Opinião

Lei dos "crimes cibernéticos" altera competência em caso de estelionato

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4 de junho de 2021, 13h16

Em 27 de maio de 2021 foi sancionada a Lei 14.155, que, dentre outras alterações, modificou a competência para a apuração do crime de estelionato (artigo 171 do Código Penal), ao prever o novel § 4º para o artigo 70 do Código de Processo Penal.

A redação do novo dispositivo legal institui que "nos crimes previstos no artigo 171, do Código Penal, quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção".

Isso significa que, a partir da publicação da lei, no dia 28 de maio de 2021, os crimes de estelionato passaram a ter a competência regida pelo local do domicílio da vítima e não mais pelo local em que se consumou o delito de estelionato ou, se tentado, onde foi praticado o último ato de execução, consoante o caput do artigo 70 do Código de Processo Penal (CPP).

Antes da nova lei, havia uma certa divergência jurisprudencial nos tribunais, pois, para se verificar a competência, era preciso analisar justamente a consumação do estelionato. Todavia, a consumação do delito de estelionato varia, a depender da forma como a infração penal é praticada.

No intuito de regular a matéria, o Superior Tribunal de Justiça esclareceu, por meio do informativo 663 de 2020, que, no caso de estelionato mediante depósito de cheque clonado ou adulterado, a competência era do juízo do local no qual a vítima mantinha a conta bancária. Já no caso mais conhecido de que a vítima faz depósito ou transferência bancária na conta do beneficiário da fraude, a competência era do juízo em que estivesse localizada a agência bancária beneficiária.

Toda essa divergência, entretanto, cai por terra com o novo § 4º, incluído ao artigo 70 do CPP, ante a clara manifestação do legislador de que a competência será regida pelo local em que a vítima estiver domiciliada.

Vale salientar que, em casos nos quais o fato delitivo tenha ocorrido antes da nova lei, mas cujo processo penal ainda não tenha se iniciado, permanecerá a competência nos moldes fixados pelo STJ.

É que, diante das garantias do juiz natural e da imparcialidade do julgador, os critérios da competência não podem ser alterados após o fato criminoso, sob pena de se criar tribunais de exceção (post factum). Nesse sentido, leciona o professor Aury Lopes Jr.: "o nascimento da garantia do juiz natural dá-se no momento da prática do delito, e não no início do processo. Não se podem manipular os critérios de competência e tampouco definir posteriormente ao fato qual será o juiz da causa[1]".

Assim, de acordo com o princípio do juiz natural, apenas os casos de estelionato praticados posteriormente à nova lei terão a competência regida pelo local de domicílio da vítima.

De outra banda, avistam-se possíveis efeitos colaterais decorrentes da mudança no critério de fixação de competência do estelionato quando se consideram as empresas ou entidades públicas vítimas de um alto e constante número de fraudes. Citem-se, como exemplo, as fraudes previdenciárias contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e as fraudes para obtenção do Seguro Danos Pessoais por Veículos Automotores Terrestres (DPVAT), que passou a ser gerido pela Caixa Econômica Federal desde 1º de janeiro de 2021.

Isso porque, uma vez que o domicílio da pessoa jurídica é a sede da empresa, o foro competente será o mesmo para todos crimes de estelionato praticados contra a instituição.

No caso da Caixa Econômica Federal, uma vez que a sua sede está localizada em Brasília, este será o foro competente para o processamento de milhares de feitos ligados a fraudes cometidas contra a instituição financeira, cometendo-se à Polícia Federal, ainda, a atribuição para investigar um sem número de infrações penais, sem prejuízo das demais investigações presididas pelo órgão.

A despeito dos problemas decorrentes da concentração de procedimentos investigativos em determinados órgãos da Polícia Judiciária, a fixação da competência pelo domicílio da vítima evita que esta esteja muito distante do local de apuração do crime, como vinha ocorrendo em casos de estelionato consumado mediante a transferência de valores para contas bancárias operacionalizadas pelos chamados bancos digitais. Essas instituições financeiras não possuem agências físicas, mas apenas a própria sede da empresa, para onde era atraída a competência por força do citado entendimento do STJ.

Dessa forma, a mudança legislativa tem o condão de aproximar a vítima da autoridade policial responsável pela investigação, favorecendo a obtenção de provas do delito e garantindo, em última análise, o acesso do jurisdicionado à justiça.

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