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Loggi e Uber: casos de advocacia de excelência em âmbito recursal

3 de junho de 2021, 11h34

Por Ricardo Calcini, Felipe Camargo de Araújo

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Não há dúvidas de que as decisões judiciais da Justiça do Trabalho envolvendo os aplicativos de transporte e entrega causam bastante frisson entre os profissionais da área do Direito do Trabalho, tendo em vista as múltiplas visões acerca da natureza jurídica dos contratos firmados entre os trabalhadores e essas empresas. Afinal, são relações de emprego regidas pela CLT ou trabalho autônomo de natureza civil?

Alguns dos órgão turmários do Tribunal Superior do Trabalho [1] já consolidaram seu entendimento no sentido de não reconhecer o vínculo de emprego entre a Uber e os motoristas parceiros, sendo que a fundamentação se inclina na direção da inexistência de subordinação. A partir da leitura de citados precedentes das Turmas, os motoristas têm autonomia e flexibilidade, requisitos incompatíveis com o vínculo empregatício, por existir liberdade ampla do motorista para escolher dia, horário e forma de trabalhar, podendo inclusive desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem estar vinculado a nenhuma das metas determinadas pela Uber.

A tão desejada segurança jurídica em tais parcerias, entretanto, parecem ainda sonho muito distante, tendo em vista que na primeira e segunda instâncias do Poder Judiciário Trabalhista ainda existem posições muito fortes de juízes e desembargadores pela existência do vínculo de emprego. Para tanto, justificam a existência de subordinação principalmente pela impossibilidade de os motoristas escolherem, por exemplo, o preço do serviço, bem como pela possibilidade de serem advertidos, punidos e descadastrados da plataforma.

Igual raciocínio se aplica a outros serviços de natureza semelhante, como os aplicativos de entrega (iFood, Rappi, Loggi etc), havendo muita pressão dos sindicatos e de alguns setores da sociedade para que os entregadores e motoristas sejam contemplados com mais direitos como aqueles previstos na CLT.

Polêmicas e paixões à parte, é interessante observar como as principais bancas de advocacia do país encontram caminhos legais e arrojados de forma a proteger os interesses de seus clientes contra decisões-surpresas, as quais poderiam gerar severas consequências econômicas e comprometer inclusive a viabilidade da continuidade da prestação de serviços.

Nesse prumo, gerou bastante repercussão uma decisão judicial em ação civil pública contra a empresa Loggi[2], condenada na obrigação de contratar os motoboys como empregados; suspender a contratação de autônomos; não instituir prêmio por produção, taxa de entrega ou comissão (para garantir a segurança dos entregadores); bem como ao pagamento de multa de R$ 30 milhões pelo dano social causado à coletividade.

Tal decisão ocorreu à época poucos dias antes do recesso forense do Poder Judiciário em 2019, sendo que o competente recurso ordinário foi interposto pelos patronos da Loggi em 19/12/2019, após as 19 horas, exatamente no dia anterior ao início do recesso. Juntamente ao recurso ordinário, a banca de advocacia, de maneira bastante adequada, solicitou tutela incidental liminar que conferisse efeito suspensivo ao recurso ordinário, conforme preconiza a Súmula 414 do Tribunal Superior do Trabalho.

Cabe a observação acerca da estratégia processual duplamente bem aplicada pelo prestigiado escritório de advocacia, na medida em que não apenas lançou mão da melhor medida processual disponível o pedido de liminar de concessão de efeito suspensivo como também a protocolizou no último dia de funcionamento do Poder Judiciário em 2019, sobretudo no horário que se iniciava o Plantão Judiciário, de forma que a medida seria obrigatoriamente apreciada pelo desembargador plantonista à época, o desembargador Sérgio Pinto Martins, do E. TRT/SP da 2ª Região , o qual conferiu efeito suspensivo ao recurso ordinário e suspendeu a execução dos efeitos da sentença de primeiro grau em 21/12/2019, apenas dois dias após a interposição da medida.

E, uma vez mais, em novo caso envolvendo mais uma plataforma de prestação de serviços, fato semelhante ocorreu há poucos dias, agora em processo envolvendo a empresa Uber[3], após o juiz de primeira instância determinar uma perícia no algoritmo da empresa. Aliás, para melhor contextualizar o leitor, o propósito de referida perícia seria identificar as condições nas quais ocorria a distribuição de chamadas, a definição dos valores, as restrições e preferências com base na avaliação, a frequência das corridas e o conteúdo das comunicações entre a plataforma e os motoristas.

Os patronos da Uber, ato contínuo, impetraram mandado de segurança contra a decisão, alegando que a obtenção das informações a partir desta prova pericial teria o potencial de trazer à tona informações sigilosas, aparentemente fundamentais no segmento empresarial de atuação da própria Uber, bem como seria totalmente desnecessária ao deslinde do objeto da reclamação trabalhista. O Tribunal Regional do Trabalho, contudo, negou a segurança[4], sendo que a Uber interpôs recurso ordinário contra a decisão.

E aqui, em tal fato, reside o bom domínio da lei processual pelos referidos patronos, os quais necessitaram inclusive lançar mão de correição parcial junto à Corregedoria da Justiça do Trabalho. Aliás, percebendo a dificuldade do debate a ser travado em âmbito do Tribunal Regional, os patronos encontraram uma saída arrojada e em perfeita conformidade com as leis processuais, qual seja, a interposição de recurso ordinário ao TST, com pedido de liminar que conferisse efeito suspensivo ao referido apelo, tal qual ocorreu no episódio envolvendo a empresa Loggi.

