acabam por fornecer ao investidor anjo uma maior segurança jurídica nos investimentos que envolvam o aporte do capital intelectual ou smart money; concedem também um maior prazo para os investidores permanecerem envolvidos nas atividades lucrativas no negócio, bem como maior segurança quanto à forma de aplicação dos seus investimentos, tendo em vista que passará a ser um incentivo que a startup investida possa manter boa gestão organizacional, financeira e contábil (o que consequentemente ainda influenciará positivamente na sua valorização de mercado), além do sócio investidor estar isento de responsabilidades sobre dívidas da empresa, pois não será considerado sócio até que seja efetivado no quadro social.

Outra importante regulamentação que a LC 182 trouxe foi implementar bases legais para fornecer maior segurança jurídica aos fundos de investimentos, que apesar de já possuírem regulamentação legal para aportar capital como investidores anjo às ME’s e EPP’s, por meio do artigo 61-D da LC 155/16, careciam de definições claras e específicas.

No entanto, agora ficou definido que referidos fundos ficam autorizados a cumprir seus compromissos por meio de aportes de valores em startups de três formas: por meio de fundos patrimoniais destinados a inovação; por meio de Fundos de Investimento em Participações (FIP)  autorizados pela Comissão de Valores Mobiliários nas categorias capital semente, empresas emergentes e empresas com produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação —; e, por fim, por meio de investimentos em programas, em editais ou em concursos destinados a financiamento, aceleração e escalabilidade de startups, tais como nas aceleradoras e incubadoras, o que certamente permitirá ainda mais segurança jurídica para as referidas instituições.

Em cumprimento à diretriz de estabelecer um ambiente favorável para o desenvolvimento dos empreendimentos inovadores, foi implementado o "ambiente regulatório experimental" ou "sandbox experimental", que, conforme o artigo 2º, II da nova lei, cria um "conjunto de condições especiais simplificadas para que as pessoas jurídicas participantes possam receber autorização temporária dos órgãos ou das entidades com competência de regulamentação setorial para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais, mediante o cumprimento de critérios e de limites previamente estabelecidos pelo órgão ou entidade reguladora e por meio de procedimento facilitado".

Nessa toada, tal medida acaba por facilitar, ao menos do ponto de vista regulatório, a atuação das startups que possuem um modelo de negócio disruptivo; por conseguinte, sendo mecanismo que tem a intenção de mitigar, pelo menos em parte, o ambiente de incertezas regulatórias que circunda a exploração de novos mercados.

Uma das mais importantes regulamentações da nova lei está relacionada à contratação de soluções inovadoras pelo Estado, e tem por finalidade a resolução de demandas públicas que exijam solução inovadora com emprego de tecnologia, sendo que todos os órgãos da administração pública direta, autárquica e fundacional, de todas as esferas do poder público, estão agora subordinados a nova modalidade especial de licitação voltada para as startups e empreendimento inovadores.

No escopo do edital da licitação, deverá ser indicado o problema a ser resolvido e os resultados esperados pela administração pública; deverá também ser divulgado no mínimo 30 dias corridos em sítio eletrônico oficial no diário oficial, antes do recebimento das propostas.

Os critérios para julgamento das propostas são relativos ao potencial de resolução do problema, da provável economia para a administração pública, do grau de desenvolvimento da solução, da maturidade do modelo de negócio. Quanto ao preço indicado para a contratação, não foram estabelecidos parâmetros de mínimo ou máximo; no entanto, serão avaliados de acordo com a viabilidade econômica da proposta e do custo e benefício em relação as opções funcionalmente equivalentes.

Após a celebração do Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI) com as proponentes selecionadas, o referido deverá ter vigência de 12 meses prorrogável por igual período, sendo que, ao fim do contrato poderá ser celebrado novo contrato de fornecimento, para integração da solução à infraestrutura tecnológica ou ao processo de trabalho da administração pública, sem necessidade de nova licitação para o fornecimento do produto resultante do CPSI.

Assim, conclui-se que o novo marco das startups, é um importante avanço para a evolução do ecossistema de empreendimentos inovadores, na medida em que trouxe diversas regulamentações que terão impactos positivos na parceria entre o setor público e o privado e fomentará o desenvolvimento econômico, social e ambiental, bem como a geração de postos de trabalho qualificados, de modo que as startups e empreendimentos inovadores precisam estar atentos às mudanças na legislação para que se adequem aos requisitos formais e então possam ter segurança jurídica e pleno acesso aos institutos especiais que foram regulamentados.

Por outro lado, as esferas do poder público por meio de seus órgãos da administração pública direta, autárquica e fundacional devem buscar fazer as adequações internas necessárias e se familiarizar com os novos conceitos legais, para que o quanto antes possam adotar o novo procedimento especial de licitações para a contratação de soluções inovadoras das startups.

Autores

  • é advogado, sócio fundador do Escritório Gabriel Lobato – Advocacia e Consultoria Jurídica —, LLM Direito Empresarial FGV/Rio (concluinte), presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB-PA (2019-2021) e membro da Comissão de Pequenas e Médias Empresas da OAB-PA.

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