Opinião

Big Brother corporativo: qual o limite de monitoramento das atividades do funcionário?

Autor

  • Natália Marques

    é advogada da área de recuperação de empresas do escritório Dosso Toledo Advogados é mestranda em direito comercial na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP – Largo São Francisco) é especialista em direito comercial e empresarial e especialista em Lei Geral de Proteção de Dados e foi pesquisadora da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

3 de junho de 2021, 15h08

A necessidade de adaptar o mercado de trabalho às restrições impostas pela pandemia do coronavírus fez com que muitas pessoas começassem a trabalhar em regime de home office ou teletrabalho. Com essa tendência, muitas empresas aderiram a determinadas ferramentas que permitem certo controle sobre as atividades dos funcionários que estão longe dos olhos atentos de seus supervisores.

Há ferramentas disponíveis que conseguem elaborar relatórios contendo as tarefas desempenhadas ao longo da jornada de trabalho, como a quantidade de e-mails enviados, o tempo em que permaneceu em determinada página ou documento, ou mesmo o tempo total que esteve à frente do computador, entre outras estatísticas. Os meios para obter informações sobre a atividade do funcionário podem consistir em capturas esporádicas da tela, monitoramento da quantidade de cliques e acionamento de teclas e visualização dos sites e aplicativos acessados. É o "BBB corporativo".

Há uma grande discussão sobre a possibilidade desse tipo de monitoramento e seus limites. Por um lado, há o reconhecimento do interesse do empregador de que o home office não seja utilizado como uma forma de escapar ao trabalho e que, se o dispositivo a ser monitorado for disponibilizado pela própria empresa, deve ser utilizado apenas para as finalidades funcionais; por outro lado, há a privacidade desse empregado e a compreensão de que a produtividade do trabalho não é garantida pela total proibição de intervalos de distração.

Além de eventuais discussões jurídicas concernentes ao direito do trabalho, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) também ingressa no debate, e seus princípios podem trazer não a preponderância de um interesse em detrimento do outro (interesse da empresa x privacidade do empregado), mas uma solução de equilíbrio.

Isso porque a LGPD dispõe que as atividades de tratamento de dados (como o monitoramento das atividades do funcionário) devem ter uma finalidade específica, lícita e legítima, e os meios para alcançá-los devem ser necessários e adequados para tal objetivo. 

Dessa forma, mesmo que seja reconhecido como lícito o controle das atividades dos funcionários pela perspectiva da empresa, que teria um legítimo interesse para tanto, ainda é preciso refletir se a forma de atingimento dessa finalidade é a mais adequada, considerando que também é necessário resguardar a privacidade do funcionário, bem como sua dignidade.

Assim, por exemplo, se o objetivo é evitar a possibilidade de que a pessoa se distraia com redes sociais ou determinados sites que podem comprometer a segurança da rede, seria muito mais adequado que a ferramenta implementada impedisse o acesso e a conexão a certos sites pré-selecionados do que capturar a tela a cada intervalo de tempo ou emitir relatório com os endereços acessados e o conteúdo ali visualizado. É uma solução menos invasiva à privacidade desse usuário, e o objetivo atingido é o mesmo.

Esse tipo de reflexão é essencial para as empresas, que devem tomar nota de que há diversos meios para se atingir a mesma finalidade que envolva dados pessoais, assim como é uma obrigação e uma responsabilidade legal dos empregadores buscar meios que sejam mais adequados e menos invasivos à privacidade do usuário, ainda que a finalidade seja legítima.

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