Opinião

Audiência fora do foro não é desaforo

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  • Domingos Sávio Zainaghi

    é advogado mestre e doutor em Direito do Trabalho pela PUC-SP pós-doutorado em Direito do Trabalho pela Universidad Castilla-La Mancha (Espanha) presidente honorário do Instituto Iberoamericano de Derecho Deportivo coordenador acadêmico da Sociedade Brasileira de Direito Desportivo (SBDD) membro da Academia Brasileira de Direito Desportivo (ANDD) e do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD). 

2 de junho de 2021, 13h26

Fiz minha primeira audiência trabalhista em 1981, ainda como estudante do quarto ano do curso de Direito, pois à época era vigente o Provimento 33 da Ordem dos Advogados do Brasil, que permitia que estagiários fizessem audiências trabalhistas, bem como algumas criminais.

Portanto, são quarenta anos de experiência nos foros trabalhistas, sentando-me ora à frente e à direita do magistrado, ora à frente e à esquerda, o que me tornou um advogado equilibrado e não ideológico, nem de direita e nem de esquerda. Aliás, para isto concorreu muito um conselho que recebi do professor Arion Sayão Romita, que me disse que advogasse para qualquer parte, pois isso me daria o equilíbrio necessário para o magistério de Direito do Trabalho, o qual exerço há 35 anos.

Não sei precisar o número de audiências que fiz na minha vida de advogado, mas com certeza foram centenas; cíveis, criminais e sobretudo trabalhistas. Jamais tive um problema mais sério com juízes ou advogados, somente meros contratempos, mas que sequer podem ser chamados de problemas. Nunca denunciei um juiz à corregedoria por abuso de poder, nunca fui ameaçado de prisão por desacato, e antes que digam que é assim por eu ser muito conhecido, lembro que não saí da faculdade conhecido ou reconhecido como autoridade em nada. Tinha eu 23 anos, sem pedigree na área do Direito, e mesmo sendo estudante e fazendo audiências, nunca tive qualquer altercação com juízes.

Quando no ano passado foi anunciado que as audiências seriam por videoconferência, me posicionei totalmente contrário, inclusive em um evento da OAB-SP (subseção Cotia), debati com o juiz Glauco Bresciani Silva, e discordei dele, que era favorável a esse procedimento. Para demonstrar que talvez eu estivesse com a razão, elenquei problemas que poderiam surgir.

Bem, confesso publicamente que eu estava errado e o Glauco, certo. Dei uma opinião sobre algo que não conhecia. Sabe aquela coisa que te oferecem para comer, e você nunca a comeu e diz que não gosta? Pois é. Foi o que aconteceu comigo. Que vergonha!

"Audiência fora do foro é desaforo!" A frase que meus combativos colegas trabalhistas têm divulgado como símbolo de uma campanha em desfavor das audiências por videoconferência é muito forte e, por tal força, ganha a simpatia de muita gente.

Meu escritório tem audiências praticamente todos os dias, até mais de uma, e neste período digo a vocês que nem eu nem qualquer dos advogados que comigo trabalham tivemos um problema sequer com as audiências por videoconferência.

E tivemos audiências de casos complicadíssimos. Há duas semanas fiz uma audiência que durou três horas; na passada, uma que durou duas horas, com oitiva de partes e testemunhas, sem qualquer problema.

Antes, as audiências sempre atrasavam, e tínhamos de esperar desconfortavelmente nas salas de espera dos fóruns; agora, quando atrasam, estamos no conforto de nossos escritórios ou casas. Não gastamos tempo no trânsito, não temos de pagar estacionamento para deixar nossos veículos ou pagar táxis ou outros tipos de transporte para nos deslocarmos aos prédios da Justiça.

Vou dar mais alguns exemplos que se passaram apenas comigo, nem trazendo os de meus colegas de escritório.

Fiz uma audiência no mês passado em Porto Alegre. Eu estava em São Paulo, meu cliente em Brasília, e nossa testemunha em Florianópolis. Processo de atleta profissional de futebol, caso complicado, e a audiência se deu com toda a tranquilidade. Vejam, eu e meu cliente não tivemos de nos deslocar até Porto Alegre e nem foi necessária carta precatória para ouvir nossa testemunha.

Quanto aos tribunais, além do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, tenho processos em outras cortes, inclusive no Tribunal Superior do Trabalho, que tem sede em Brasília.

Mesmo quanto ao TRT em São Paulo, ainda que meu escritório seja próximo, não preciso me deslocar até sua sede, e quem conhece as instalações sabe: nem poltronas suficientes ali existem para se aguardar ao menos sentado até seu processo ser apregoado, o que traz o cansaço próprio de ficar em pé por muito temo, às vezes por horas, dificultando até o raciocínio no momento da sustentação.

Quanto aos de outras regiões e o Tribunal Superior do Trabalho, não preciso mais viajar, muitas vezes um dia antes, para fazer uma sustentação, e sem contar que não raro o processo é retirado de pauta, e eu ou qualquer outro advogado perde tempo e dinheiro, além do cansaço e desgaste das viagens (e até riscos, principalmente quando se faz o percurso por automóvel).

Somente vejo vantagens no procedimento por videoconferência, inclusive para o Estado. Não existirá mais a necessidade de grandes estruturas físicas como o Fórum Rui Barbosa em São Paulo, para acolher milhares de pessoas por dia.

E caso seja necessário em um processo especial, as partes ou o próprio magistrado poderão requerer ou designar audiência presencial. Mas esta será a exceção, sendo a regra a videoconferência.

Não nos esqueçamos da orientação do artigo 6º do Código de Processo Civil, para que as partes mutuamente se ajudem para que o processo chegue a um bom termo e em prazo razoável.

Os maus advogados sempre existirão, e se vierem a tomar atitudes equivocadas e antiéticas no procedimento digital, o fariam no procedimento presencial ou no processo físico.

O argumento (correto) de que ainda poucas pessoas têm acesso à internet não me convence, pois o cidadão mais humilde poderá muito bem participar da audiência no escritório do advogado. Ah, mas tem advogado que também não tem equipamentos aptos para fazer audiência por videoconferência. Pergunto: como estes advogados distribuem suas ações e acompanham seus processos (já que hoje os processos trabalhistas são totalmente digitais)?

Ah, e os advogados idosos? Bom, neste caso olha eu aqui (risos): tenho 62 anos e estou me atualizando. Se eu não conseguir me adaptar aos novos tempos, penduro as chuteiras, dou a volta olímpica e me retiro.

Gente, não tenhamos medo do novo. O mundo mudou, e como diz um ditado muito antigo, mas sábio como todos os ditados filosóficos, não reclamemos da escuridão, mas sim acendamos velas.

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  • Brave

    é advogado trabalhista, pós-doutorado em Direito do Trabalho pela Universidade de Castilla (La Mancha, Espanha), mestre e doutor em Direito do Trabalho pela PUC-SP, pós-graduado em Comunicação Jornalística pela Faculdade Casper Líbero, presidente honorário da Asociación Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de La Seguridad Social e do Instituto Iberoamericano de Derecho Deportivo, membro do Instituto Latinoamerricano de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social-ILTRAS, membro da Comunidad para Investigación y el Estudio Laboral y Ocupacional-CIELO, membro da Academia Paulista de Direito, da Academia Nacional de Direito Desportivo, da União dos Juristas Católicos de São Paulo-UJUCASP, coordenador Nacional de Direito do Trabalho da Escola Nacional da Advocacia-ENA, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, professor Honoris Causa em Humanidades da Universidad Paulo Freire, da Nicarágua e professor universitário no Brasil e no exterior.

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