Licitações e Contratos

Lei 14.133/2021 e a publicação de edital de licitação internacional

Autor

  • Jonas Lima

    é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

4 de junho de 2021, 8h02

A Lei 14.133/2021, "nova" Lei de Licitações e Contratos Administrativos, nada tratou sobre a publicação de editais de licitações internacionais, nem quanto ao meio e nem quanto ao prazo de divulgação no exterior, sendo essencial reconstruir situações que vêm desde o regime da Lei 8.666/93 para se chegar à disciplina a ser considerada o novo.

Spacca
Começando pela visão doutrinária, há anos se tem o alerta de que, para a licitação ser considerada internacional, é suficiente a permissão para participação de estrangeiros e a publicação no exterior, convocando estrangeiros para participar do certame (Furtado, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. 2 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 182).

Assim, não basta apenas a publicação nacional ou local, nos moldes estabelecidos na Lei 8.666/93, na Lei 10.520/2002, no Decreto 10.024/2019, ainda aplicáveis durante o tempo da transição para a nova lei, como se publica toda e qualquer licitação, pois é essencial convocar, “de forma expressa e em meios nacionais e internacionais de divulgação, licitantes estrangeiros a participarem da disputa” (Lima, Jonas. Licitação Pública Internacional no Brasil / International Public Bidding in Brazil Ed. Negócios Públicos. Curitiba: 2010 p. 26).

Partindo agora para visão de controle externo, tem-se a mesma linha de posicionamento, no sentido de que precisa haver publicação na imprensa nacional e, ainda, “agência de divulgação de negócios no exterior”, como já aventado desde a Decisão 289/1999, do Plenário do Tribunal de Contas da União, que ainda não trazia precisão nos conceitos e era de época que herdava o antigo entendimento de publicação em meios expressos no exterior e nem se tinha uma definição precisa em norma alguma, do que seria, efetivamente, considerado “agência de divulgação de negócio no exterior”.

De outro lado, até então os avisos das licitações internacionais eram publicados em 2 (dois) jornais de grande circulação internacional, mas sempre havia críticas sobre a quebra de isonomia desse modelo, por violação ao disposto no artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, pois as publicações ocorriam em formato impresso em um mesmo país ou em dois países.

A situação era bem limitada, registrando-se que a Imprensa Nacional no Brasil era um contato pelo qual os órgãos públicos dependiam para a intermediação de publicações impressas no exterior. O valor necessário era repassado à Imprensa Nacional, que contratava jornais no exterior para as respectivas publicações, ou seja, um modelo burocrático, demorado, limitado e não eficiente e nem igualitário, inclusive, por não atingir amplamente os vários países, de um mesmo modo e ao mesmo tempo.

Para suprir essa deficiência, o TCU começou a adotar uma linha de que, adicionalmente, fossem os avisos das licitações internacionais enviados, por e-mail, para os mais de 100 (cem) Setores de Promoção Comercial (Secoms) do Brasil, listados no site do Ministério das Relações Exteriores. Isso porque as unidades comerciais nas embaixadas e nos consulados do País por todo o mundo possuem redes de contatos ou “mailings” de empresas locais em cada um daqueles outros países com presença diplomática do Brasil.

Evoluiu-se, em seguida, para a advertência do TCU de que ocorresse não apenas a publicação no exterior, mas em idioma estrangeiro, como constou do Acórdão 2672/2017, do Plenário, sendo dali em diante enfatizado que o idioma mais utilizado fosse o inglês, mas ainda restaram conflitos de questões práticas alertadas por licitantes e gestores públicos, a respeito daquele precedente, por algumas razões:

1) seria essencial manter nos e-mails a consulados e embaixadas os avisos já prontos em português e em inglês, por ser esse último idioma o mais utilizado nas divulgações de oportunidades de compras públicas pelo mundo;

2) ficou faltando balizar o prazo mínimo para tal forma de publicação, razão pela qual funcionários de embaixadas e consulados passaram a ponderar que os agentes públicos no Brasil estavam enviando os editais sem tempo hábil, como pregões internacionais com apenas 8 (oito) dias de antecedência, prejudicando empresas estrangeiras com o recebimento da informação “em cima da hora”, sem possibilidade obter documentos necessários, isso em momento no qual ainda não havia a inovação do pregão permitindo traduções simples e consularização ou apostilamento apenas para assinatura de ata de registro de preços ou contrato; e

3) receio adicional surgiu com a menção de que o texto do edital precisaria ser enviado também em inglês, na íntegra, o que somente se utiliza em grandes projetos como privatizações de estatais e certas concessões públicas, mas em pregão comum implica em riscos ao se atribuir apenas ao pregoeiro, no dia a dia, o dever de traduções com termos técnicos de produtos como veículos blindados, helicópteros, dispositivos médicos, incorporados nos textos por equipes de áreas demandantes ou técnicas.

Independentemente dessas discussões, adveio a posição reforçada da jurisprudência do TCU no sentido de que a licitação com estrangeiros mas sem a publicação no exterior não seria licitação internacional e deveria ser anulada, por falha grave em prejuízo à efetiva participação de estrangeiros, como se observa no Acórdão n° 1.290/2018, do Plenário daquela Corte.

