Capacidade civil

Contratação de empréstimo por indígena analfabeto não exige procuração pública

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2 de junho de 2021, 15h44

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso que considerou nulo o contrato de empréstimo consignado firmado entre um banco e um aposentado indígena analfabeto.

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Agência BrasilContratação de empréstimo por indígena analfabeto não exige procuração pública

Para o TJ-MT, embora o contrato tenha sido assinado por um terceiro a pedido do analfabeto, além de duas testemunhas, não havia procuração pública para esse terceiro.

Ao acolher o recurso especial do banco, a 3ª Turma entendeu que foram cumpridos os requisitos do artigo 595 do Código Civil, sendo dispensável, nesse caso, a realização do negócio por instrumento público ou mediante a outorga de procuração.

A ação foi proposta pelo indígena, que alegou que sua aposentadoria sofreu descontos referentes a empréstimo não contratado. O pedido de anulação do contrato e restituição de valores foi julgado improcedente em primeiro grau, mas o TJ-MT reformou a sentença para declarar o débito inexistente e condenar o banco, ainda, ao pagamento de danos morais de R$ 5 mil.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, apontou que os analfabetos detêm plena capacidade civil e podem contrair direitos e obrigações. Da mesma forma, explicou, os indígenas podem praticar todos os atos da vida civil, tendo em vista que o regime previsto na Lei 6.001/1973 (Estatuto do Índio) não foi recepcionado pela Constituição de 1988.

Em razão do princípio da liberdade das formas, a relatora também destacou que, na falta de exigência legal expressa, a validade de contrato firmado por pessoa analfabeta não depende de instrumento público, ou seja, o fato de um indivíduo não saber ler ou escrever não implica, por si só, a obrigatoriedade da adoção de escritura pública para a formalização do negócio.

Entretanto, Nancy Andrighi lembrou que o artigo 595 do Código Civil prevê, como forma de compensar a maior vulnerabilidade do analfabeto, um requisito formal a ser observado no contrato: a assinatura a rogo por terceiro, com a subscrição de duas testemunhas.

A participação do terceiro, pessoa da confiança do analfabeto, que confere e lhe explica os termos do contrato, não se confunde com o exercício de mandato por procuração, esclareceu a relatora. "

Não se exige que o terceiro que assina a rogo do analfabeto, na forma do artigo 595 do Código Civil, tenha sido anteriormente constituído como seu procurador", declarou. Segundo ela, o negócio com participação de analfabeto pode ser feito mediante escritura pública, por procuração ou na forma do artigo 595.

Embora tenha votado pelo provimento do recurso do banco, pois a discussão jurídica se limitava à necessidade ou não de procuração, a ministra ponderou que, "para além da observância da forma, a validade do contrato celebrado por pessoa analfabeta depende, também, da aferição da higidez da vontade declarada pelo contratante, em comparação com sua vontade real".

Após discorrer sobre a hipervulnerabilidade dos analfabetos no ambiente de consumo, ela destacou que a simples observância da forma legal pode não ser suficiente para neutralizar "o abissal desequilíbrio existente entre esse grupo de consumidores e os fornecedores em geral".

A relatora mencionou que, para enfrentar o problema do déficit informacional das pessoas idosas e analfabetas diante do assédio de consumo, o projeto de atualização do Código de Defesa do Consumidor, em discussão na Câmara dos Deputados, prevê novos instrumentos de proteção ao tomador de crédito e de prevenção do superendividamento. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

REsp 1.907.394

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