Opinião

Ação rescisória da PGFN contra "tese do século" é juridicamente impossível

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3 de junho de 2021, 11h07

No último dia 13/5, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento dos embargos de declaração opostos pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) no RE 574.706 (Tema 69), fixando a tese de que deve ser excluído das bases de cálculo do PIS e da Cofins todo o ICMS destacado nas notas fiscais e não apenas o imposto efetivamente recolhido aos estados.

No entanto, o STF modulou os efeitos da sua decisão para que surta efeitos apenas a partir da data da sessão de julgamento que havia analisado o mérito do recurso extraordinário, há quatro anos (15/3/2017), ressalvadas as ações judiciais e administrativas protocoladas até a citada data.

Em razão da modulação de efeitos, passou-se a suscitar a possibilidade de a PGFN ajuizar ações rescisórias contra decisões que já transitaram em julgado em ações propostas após a data-base da modulação (15/3/2017) e que tenham reconhecido o direito à repetição de indébito quanto aos cinco anos anteriores. O objetivo da ação rescisória seria limitar a repetição do indébito à data-base da modulação (15/3/2017) e não aos cinco anos anteriores ao ajuizamento.

De fato, o Código de Processo Civil (CPC, artigo 535) estabelece que são inexigíveis as decisões judiciais fundadas em legislação ou interpretação considerada inconstitucional pelo STF, e que poderá ser ajuizada ação rescisória contra decisões já transitadas em julgado em sentido contrário ao decidido pelo Supremo.

O primeiro óbice à rescisória está nesse ponto. O que o CPC prevê é a possibilidade de uma ação rescisória contra uma decisão que seja contrária ao entendimento do STF. No caso da exclusão do ICMS da base do PIS/Cofins, as decisões que, supostamente, seriam questionadas pela PGFN em ação rescisória estão em linha com a posição do Supremo. Desse modo, não poderia a PGFN requerer a rescisão de uma decisão que está em conformidade com o entendimento do STF.

Por outro lado, o CPC prevê que o STF poderá modular os efeitos da decisão no tempo, para favorecer a segurança jurídica. Essa modulação visa à segurança jurídica, isto é, proteger os casos já transitados em julgado, ainda que contrários ao entendimento firmado posteriormente pelo STF. Em outras palavras, a modulação tem por objetivo impedir a ação rescisória, que seria cabível a princípio, de forma a manter a segurança jurídica sobre os casos já transitados. Portanto, a modulação prevista no CPC tem como objetivo obstar as rescisórias, e não as viabilizar. Seria um contrassenso permitir uma ação rescisória para favorecer a segurança jurídica.

Por fim, tem-se suscitado a possibilidade da ação rescisória em razão de uma mudança de orientação da jurisprudência do STF. Com efeito, os ministros do STF, no julgamento do último dia 13 de maio, alegaram que a jurisprudência anterior era em sentido contrário (citando a jurisprudência do STJ e não do STF). Essa argumentação gerou polêmica. Mas, polêmica à parte, o "novo" entendimento foi firmado pelo STF em 15/3/2017 e não em 13/5 deste ano. Tanto é que a justificativa para a modulação a partir da data de 15/3/2017 foi justamente que o mérito da discussão foi resolvido nessa data. Sendo assim, não há como sustentar a possibilidade de rescisão de decisões transitadas após esta data (15/3/2017) sob a alegação de mudança da jurisprudência, ainda que tenha havido uma modulação dos efeitos. Nesse particular, vale apenas registrar que, em outubro de 2014, o Plenário do STF já havia decidido a matéria nesse mesmo sentido, embora sem o reconhecimento da repercussão geral.

Um último ponto que merece atenção é que a ação rescisória prevista no artigo 535 do CPC está prevista no capítulo sobre o cumprimento de sentença. Assim, ainda que estivessem presentes as hipóteses de ação rescisória, ela estaria adstrita aos casos em que houve cumprimento de sentença, não alcançando aqueles casos em que houve desistência do cumprimento para habilitação administrativa perante a RFB visando a compensações.

A modulação de efeitos acolhida pelo STF teve como objetivo, tão somente, estabelecer um marco temporal (um limite no tempo) para a repetição de indébitos nas ações ajuizadas após a consolidação do mérito da discussão em 15/3/2017, tendo por base o ônus econômico que a União Federal teria que suportar.

Mas, de forma alguma, a modulação teve como intuito permitir ou viabilizar a rescisão de decisões já transitadas em julgado em ações propostas após esta data (15/3/2017), pois, nesses casos, a modulação estaria servindo exatamente em sentido contrário ao seu propósito, que é favorecer a segurança jurídica.

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