Ambiente Jurídico

A política nacional do meio ambiente aos 40 anos - Parte 4

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3 de julho de 2021, 12h50

Em artigos anteriores[1][2] cuidei dos conceitos de "natureza", "equilíbrio", "sistema", "energia" e da homeostase (a reação do sistema às mudanças no meio externo em busca da manutenção da estabilidade anterior ou de uma nova estabilidade), de desenvolvimento e de preservação. Depois de algumas linhas sobre a estrutura formal e legal que se formou em decorrência da LF nº 6.938/81, fiz uma descrição simples da responsabilização dos infratores nas esferas administrativa e civil[3] e concluo agora cuidando da responsabilidade penal e da pergunta feita no início: se o Brasil tem uma das legislações mais adiantadas do mundo, porque tanto conflito, por que a destruição ambiental que só aumenta?

Spacca
O DF nº 23.793/34 de 23-1-1934, nosso primeiro Código Florestal, previa no artigo 83 os crimes de fogo em florestas de domínio público ou privado, fogo posto em produtos ou subprodutos florestais, ainda não retirados da floresta, dano causado aos parques nacionais, estaduais ou municipais e às florestas protetoras e remanescentes, violência contra os agentes florestais, introdução de insetos ou pragas que possam prejudicar ao valor econômico das florestas, destruição de exemplares protegidos da flora e da fauna, remoção, destruição ou supressão  de marcas ou indicações regulamentares das florestas ou árvores isoladas. As penas iam até três anos de prisão, até quatro meses de detenção, e multa. O Código previa também diversas contravenções florestais punidas com até sessenta dias de detenção e multa.

A LF nº 5.197/67 de 3-1-1967, que dispõe sobre a proteção à fauna, considera crime a caça profissional, o comércio de espécimes da fauna silvestre e de produtos e objetos que impliquem na sua caça, perseguição, destruição ou apanha; a exportação de peles e couros de anfíbios e répteis para o Exterior; o uso direto ou indireto de agrotóxicos ou qualquer substância química que provoque o perecimento de espécimes da fauna ictiológica em rios, lagos, açudes, lagoas, baías ou mar territorial brasileiro; a pesca predatória com o uso de instrumento proibido, explosivo, erva ou substância química de qualquer natureza. As penas vão de um a cinco anos de reclusão e expulsão do país, se estrangeiro o autor, após o cumprimento da pena. A lei prevê, também, contravenções florestais, sem prejuízo dos crimes e contravenções previstos no Código Penal.

A LF nº 6.938/81 de 31-8-1981, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, considera crime o poluidor expor a perigo a perigo a incolumidade humana, animal ou vegetal, ou agravar o perigo existente. As penas vão de 1 a 3 anos de reclusão e multa, dobrada a pena se resulta dano irreversível à fauna, flora e meio ambiente ou se a poluição ou a poluição for decorrente de atividade industrial ou de transporte, ou quando o crime é praticado a noite, em domingo ou feriado, incorrendo no mesmo crime a autoridade competente que deixar de promover as medidas necessárias a impedir tais condutas.

A LF nº 9.605/98 de 12-2-1998 dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Estende a responsabilidade criminal a quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos na lei, na medida de sua culpa, como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la (artigo 2º) e responsabiliza criminalmente a própria pessoa jurídica, quando a infração for cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade (artigo 3º). Prevê a apreensão do produto e do instrumento do crime e tipifica os crimes contra a fauna (29 tipos penais), contra a flora (15 tipos penais), poluição e outros crimes (7 tipos penais), contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural (quatro tipos penais), contra a administração ambiental (5 tipos penais) com penas que vão de 1 mês a 3 anos de detenção e de 1 a 6 anos de reclusão, com formas agravadas e aumento de pena, com a previsão de multa em diversos casos. A maior parte deles é levada ao Juizado Especial Criminal previsto na LF nº 9.099/95, competente para as infrações penais de menor potencial ofensivo, a saber as contravenções e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa. Houve um aumento sensível dos tipos penais, mais detalhados e mais bem descritos; e o procedimento penal permite a conciliação e a suspensão da ação penal, mediante a composição dos danos e a imposição de pena não restritiva de liberdade. Há um movimento para a criação de novos tipos penais, internacionais e nacionais, entre eles o ecocídio, a destruição em larga escala do meio ambiente ou a exploração não sustentável de recursos não renováveis.

Voltamos à pergunta inicial. A LF nº 6.938/81 instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente e estruturou os órgãos administrativos, as linhas mestras da política ambiental, a definição da responsabilidade civil, administrativa e penal do meio ambiente; abriu caminhos novos para a evolução do direito e trouxe à linha de frente a essencialidade da proteção e da preservação ambiental, que de uma posição secundária cresceu e assumiu uma importância cada vez mais clara. As leis que vieram depois disciplinam aspectos relevantes da atividade humana, da preservação das águas, do clima, da biodiversidade, do saneamento básico, da disposição de resíduos; cuidam do que existe e, trazendo a preocupação com o futuro nos princípios da precaução e da prevenção, tentam inserir de uma forma harmoniosa os humanos no meio ambiente que nos cerca. No entanto, o planejamento (ou a falta de planejamento?) das nossas cidades, as desigualdades sociais e o descuido da nossa população levam à situação conflituosa, difícil, que observamos hoje; percebe-se que a preocupação ambiental não é ainda um valor entranhado no nosso dia a dia. Há sinais de melhora. As mudanças climáticas, a transversalidade e a universalidade dos danos ambientais, o risco que os humanos estão trazendo ao planeta e a si mesmos estão motivando nações, governos e empresas a criarem cidades e empresa sustentáveis; nota-se a movimentação da sociedade civil em favor da preservação e atitudes individuais nessa direção.

A passagem dos 40 anos da LF nº 6.938/81 e a análise do que veio a partir dela demonstra a importância da Política Nacional do Meio Ambiente ali delineada, que merece comemoração. É um trabalho ainda em evolução. Há um rumo a seguir, uma tarefa de todos nós.

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