Enfim, havia muito mais a considerar que a Lei 8.666/93 e outras normas não regravam sobre publicações das licitações internacionais, que continuaram, inclusive, com vários conflitos, inclusive, quanto ao tempo hábil de publicação para alcance em outros países, obtenção e legalização de documentos, por consularização ou apostilamento e eventual submissão prévia a departamentos ou ministérios de negócios exteriores, o que demanda tempo a mais dos estrangeiros.

Enquanto isso, o conflito se iniciou há anos e está sem balizas, sendo notados avisos de editais com apenas 8 (oito) dias da sessão do pregão e outros com publicação em 45 (quarenta e cinco) dias de antecedência.

Na prática, é assente que um prazo razoável tem sido de 20 (vinte) a 30 (trinta) dias, pois empresas estrangeiras não apenas precisam obter documentos em seus países e cumprir determinadas formalidades e realizar diligências, até por regras de compliance, para apontar seu representante legal no Brasil, de modo a evitar problemas futuros.

Por fim, outra fonte histórica de conflitos está nos vários editais que são ditos como de licitações internacionais, mas assim não consta nos termos como “pregão eletrônico internacional”, vez que muitos ainda possuem apenas a menção a “pregão eletrônico” e são divulgados em diários oficiais sem o termo “internacional”, o que prejudica na identificação por parte de empresas que utilizam serviços de busca e captura automatizados, que têm prejuízos na rápida identificação de oportunidades quando o aviso do pregão não tem já a menção de se tratar de um pregão internacional, apenas como exemplo do que se verifica por demais.

Isso também é importante, pois os portais de pregões pelo Brasil não possuem uma área com seleção específica para inclusão de editais internacionais, nem filtro de pesquisa apenas pelos editais efetivamente internacionais, hoje ainda incluídos juntamente com os nacionais.

O objetivo de toda essa contextualização história, prática e realista é demostrar a assustadora situação verificada no artigo 6º, inciso XXXV, da Lei nº 14.133/2021, que apenas definiu licitação internacional, de forma simplória, mencionando o seu processamento em território nacional, a admissão da participação de licitantes estrangeiros, a possibilidade de cotação de preços em moeda estrangeira ou possibilidade de que o objeto contratual possa ou deva ser executado, no todo ou em parte, em território estrangeiro, mas esquecendo da publicação no exterior.

Nem o dispositivo acima citado, nem o artigo 52 da lei, que é aquele específico sobre as licitações internacionais, nem os artigos 53 e 54, que tratam de regras gerais de divulgação de editais, têm de regramento mínimo para balizar o contexto da publicação de avisos de editais de licitações internacionais, que, como alertado, possuem diversas particularidades.

Tudo isso considerado, ante a ausência de regramento na nova lei de licitações e contratos, quais seriam possíveis soluções para os gestores públicos?

1ª) ter em conta que licitação internacional precisa de divulgação no exterior de forma ampla pois, sem isso, não se atende à publicidade do artigo 37 da Constituição Federal, juntamente com a igualdade que se tem no tratamento que precisa ser igualitário para estrangeiros, em face do inciso XXI daquele artigo, começando por formas globais e eficientes de divulgação;

2ª) continuar adotando o entendimento jurisprudencial de que os avisos precisam estar, também, em idioma estrangeiro, quando circulados no exterior, sendo o caso de continuar a linha de envio a todos os Setores de Promoção Comercial – SECOMs do Brasil no exterior;

3ª) utilizar a divulgação de aviso, em inglês, no Portal www.dgmarket.com, o maior do mundo em avisos de licitações, de mais de 170 países, incluindo dezenas de agências de cooperação e organismos como Banco Mundial e vários outros; aliás, por ser uma iniciativa que partiu de um projeto do próprio Banco Mundial;

4ª) zelar para que os editais tenham a nomenclatura de “internacionais” no texto e nos avisos, tanto locais, como circulados no exterior;

5ª) adotar razoabilidade e proporcionalidade, princípios incorporados ao artigo 5º da lei, para que se tenha tempo adequado de antecedência na publicação de aviso de licitação dirigida a estrangeiros, em média, 20 (vinte) a 30 (trinta) dias; e

6ª) quando o artigo 54 da Lei nº 14.133/2021 for concretizado, com o advento do Portal Nacional de Contratações Públicas, buscar meios de fazer com que os editais possam ser localizados por um filtro de pesquisa ou em local próprio para inclusão pelos agentes de contratação e busca específica pelos licitantes.

São essas as considerações que visam suprir regramento e até falta de bibliografia que ligue todas essas questões tão relevantes, que agora precisam ser consideradas para a aplicação da nova “Lei de Licitações e Contratos”.

Autores

  • é advogado, especialista em licitações e contratos, pós-graduado em Direito Público e Compliance Regulatório. Sócio de Jonas Lima Sociedade de Advocacia.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!