Opinião

Impactos da decisão do STJ sobre princípio do equilíbrio econômico-financeiro

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30 de julho de 2021, 6h02

Introdução
A pandemia da Covid-19 modificou bruscamente o cotidiano da sociedade ao estabelecer lockdowns reduzindo a locomoção dos indivíduos com a inserção do sistema virtual de home office e aulas a distância (EAD). Assim, a utilização dos serviços de transportes públicos e das rodovias com os veículos individuais diminuiu a ponto de provocar uma significativa redução na arrecadação tarifária das concessionárias. Com isso, o presente artigo pretende analisar os impactos da decisão do STJ em suspensão de liminar e de sentença a aplicação do reequilíbrio econômico-financeiro devido à pandemia [1], com a observância dos princípios dos serviços públicos.

O princípio do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão consiste no dever de manter as condições efetivas da proposta do contrato realizado pelo processo de licitação pública (artigo 37, XXI, CF). Além disso, deve haver a manutenção dos elementos do projeto básico que caracterizam o contrato estabelecidos no edital de licitação (artigo 18, XV, Lei 8.987/95). A aplicação do princípio, havendo a ocorrência de eventos como a pandemia, resta pacificada, como aponta Justen Marçal (2003) [2]. O autor também diz que a ocorrência de evento superveniente de cunho extraordinário confere ao concessionário a recomposição das condições originais entre encargos e vantagens. Ademais, Marçal afirma que essa imposição constitucional impõe tutela não apenas no âmbito Legislativo, como também no tocante à Administração Pública.

A Lei de Concessões e a Lei das PPPs inovaram o princípio ao inserir novos quadrantes ao equilíbrio econômico-financeiro das concessões, como expõe Ribeiro (2007) [3], a distribuição de riscos configura-se como a principal função do contrato, sendo uma antecipação e atribuição a cada uma das partes de suas obrigações de assumir as consequências de eventos futuros. Perez (2009) [4], ademais, aponta que o risco seria matéria de contrato, devendo ser alocado à parte capaz de reduzir as chances de um evento ocorrer a um menor custo. Exemplificam algumas das inovações o artigo 2º, III, o artigo 9º, §3º e §4º, e o artigo 10º da Lei 8.987/95 e o artigo 5º, III, da Lei 11.079/2004.

Aplicabilidade do princípio no contexto da pandemia
A utilização do princípio, com as inovações inseridas, no contexto da Covid-19 ainda deve ser realizada por meio dos instrumentos jurídicos dispostos pela legislação correspondente, no caso observando o artigo 23, IV, da Lei 8.987/95. Desse modo, cabe analisar as formas de reequilíbrio econômico-financeiro possíveis considerando os instrumentos jurídicos citados. As formas de reequilíbrio se desenvolvem em: 1) incremento da tarifa, devendo haver observação da modicidade tarifária (artigo 6º, §1º, Lei 8.987/95); 2) pagamento direto ao concessionário (artigo 19, Lei 4.320/64 c/c artigo 17, Lei 8.987/95); 3) extensão do prazo contratual; 4) redução das obrigações dos concessionários/adequação/atualidade dos serviços.

A última forma de reequilíbrio mencionada foi tema de julgamento em suspensão de liminar e de sentença (SLS) do STJ em 2020. A SLS abordou, entre outras questões, o princípio da continuidade do serviço em conflito com o princípio do equilíbrio econômico-financeiro na pandemia. Cabe conceituar previamente o princípio da continuidade, que consiste no dever do concessionário de prestar um serviço adequado, entre outras condições, com continuidade (artigo 6º,§1º, Lei 8.987/95). O princípio de continuidade ainda engloba "exceções", como as dispostas no artigo 6º, §3º, da mesma lei.

Entendimento firmado pelo STJ
O ministro João Otávio de Noronha, na SLS citada, corrobora o entendimento até então exposto no artigo, afirmando que a redução do número de usuários do transporte público decorrente da pandemia implica em "imediata e bruta queda da receita aferida pelas concessionárias". Ademais, expõe que a queda de receita proíbe uma readequação da logística referente à prestação do serviço público, gerando um desequilíbrio econômico-financeiro no contrato. O ministro ainda aponta ser inquestionável o interesse público com a continuidade do serviço, mas que dependeria no momento da capacidade da concessionária de "reorganizar de forma eficaz a execução de percursos e horários".

Com isso, o julgado do STJ ilustra como o seu entendimento está em consonância com a doutrina e a legislação brasileiras, possibilitando o reequilíbrio econômico-financeiro devido à alteração das condições efetivas da proposta do contrato pela pandemia.

 

[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. suspensão de liminar e de sentença nº 0091341-55.2020.3.00.0000 – DF. Requerente: Viação Montes Brancos Ltda. Requerido: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Interes: Município de Araruama. Relator: ministro João Otávio de Noronha. Data de publicação: 28/04/2020. 

[2] JUSTEN FILHO, Marçal. As diversas configurações da concessão de serviço público. Belo Horizonte: Revista de Direito Público da Economia – RDPE, ano 1, n. 1, jan./mar. 2003. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=12713>. Acesso em: 16 jan. 2021.

[3] RIBEIRO, Maurício Portugal; PRADO, Lucas Navarro. Comentários à lei de PPP – Parceria público-privada: fundamentos econômico-jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 117.

[4] PEREZ, Marcos Augusto. O risco no contrato de concessão de serviço público. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 115-118.

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