Opinião

A amplitude do termo "mandato" na fixação do foro por prerrogativa de função

Autor

  • Galtiênio da Cruz Paulino

    é mestre pela Universidade Católica de Brasília doutorando pela Universidade do Porto pós-graduado em Direito Público pela ESMPU e em Ciências Criminais pela Uniderp orientador pedagógico da ESMPU ex-procurador da Fazenda Nacional e atualmente procurador da República e membro-auxiliar na Assessoria Criminal no STJ.

3 de junho de 2021, 18h03

Em 23/11/2017, o plenário do Supremo Tribunal Federal, na questão de ordem na ação penal 937, definiu que o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. Na oportunidade, restou consignado também que "após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo[1]".

Diante do posicionamento exposto, diversos questionamentos foram surgindo sobre o limite de incidência do foro por prerrogativa de função. Uma das principais discussões, recentemente solucionada, foi sobre o denominado "mandato cruzado", situação que ocorre quando, por exemplo, um deputado federal passa a ser senador da República, ou vice-versa. Nesse caso, cometido um delito durante e em razão do mandato de deputado federal, ao assumir o cargo de senador da República o parlamentar manterá a prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal?

A Corte Suprema definiu que "mantém sua competência penal para processar e julgar parlamentares federais no caso de 'mandatos cruzados', ou seja, quando um deputado federal é eleito senador ou vice-versa", desde que ocorra continuidade entre os mandatos [2]. Na oportunidade, o ministro Edson Fachin afirmou: "havendo interrupção ou término do mandato, sem que o investigado ou acusado tenha sido novamente eleito para os cargos de deputado federal ou senador, o declínio da competência é medida impositiva, nos termos do entendimento firmado pelo Plenário". Considerou-se a continuidade de mandatos em casas parlamentares federais diversas como mandato único, suficiente para preservação da competência criminal do Supremo Tribunal Federal.

Porém, qual a extensão do conceito de mandato para a incidência do foro por prerrogativa de função? Como fica a situação, por exemplo, do parlamentar estadual que, em continuidade ao mandato, passa a ser parlamentar federal?

Em breve, o Supremo Tribunal Federal irá se posicionar sobre a matéria [3]. O caso envolve senador da República que responde pela prática de delitos no mandato e em razão do mandato de deputado estadual, que exercia no período anterior ao seu ingresso no Congresso Nacional. Nesse caso, qual será o foro competente para o caso?

Uma interpretação restritiva do posicionamento do Supremo Tribunal Federal firmado na questão de ordem na ação penal 937, resultaria na competência do juízo de primeira instância para o caso. Ocorre que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu ser o juízo competente, em decorrência de o possível delito ter sido cometido durante o mandato de deputado estadual. Contudo, o parlamentar é, atualmente, senador da República. Desse modo, não cessou a competência do Tribunal de Justiça? Caso seja considerado o mandato atual do parlamentar, a competência para o caso não seria do Supremo Tribunal Federal? 

Uma possível discussão sobre a matéria envolve a delimitação do entendimento sobre a abrangência do mandato parlamentar, em termos de competência, a ser adotado para se fixar o foro competente para um delito cometido por parlamentar no cargo e em razão do cargo. No julgamento do agravo regimental na Petição 9.189 acima referido, o Supremo Tribunal Federal considerou uno o mandato, para fim de competência criminal, de parlamentar que, em continuidade ao mandato que cometeu um delito, elege-se para casa diversa dentro do Congresso Nacional. Nesse caso, os mandatos parlamentares contínuos, mesmo exercidos em casas diversas, são considerados unos. E no caso do deputado estadual que passa a ser senador da República, em continuidade de mandatos (esferas legislativas diversas), o mandato também será uno? Caso seja uno, o juízo competente será o Tribunal de Justiça ou o Supremo Tribunal Federal?

Na hipótese aventada, não sendo considerado uno o mandato, o juízo competente será o de primeira instância, visto que haverá uma barreira intransponível à manutenção do foro, não afastada pelo entendimento firmado na questão de ordem na ação penal 937, que é a necessidade de o parlamentar, para manter o foro criminal, continuar no exercício do mandato. Caso se considere o mandato federal contínuo ao estadual uno para o foro privilegiando, haverá um grande problema para a solução do caso. Dois possíveis foros concorrerão, o do mandato estadual (Tribunal de Justiça) e o do mandato federal (Supremo Tribunal Federal). Se o primeiro for considerado competente, teremos a situação de um senador Federal sendo julgado por um juízo não equivalente ao do cargo que atualmente ocupa, baseado em um mandato anterior (deputado estadual). Em se considerando o Supremo Tribunal Federal competente, a Corte Suprema julgará um caso envolvendo eventos ocorridos antes do mandato federal, deslocando-se a competência para o caso em decorrência de o parlamentar ter assumido um mandato federal, situação vedada após o julgamento da questão de ordem na ação penal nº 937.

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  • Brave

    é mestre pela Universidade Católica de Brasília, doutorando pela Universidade do Porto, pós-graduado em Direito Público pela ESMPU e em Ciências Criminais pela Uniderp, orientador pedagógico da ESMPU, ex-procurador da Fazenda Nacional e atualmente procurador da República e membro-auxiliar na Assessoria Criminal no STJ.

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