O Tribunal Superior do Trabalho, ao se posicionar, na pessoa do relator, ministro Douglas Alencar Rodrigues, deferiu a tutela provisória de urgência de natureza cautelar antecedente e, ato seguinte, suspendeu a realização da perícia no algoritmo até o julgamento do recurso ordinário nos autos do mandado de segurança pela SBDI-2 do C. TST.

Não restam dúvidas, portanto, de que o bom e correto domínio do Direito Processual do Trabalho pode, literalmente, "salvar" um cliente, resolver seu problema e trazer justiça ao caso concreto, sem que haja necessidade de expedientes protelatórios ou eivados de má-fé processual. Nos dois casos trazidos à tona, ora acima citados, notou-se que as decisões-surpresas colocadas pelos magistrados poderiam causar danos irreparáveis não apenas às empresas envolvidas, mas a toda uma categoria econômica.

Em ambos os casos, ainda, verificou-se o domínio dos patronos acerca da tutela de urgência destinada a conferir efeito suspensivo aos recursos ordinários, não obstante a legislação celetária, em seu artigo 899, preconizar que referido apelo será recebido apenas em efeito devolutivo. Contudo, o Direito Processual do Trabalho pode se socorrer do Direito Processual Civil naquilo em que for omisso, consoante o artigo 769 da CLT.

Desta forma, tomando-se como base o parágrafo quinto do artigo 1.029 do CPC, nota-se a possibilidade de requerer efeito suspensivo a recurso interposto nas seguintes situações, a saber:

Artigo 1.029 do CPC
(…)
§ 5º O pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário ou a recurso especial poderá ser formulado por requerimento dirigido:
I – ao tribunal superior respectivo, no período compreendido entre a publicação da decisão de admissão do recurso e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-lo;
II – ao relator, se já distribuído o recurso;
III – ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, no período compreendido entre a interposição do recurso e a publicação da decisão de admissão do recurso, assim como no caso de o recurso ter sido sobrestado, nos termos do art. 1037.

Neste sentido, a Súmula 414 do TST afastou a incidência de mandado de segurança contra tutela provisória contida na sentença, trazendo a possibilidade de pedido de tutela incidental nos moldes do artigo supracitado:

Súmula 414 do TST
MANDADO DE SEGURANÇA. TUTELA PROVISÓRIA CONCEDIDA ANTES OU NA SENTENÇA (nova redação em decorrência do CPC de 2015) – Res. 217/2017 – DEJT divulgado em 20, 24 e 25.04.2017
I – A tutela provisória concedida na sentença não comporta impugnação pela via do mandado de segurança, por ser impugnável mediante recurso ordinário. É admissível a obtenção de efeito suspensivo ao recurso ordinário mediante requerimento dirigido ao tribunal, ao relator ou ao presidente ou ao vice-presidente do
tribunal recorrido, por aplicação subsidiária ao processo do trabalho do artigo 1.029, § 5º, do CPC de 2015.
II – No caso de a tutela provisória haver sido concedida ou indeferida antes da sentença, cabe mandado de segurança, em face da inexistência de recurso próprio.
III – A superveniência da sentença, nos autos originários, faz perder o objeto do mandado de segurança que impugnava a concessão ou o indeferimento da tutela provisória.

Aliás, todas essas técnicas processuais na busca da alta performance da advocacia trabalhista em âmbito recursal estão hoje pormenorizadamente discriminadas e disponíveis ao público em geral para fins de consulta na obra recentemente publicada pela Editora Mizuno, com o título “Prática Trabalhista nos Tribunais: TRT´s e TST”[5]. Trata-se de livro referência no assunto por abordar, do ponto de vista teórico e prático, todas as orientações e estratégicas para uma atuação de sucesso da advocacia no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho, por descrever em seus respectivos capítulos as principais problemáticas envolvendo os recursos trabalhistas.

Desta forma, é crucial que os advogados da área trabalhista tenham conhecimento deste expediente processual, bem como estejam atentos a decisões-surpresas que porventura estejam implícitas nas sentenças, como a produção de seus efeitos independentemente do trânsito em julgado. No mesmo sentido, decisões-surpresas combatíveis via mandado de segurança podem ser contempladas pelo mesmo benefício, tendo em vista ser o recurso ordinário a apelação cabível contra decisão no mandamus.

Portanto, o domínio das técnicas vitoriosas de êxito nos Tribunais, como aqui exemplificadas em dois importantes casos envolvendo plataformas digitais, é fundamental para uma advocacia de estratégica de resultados, sendo que este conhecimento dos instrumentos processuais poderá ser o diferencial entre ganhar e perder um processo, não obstante o domínio da lei material.

 


[1] Processo nº 10555-54.2019.5.03.0179 – 4ª Turma; Processo nº 1001821-40.2019.5.02.0401 – 5ª Turma; Processo nº 1000123-89.2017.5.02.0038 – 5ª Turma; Processo nº 10575-88.2019.5.03.0003 – 4ª Turma.

[2] Processo nº 1001058-88.2018.5.02.0008.

[3] Processo nº 1000825-67.2021.5.00.0000 / 0103519-41.2020.5.01.0000.

[4] https://www.conjur.com.br/2021-mai-05/trt-mantem-pericia-algoritmo-uber-verificar-vinculo

[5] https://www.editoramizuno.com.br/pratica-trabalhista-nos-tribunais-trts-e-tst.html