Falta de farda

Advogado sofre abuso policial e tem carteira da OAB quebrada em Porto Alegre

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4 de junho de 2021, 21h48

Na manhã desta quinta-feira (3/6), o advogado Ismael Santos Schmitt foi abordado e detido de forma abusiva na sede da Cadeia Pública de Porto Alegre simplesmente por estar parado dentro de seu veículo. Os policiais militares o imobilizaram com violência, o algemaram e quebraram sua carteira da OAB.

Arquivo pessoal
Ismael mostra carteira da OAB quebradaArquivo pessoal

O advogado havia se dirigido ao local para prestar assistência a um cliente encarcerado. Ele já havia se identificado e entrado na unidade prisional, mas aguardava, dentro do seu veículo, a abertura do setor de revista. Devido ao feriado de Corpus Christi, estava vestido informalmente, com moletom e tênis.

Uma sargento da PM então bateu no vidro do veículo e questionou: "Quem tu é? O que tu tá fazendo aqui? E por que esse carro está em uma vaga de militar?". Ismael apresentou sua carteira da OAB, mas foi informado de que o documento não bastava. Ele relatou à policial que não portava nenhum outro documento, ao que surgiu um soldado sem farda, reforçando aos gritos de que a carteira era insuficiente e ordenando que Ismael saísse do veículo.

O advogado foi imobilizado e sua carteira da Ordem foi quebrada em duas partes. Ele ficou algemado do lado de fora da cadeira por duas horas, até a chegada do oficial militar responsável. Foi determinada sua prisão por desacato, e ele foi conduzido à Polícia Civil para lavratura do flagrante.

Depois disso, a delegada plantonista determinou a retirada das algemas e a sua separação dos outros presos. A presidente da Comissão de Defesa e Assistência das Prerrogativas da OAB-RS, Karina Contiero, foi informada do ocorrido e se deslocou ao local para auxiliar o advogado, detido no exercício da profissão. Logo após sua liberação, Ismael registrou boletim de ocorrência contra o ato de abuso de autoridade.

Abordagem infundada
O advogado conta que já havia estacionado no local por diversas vezes anteriormente. Segundo ele, as vagas são destinadas aos advogados, e não aos militares, como alegaram os policiais.

Ismael diz acreditar que a única circunstância diferente que motivou o ato foi a falta de identidade da "farda jurídica", em função do feriado: "O único motivo explicável era o fato de eu não estar de terno".

Reprodução/Susepe
Entrada da Cadeia Pública de Porto Alegre, onde ocorreu o episódio desta quinta-feiraSusepe

"O que mais a gente tem percebido nos últimos anos é esse movimento de legitimar a farda, não interessa quem você é", comenta Ismael sobre a atitude dos oficiais. Para ele, o momento atual revela um "estado crítico de avanço para acabar com as prerrogativas".

A OAB-RS publicou nota na qual repudia a ação abusiva dos PMs. "Infelizmente ainda temos arbitrariedades desse tipo. É inadmissível que um advogado tenha a sua credencial quebrada. Já estamos tomando todas as providências para a responsabilização tanto na esfera administrativa quanto na esfera criminal", ressaltou Ricardo Breier, presidente da seccional. "Aqueles que praticam autoritarismo contra a advocacia jamais ficarão impunes!", concluiu.

Breier também entrou em contato por telefone com o advogado na própria quinta-feira, solidarizando-se com o colega e afirmando que a OAB-RS irá até as últimas consequências para responsabilizar o "repugnante ato". "Infelizmente ainda temos arbitrariedades desse tipo. É inadmissível que um advogado tenha a sua credencial quebrada. Já estamos tomando todas as providências para a responsabilização tanto na esfera administrativa quanto na esfera criminal", disse. "Aqueles que praticam autoritarismo contra a advocacia jamais ficarão impunes!".

A cadeia é uma das únicas no estado geridas internamente pela PM, e não pelos funcionários da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). De acordo com a administração da unidade, os policiais responsáveis pela abordagem vão passar por um processo administrativo disciplinar para apuração de suas condutas.

Conduta recorrente
Já nesta sexta-feira (4/6) o vereador de Curitiba e advogado Renato Freitas (PT) também foi preso com violência em uma praça da cidade por supostamente atrapalhar as ações da polícia.

A PM foi chamada ao local por uma denúncia anônima de perturbação de sossego, porque um amigo de Renato estava ouvindo música em uma caixinha de som. Segundo os policiais, o vereador teria usado a força para retirar o aparelho das mãos do policial. Em vídeo publicado nas redes sociais, Renato aparece questionando os oficiais sobre a razão da abordagem e pedindo para caminhar livremente até a viatura.

Reprodução
Atuação da PM vem sendo marcada por condutas arbitrárias e violentas
Brigada Militar/RS

Os últimos meses foram marcados por ações policiais violentas no país. Durante manifestações contra o presidente Jair Bolsonaro em Recife no último sábado (29/5), dois homens foram atingidos em um dos olhos por balas de borracha disparadas pela PM e tiveram lesões permanentes.

Já na última segunda-feira (31/5), um professor da rede pública de Goiás e secretário estadual do Partido dos Trabalhadores foi preso após se recusar a tirar uma faixa em seu carro com a mensagem "Fora Bolsonaro Genocida".

No início do último mês, uma operação policial na favela do Jacarezinho, zona norte do Rio de Janeiro, deixou 28 mortos. A ação da PM desrespeitou decisões do Supremo Tribunal Federal que restringiram operações do tipo nas comunidades.

Ares de insurgência
As recentes trocas de comandantes nas Forças Armadas e a insubordinação do general Eduardo Pazuello produziram uma ilusão de ótica: a de que a democracia correria riscos por causa disso. Essa noção vem de uma época em que o poder da força vinha do Exército, pela capacitação, pelo armamento e pela capilaridade.

Em 2021, o quadro é outro. O efetivo armado de cada um dos grandes bancos passa de 1 milhão de homens. As recém-criadas guardas civis metropolitanas somam mais de 100 mil policiais. O efetivo de milícias e de traficantes é desconhecido. O Exército conta com efetivo de 102 mil militares — não necessariamente armados — mais 112 mil conscritos (jovens que cumprem serviço militar), contingente não necessariamente operacional.

Mas o perigo visível, hoje, está no campo dos 395 mil policiais militares — a maioria, aparentemente, alinhada com o "pensamento" bolsonarista, cujo próprio presidente da República não perde uma oportunidade de "prestigiar" evento de formação de policiais nos estados.

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